Luz no fim do túnel
Maioria dos casos de suicídio são preveníveis, dizem os especialistas
Por Daniela Scaffo e Elena Wesley
O jornalismo, ao noticiar sobre um assunto, para humanizá-lo e/ou torná-lo mais próximo do público, se utiliza muitas vezes do recurso de começar o texto contando a história de um personagem da vida real. Nessa reportagem sobre o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, que será celebrado na próxima quarta-feira (9), não vamos fazer isso. Mas não só porque seria muito difícil encontrar alguém que queira revelar, mesmo que anonimamente, que tentou tirar a própria vida por uma fragilidade mas também porque este ainda é um assunto muito tabu nos meios de comunicação. No entanto o que muitos não sabem é que, acompanhando uma tendência mundial, o Brasil já encara o problema há vários anos como de saúde pública, uma vez que 90% deles são preveníveis e a grande maioria também está ligada a doenças psíquicas tratáveis, segundo especialistas na área de saúde mental.
Num detalhado e importante documento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que 804 mil pessoas tenham se suicidado no mundo em 2012. Isso dá, em média, um caso novo a cada 40 segundos. Em números, houve queda de cerca de 9% entre 2000 e 2012 (de 883 mil para 804 mil), mas os números ainda sejam preocupantes segundo o levantamento, uma vez que este é considerado o 15º gênero de óbito mais importante no mundo.
O Brasil aparece abaixo da média mundial de suicídios, estando em 113º lugar neste ranking em relação a 172 países retratados na pesquisa. Porém os números apontam quase 12 mil óbitos pela causa em 2012, o que corresponde, em média, a 32 suicídios por dia.
Mas o que pode ocorrer em muitos casos é a subnotificação, ou seja, quando no atestado de óbito aparece denominado como causa indeterminada ou desconhecida, acidente ou homicídio, além de acidente com arma de fogo, acidente de trânsito, overdose ou queda acidental.
De acordo com o psicanalista Lenilson Ferreira, cerca de 70% dos casos de suicídios estão associados a patologias de ordem mental, que são diagnosticadas e tratadas com acompanhamento médico. O principal fator é a depressão, considerada a maior incapacitadora no planeta, segundo a OMS. Porém outros fatores, como dependência do álcool e outras drogas, esquizofrenia, bipolaridade e transtornos de personalidade, doenças congênitas estão entre as causas.
“A depressão leva ao suicídio porque, quando as pessoas entram no quadro suicida, as famílias não sabem como lidar. Essas pessoas são tidas como preguiçosas, que não se esforçam para melhorar, são discriminadas e cometem suicídio. Frequentemente tem a chamada ‘ideação suicida’ para como a morte pode ser a saída dos seus problemas. Mas nem sempre a pessoa quer se matar, mas está sem orientação”, explicou o psicanalista.
Ainda segundo Ferreira, as pessoas entram em um quadro suicida por causa da pressão aplicada nos indivíduos em relação ao tempo e todas as classes sociais são atingidas.
“Existe atualmente uma pressão muito grande sobre os indivíduos. Queremos tudo depressa. A noção de tempo real nos dá uma premência grande. Nos dá ansiedade, que leva a um quadro depressivo, e a pessoa acaba perdendo a conexão com a vida e com a realidade”, argumentou.
Reconhecendo sintomas - Entre as principais características de uma pessoa que pensa em suicídio, estão a inclinação a ter quadro depressivo, perda de algum amigo ou ente-querido, perda de apetite, engordar, semblante triste, perda de prazer pela vida e prazer sexual.
“A primeira alternativa é mostrar para a pessoa que ela pode estar doente e precisa de acompanhamento profissional. Mostrar que a pessoa precisa consultar um profissional para utilizar medicamentos e apoio de psicanalista para entender a doença, além de elaborar estratégias de alternativas de vida. O primeiro passo é não virar as costas para a pessoa e recomendá-la a um médico”, orientou o psicanalista.
Ainda de acordo com Ferreira, é um mito dizer que a pessoa que pretende cometer o suicídio não manda recado.
“É importante que as pessoas percebam as evidências. Estamos vivendo uma epidemia de depressão. Hoje temos meios mais fáceis de diagnosticá-las. É uma doença crônica que precisa de acompanhamento”, disse o psicanalista.
CVV faz importante trabalho em São Gonçalo
Há mais de 50 anos o Centro de Valorização da Vida (CVV) é referência no atendimento emocional de forma a prevenir o suicídio. Em São Gonçalo, cerca de 20 voluntários se dedicam a oferecer apoio pessoalmente ou pelo telefone 141, tendo como filosofia o ato de ouvir.
“Nossa tarefa é garantir a sensação de segurança para que a pessoa se abra, principalmente sobre assuntos que ela não compartilha no cotidiano por medo das taxações da sociedade ou por não ter voz ativa no âmbito familiar. O desabafo é como um texto sem pontuação, confuso. À medida que a pessoa verbaliza o que sente, ela vai pontuando, pensa melhor, percebe que tomar uma atitude mais drástica não é o caminho ideal, que existe tratamento”, explica João Alexandre Souza, integrante da Comissão de Divulgação do CVV-SG.
Embora o público seja formado majoritariamente por idosos solitários ou adultos em depressão, a equipe tem verificado um aumento no número de jovens.
“O bullying é um problema estabelecido e se potencializa na internet. O adolescente por si só já enfrenta o desafio da impulsividade e da imaturidade nos momentos em que é necessário lidar com críticas”, alerta.
Alexandre ressalta o quanto o assunto ainda é tratado como tabu e destaca que a informação é a principal ferramenta para combater o suicídio.
“É necessário conhecer e eliminar os fatores de risco. A comercialização do chumbinho é proibido desde 2002 pela Anvisa, porém ainda é encontrado com facilidade nas ruas. O vendedor nem deve ter noção de que a maioria dos consumidores adquire para utilizar para a própria ingestão. À medida que se dificulta o acesso, a chance de o fato ocorrer diminuir. Daí a importância da fiscalização e das campanhas educativas, como o setembro amarelo”, destaca.
Voluntários - Estão abertas as inscrições para a nova turma de voluntários. O treinamento começa no próximo 26, com uma aula inaugural, às 14h, no Abrigo Cristo Redentor, onde funciona o polo gonçalense. Para participar basta ser maior de 18 anos e ter disponibilidade de quatro horas semanais. Interessados podem se inscrever em 3244-4141 ou pelo email saogoncalo@cvv.org.br
Lugares para procurar ajuda
CVV São Gonçalo
Rua Dr. Nilo Peçanha, 320 - Centro
Telefones: 141 e 2604-4332 (atendimento) / 3244-4141 (administrativo)
Caps II Gradim
Rua Silvio Vale, s/nº (anexo ao Posto de Saúde Ana Neri)
Caps Zé Garoto
Rua Clemente Souza e Silva, 222 - Zé Garoto
Caps II Porto da Madama
Rua Francisco Portela, 2.221 -Mangueira
Caps II Paulo Marcos Costa
Travessa Margarida, 46 -
Mutondo
Grupo de Apoio à Pessoa com Depressão (GAP)
Associação Médica Fluminense
Avenida Roberto Silveira, 123, Icaraí
(Reuniões toda última quinta-feira do mês, às 19h)
Informações: 99872-2924