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Fácil entrar, mas difícil sair do ‘colégio’ das drogas

relogio min de leitura | Escrito por Redação | 17 de dezembro de 2015 - 21:50

Usuários de crack em CIEP abandonado

Foto: Alex Ramos

Por Marcela Freitas

O Hospital Santa Maria, que está desativado em Alcântara, também é usado por viciados
O Hospital Santa Maria, que está desativado em Alcântara, também é usado por viciados

Os portões estão fechados com cadeado, mas um buraco aberto nas grades é o passaporte para o “inferno”. No pátio do extinto Ciep 437 - Chanceller Willy Brandt, em Neves, onde se via crianças correndo felizes, risos e gargalhadas, hoje, o que se nota são paredes escuras, muita sujeira e vergonha da realidade.

Um único colchão no chão do pátio da extinta escola é o mais confortável local para repouso de usuários de drogas. O colégio, que antes era utilizado para educar, deu lugar a escombros que se transformaram na maior ‘cracolândia’ de São Gonçalo.

Quem vê de fora, se assusta e, se preocupa, mas basta parar poucos minutos próximo desses usuários para ouvir as mais diversas histórias de vida. Mas estar ali é uma escolha? Não, segundo eles. Viver em condições degradantes é, para muito deles, uma condição imposta pela sociedade que, sem ter como “cuidar”, os abandonam a própria sorte. Mas que sorte? Há de se questionar?
O nome é de artista, mas a história está longe de ser glamourosa. Billecharles, de 34 anos, é um dos poucos que podem se apresentar. Sem pendências na Justiça, o ex-empacotador chegou à ‘cracolândia’ após perder o emprego. Com poucos dentes na boca e os que ainda restam, podres, ele tenta esconder ao máximo que é usuário de drogas. Tem vergonha e prefere não falar. Ele se apresenta apenas como morador de rua. Mas basta perguntar sobre sua família que seus olhos brilham.

“Minha família é do Paraíso. Tenho um filho lindo de oito anos, que tenho muito orgulho. Sempre que posso, vou vê-lo saindo da escola. Confesso que não é fácil viver na rua. Aqui também tem regras e temos que conviver com as mais diferentes pessoas. Eu sou isso que você vê: um morador de rua desdentado, mas nem sempre fui assim”, disse.

Com o corpo ainda trêmulo, após passar a noite usando drogas, o ex-técnico naval, de 33 anos, contou que está tentando largar o vício, que começou na adolescência. Em poucos minutos de conversa, ele se recordou do passado no Clube Naval. “Trabalhei alguns anos de carteira assinada e tinha muito orgulho da minha profissão. Eu era responsável por puxar as lanchas. Tenho muita saudade deste tempo”, contou.

Questionado se gostaria de ser ajudado, ele garantiu estar cansado, mas não sabe se conseguiria parar. “Eu estou parando aos poucos, mas é difícil. Dependendo da ajuda, eu aceitaria sim”, ressaltou.

Outro que está em busca de ajuda é Y, de 34 anos. Morador do Arsenal, ele chegou à ‘cracolândia’ após uma desilusão amorosa. Ele contou que passou a usar drogas aos 20 anos. Começou com a maconha, seguindo para a cocaína e durante um baile no Complexo da Coruja, no Vila Lage, usou, pela primeira vez, o crack.

“Minha esposa não suportou meu vício e me largou. Com isso, me afundei ainda mais. Perdi o respeito da minha família. Ninguém me quer por perto. Tenho vergonha de mostrar como vivo. Mas esta, hoje, é a minha família. Aqui dormimos, cozinhamos e usamos a droga. Já tentei escapar deste vício, mas não consigo”, lamentou.

Quando o medo mora ao lado

O Hospital Santa Maria, que está desativado em Alcântara, também é usado por viciados
O Hospital Santa Maria, que está desativado em Alcântara, também é usado por viciados

As placas em frente aos portões anunciam vende-se esta casa. O motivo da venda está longe de ser um “boom imobiliário”. Na verdade são moradores tentando escapar da ‘cracolândia’ que se formou no antigo hospital Santa Maria, na Rua Júlio Lima, no Alcântara.

Este é o caso de uma enfermeira, de 61 anos, que se mudou para o local, há um ano, sem saber que teria como vizinhos, usuários de drogas. Há um mês, ela teve a casa arrombada e contabilizou um prejuízo superior a R$ 3 mil.

“Só fico aqui até o Natal. Sempre morei em apartamento e tinha o sonho de viver em uma casa. Aluguei esse imóvel, tem piscina e churrasqueira e seria uma casa dos sonhos. Mas desde que mudei, não tenho paz. Vivo com medo. É um pesadelo”, disse a enfermeira.
Um pastor da Igreja Assembléia de Deus, que funciona ao lado do hospital, disse que colocou luminárias na rua para tentar dar mais segurança aos membros. “Nossa vontade é pegar esse espaço. Mas não sabemos como fazer isso”, afirmou.

O SÃO GONÇALO esteve no imóvel e encontrou um idoso. Visivelmente alterado, ele disse não usar drogas. “Só venho aqui de manhã. À noite, tem muita gente e não gosto. Faço as minhas necessidades, troco de roupa e saio”, disse. Segundo moradores, mais de 50 usuários de drogas se juntam no local à noite.

Nova Cidade – Um posto desativado na Rua Nilo Peçanha também é motivo de preocupação. Parte do posto foi alugada para um borracheiro, mas a outra área continua sendo usada por viciados em drogas todas as noites.

‘Crack, é possível vencer’

O “Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas” foi criado pelo Governo Federal, que instituiu o Programa “Crack, é possível vencer”. Os objetivos são aumentar substancialmente a oferta de tratamento de saúde e atenção aos usuários, aprimorar o enfrentamento às drogas e o desmantelamento das organizações criminosas ligadas ao tráfico, implantar o policiamento ostensivo de proximidade nos territórios onde haja concentração no uso de crack e outras drogas, assim como ampliar as atividades de prevenção por meio da educação, informação e capacitação, especialmente junto às escolas públicas. O programa envolve três frentes de atuação: prevenção (com educação e informação), cuidado (com saúde e assistência social) e autoridade (com segurança pública).

Uma das frentes do programa é o Consultório de Rua, habilitado pelo Ministério da Saúde. Atualmente, em São Gonçalo, apenas um consultório é habilitado e atende a região do primeiro distrito (Alcântara, Trindade, Mutondo e Santa Isabel). A Secretaria de Saúde estuda montar mais dois consultórios, um na região do Centro e outra em Neves, onde há a maior concentração de usuários de drogas.

De acordo com o coordenador da equipe do consultório de rua, Thiago Pimentel, a expectativa é que cerca de 300 pessoas vivam em situação de rua na cidade. Destas, 150 vivem na região do primeiro distrito e 80 delas são acompanhadas pelas equipes.

“Nosso trabalho vai muito além de atendimento médico. Ele acompanha de perto aquelas pessoas que estão em situação de rua, sejam elas usuárias ou não de drogas. Fazemos ações pontuais em outras regiões quando somos solicitados, mas nosso trabalho vai além disso. O conselho de saúde está fazendo levantamento de orçamento para mais duas equipes. Sabemos da necessidade de nosso município”, afirmou Thiago.

O Consultório de Rua é formado por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, assistente social, psicólogo, agentes sociais e dentista.

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