Entre ruas e beats: Artista gonçalense é rapper, produtor musical e motorista de ônibus
Dom Walker começou na música ainda na infância, e hoje, trabalha para alcançar seus sonhos e sustentar a família
Ele poderia ser apenas mais uma história, de muitas, sobre resiliência, mas Walker Souza de Paula, de 35 anos, é o próprio retrato da superação. Nascido e criado no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, precisou trabalhar desde cedo para ajudar a sustentar o irmão e a mãe, e foi através da música, que encontrou sua vocação e seu lugar no mundo.
Aos 9 anos de idade, Walker viu seu pai ir embora de casa, deixando ele e sua mãe, que na época estava grávida e desempregada, sozinhos, com as despesas de água, luz e aluguel para pagar. Frente à situação em que a família se encontrava, Walker logo assumiu o papel de “homem da casa”, e começou a trabalhar capinando quintais, vendendo salgados nas ruas e refrigerante no sinal, para ajudar com as contas. No entanto, mesmo com tanto esforço, a família passava por muitas dificuldades, e sua mãe, Ana Maria, acabou indo trabalhar no lixão de Itaoca para sustentar os filhos.
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Segundo Walker, foi nesse contexto que a música lhe salvou. Aos 11 anos, enquanto tentava ser o homem forte e responsável que gostaria de ser para a mãe e o irmão, enfrentava as dores e tristezas que a realidade trazia, e foi na música que encontrou conforto. Foi com essa idade que começou a escrever versos e poesias para expressar e aliviar os próprios sentimentos, já que não gostava de chorar na frente da família.
Daí em diante, o amor pela música só cresceu. Começou a se interessar pelo funk, inspirado pela dupla ‘Claudinho e Buchecha’ e pelos MCs que tocavam nos bailes onde frequentava, e idealizou um novo objetivo: ser igual a eles. Aos 15 anos de idade, formou seu primeiro grupo de funk, “Os Intocáveis”, e chegou a fazer sucesso nos bailes e festas de São Gonçalo, mas acabou parando devido a um novo desafio em sua vida: a depressão.
Com a depressão, Walker acabou se afastando da música, e foi com a ajuda de uma tia, com quem foi morar por um tempo, que conseguiu se recuperar. Quinze anos afastado dos palcos e das composições se passaram, mas o amor pela arte fez com que o gonçalense, agora com o nome artístico Dom Walker, voltasse à música, dessa vez, como rapper e produtor musical.
“Voltei para a comunidade onde fui nascido e criado com o propósito de ajudar artistas que não têm oportunidades, e pra isso, fundei a 4FourNaipes, produtora independente que foca em ajudar os jovens que querem fazer arte e não seguir o caminho do tráfico”, disse o artista.
Em sua produtora, Walker recebe jovens carentes apaixonados pela arte, que, por falta de oportunidades, não têm recursos para investir em seus sonhos. Por morar em uma região de comunidade, o rapper tem como objetivo, também, afastar crianças e adolescentes do crime, dando a eles a motivação necessária para seguirem seus sonhos no meio artístico.
Apesar do amor que sempre o moveu, Dom Walker não vive da música. Ele, que é marido e pai de três filhos e três enteados, divide sua jornada na arte com outra profissão que também tem um espaço especial em seu coração: a de motorista de ônibus.
“Acordo às 3 da manhã e vou para o trabalho. Trabalho dois turnos, em que no primeiro largo [acabo], às 9h30 da manhã em Niterói. Saio de lá, vou para casa, normalmente ouvindo aulas de Produção Musical no fone de ouvido, ou já vou pensando em versos em cima de beats. Chego em casa, vou para a tela do computador e começo a gravar o que fui pensando no caminho para casa. Faço isso até 13h, que é quando paro para o almoço e durmo um pouco. Acordo às 15h, tomo banho, me arrumo novamente e volto para o trabalho de motorista, dessa vez de 17h às 21h. Lá pras 22h chego em casa e finalizo o projeto que trabalhei durante o dia, ou faço mais um beat para o dia seguinte. Todo dia faço a mesma coisa.”, explicou Dom, que dorme cerca de cinco horas por dia.
O trabalho de motorista surgiu em sua vida após passar muitos anos como montador de móveis, e, posteriormente, frentista, mas se viu insatisfeito pois não recebia muito pelo serviço que realizava. Foi quando, buscando uma alternativa, Walker conversou com alguns amigos, que já trabalhavam como motoristas de ônibus, e resolveu tirar sua carteira de habilitação e fazer um curso, para poder enfim, se candidatar a uma vaga. Depois de deixar o currículo em algumas empresas, Walker conseguiu um emprego como manobrista na empresa que trabalha atualmente, e passou três anos exercendo essa função até receber uma promoção e se tornar, de fato, motorista. Hoje, ele já está há dois anos dirigindo nas ruas, e concilia a vida de funcionário de uma empresa com a vida de artista.
“Meu trabalho que sustenta minha casa. Invisto em equipamentos para o estúdio, para poder fazer minhas músicas e atender os artistas. No intervalo do meu trabalho estou no estúdio e nos fins de semana abro e trago artistas para fazerem sua arte, ocupar suas mentes e sonhar com um futuro melhor para suas famílias.”, relatou.
Ao longo da caminhada, Walker teve o incentivo de um projeto social para se manter nos estudos, e por isso, pretende fazer o mesmo: “Quando jovem participei de um projeto de futebol dentro da comunidade onde para participar do treino, tinha que estar na escola. Tenho o projeto de fazer o mesmo com a música. Trazer jovens para fazer música com um único pré-requisito, estar frequentando a escola.”.
Além de ser uma inspiração para os jovens que ajuda em seu projeto, Walker tem mais uma função que lhe dá motivos para não desistir: a paternidade. Enquanto divide seu tempo entre mil e uma profissões, ele ainda encontra espaço na rotina para incentivar a musicalidade dos filhos e ensiná-los a nunca desistir dos próprios sonhos.
“Eles gostam de falar para os colegas que sou motorista de ônibus e artista. Sabem cantar quase todas minhas músicas. Gosto de levar eles para o estúdio de vez em quando, deixo eles cantarem, mostro um pouco como faço as produções e gravo as músicas que eles mesmo compõem. Eles brincam entre eles de batalha de rima. A música faz parte das nossas vidas”, contou o produtor, orgulhoso.
“Gosto de deixar bem claro que eles podem sonhar e serem o que quiserem ser, porém, é preciso conciliar o sonho com a realidade, como eu faço. Sonho em viver da minha arte, e me dedico para isso, porém, não podemos deixar de honrar nossos compromissos. Eles entendem e admiram todos os meus esforços para ser músico, motorista, pai e marido, E além de tudo isso, alguém que ainda brinca de pique esconde com eles”.
É com o apoio da família e dos colegas de trabalho, que Dom Walker tem, pouco a pouco, conquistado seu espaço na cena musical gonçalense.
Há algumas semanas, no dia 24 de julho, o artista foi convidado, justo de sua equipe, pela Secretaria de Cultura de São Gonçalo, para receber uma homenagem da Prefeitura, em reconhecimento ao seu trabalho com a arte e a cultura do município. Ele, que se desdobra em tantas funções diariamente, fala com orgulho e carinho de toda sua trajetória, que o levaram até o momento que vive hoje.
"Eu amo meu município, amo São Gonçalo. Onde eu vou, falo que eu sou de São Gonçalo, falo que eu sou do Salgueiro, tenho muito orgulho. Gosto de sempre evidenciar minhas raízes, porque isso é essência. Quem esquece de onde veio esquece da própria essência, então eu sempre honro minhas raízes", declarou o artista, que chegou a fazer um show no evento.
Dom Walker trabalha com dedicação para que o sonho de realizar muitos shows se realize em breve. Para ele, sua maior missão é salvar vidas através da arte, assim como a arte o salvou, e tudo além disso é consequência do seu esforço diário e incansável para alcançar seus sonhos.
Foi através da superação, que Walker venceu a depressão, retornou à música, se tornou motorista, e abriu sua produtora, e é com determinação que pretende continuar conquistando seu espaço.
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*Sob supervisão de Cyntia Fonseca