Dia do Feirante: comerciantes celebram tradição das feiras de rua
Data é comemorada nesta sexta-feira, 25 de agosto
Cheiro de fruta e suor, cores vibrantes e vozerio. A feira livre de rua é um dos espaços mais tradicionais da cultura urbana brasileira e tanto o cenário como os elementos que o compõem são inconfundíveis para boa parte da população pelo país. Todo mundo sabe a ‘cara’ que uma feira tem. Por detrás dessa reconhecida identidade, porém, há um rosto - ou melhor, vários rostos - que nem sempre é lembrado de primeira, mas que é totalmente responsável por fazer esse fenômeno acontecer: o rosto do feirante.
Nesta sexta-feira (25/08), celebra-se o Dia do Feirante. A data homenageia os comerciantes que organizam e participam das feiras livres. O dia foi escolhido por conta do primeiro documento a regularizar a prática comercial no Brasil república, o Ato 710 do município de São Paulo, assinado em 25 de agosto de 1914. O decreto, instaurado por Washington Luís, então prefeito da capital paulista, tinha o objetivo de organizar o funcionamento de uma das mais populares feiras da época, a do Largo General Osório.
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É claro que o costume já existia há muito mais tempo e não apenas no Brasil. Eventos comerciais de configuração similar a das nossas tradicionais feiras livres já existiam durante o período da Idade Média. Na verdade, alguns registros paleontológicos indicam que muito antes disso, por volta de 500 a.C., povos fenícios já se reuniam para práticas semelhantes, realizadas publicamente entre mercadores da região.
Foi na Idade Média que começou a funcionar de maneira mais ordenada, ainda muito ligada a tradições de crença e feriados religiosos. A palavra em latim “feria”, que deu origem ao nosso “feira” em português, significa “dia santo”, o que não esconde essa relação com a fé. Mais e mais, com o passar dos anos, o apelo comercial foi se fortalecendo. Em Portugal, a prática virou comum e, com a colonização das Américas, ficou popular também no Brasil.
O desenrolar dos anos também transformaram o cenário. Enquanto nos tempos antigos o feirante era ou o agricultor empreendedor ou o comerciante nômade, na modernidade, o habitante médio das cidades também ganha um espaço atrás das barracas. Muitos deles adquirem os itens da produção agrícola e comercializam nas feiras de ruas próximas a sua casa.
É esse o perfil de comerciantes como Luiz Cláudio Siqueira, de 52 anos, que escreveu sua história de vida desde a infância na rotina da feira. “Trabalho em feira desde os 7 anos”, conta o morador de Niterói, que, além da participação nas feiras de rua periódicas da região, tem sua barraquinha fixa de frutas, legumes e verduras na Rua Mário Vianna, no bairro Santa Rosa.
“Meu pai tinha três barracas e vendia em vários lugares. Um dia estava em Santa Rosa, aí na quinta ia ali perto do Cavalão, depois no Caio Martins e na Engenhoca. Eu ia com ele desde pequeno. Ele me botou para trabalhar bem novo. Primeiro, era vendo ele. Depois, eu passei a fazer um horário e depois ir para o colégio. Aí acabou que fiquei nisso e estou até hoje”, relembra o feirante
Nem sempre ele foi tão seguro de sua vocação para o ofício. Luiz confessa que chegou a tentar trabalhar em outras áreas temporariamente quando mais jovem. Entre um emprego e outro, sempre acabava retornando para a profissão que aprendeu com o pai. Eventualmente, acabou decidindo se dedicar de vez à profissão e, há mais ou menos 17 anos, escolheu o ponto onde trabalha todos os dias hoje.
“Ali tem bastante freguês. Tem um pessoal que compra certinho, compra sempre. Principalmente as pessoas de mais idade, que são muito frequentes, preferem comprar lá. Acho que porque preferem comprar onde confiam na pessoa. E assim vai se formando a freguesia; depois das senhorinhas, a filha vem comprar, depois vem o neto”, explica o vendedor.
A clientela formada, inclusive, o ajudou a se manter durante a pandemia. Com a necessidade do distanciamento social, Luiz trocou a barraquinha pelas entregas à domicílio, intensificando os protocolos de higienização dos produtos. Com a flexibilização, pôde voltar a exercer a profissão do jeito que mais gosta. Para ele, a carreira de feirante é motivo de orgulho. “Comecei pequeno e deu certo. Hoje, tenho orgulho. Consegui tudo que eu queria na vida; carro, casa. Nunca passei aperto”, celebra o comerciante.
Orgulho é exatamente a palavra que a feirante Cátia Regina da Silva, de 51 anos, usa para definir o que sente pela que faz quando se depara com o desdém alheio pela profissão. “Tem gente que tem um pouco de preconceito [com feirante]. Eu já vi muito isso. Uma vez, por exemplo, eu fui numa loja fazer um crediário e a menina perguntou com o que eu trabalhava. Ela falou: ‘nossa, feirante?’, me diminuindo mesmo. Mas falei que sou feirante com muito orgulho”, narra a comerciante.
Figura sempre presente nas feiras de São Gonçalo há 20 anos, a “Cátia Plantas”, como ficou conhecida, teve uma trajetória diferente da de Luiz e de muitos outros feirantes, que herdaram o gosto pela feira de rua da família. Antes dao estande de plantas, ela trabalhou como vendedora em algumas lojas. Foi só após sair de um emprego e encontrar dificuldades para achar um novo espaço no mercado de trabalho que ela decidiu tentar a sorte nas barracas da rua.
“Eu estava desempregada e estava ruim de emprego na época. Aí fui tentar na feira. Comecei fazendo uns artesanatozinhos. Fui acrescentando outras coisas, uns vasos, fazendo uns arranjos. Aí comecei a botar plantas e ‘pegou’. Eu achei eu fosse ser uma coisa passageira, que ia ficar um pouco ali e depois sair pra arrumar um emprego. Mas, como a gente fala, a feira é uma cachaça e eu fiquei”, brinca a feirante.
E assim se passaram duas décadas. ‘Criou’ os filhos debaixo dos tabuleiros, lidou com os perrengues de empreender na cidade, mas conseguiu criar uma identidade própria que cresceu bem mais do que ela esperava. Cátia precisou até mesmo se mudar para um imóvel maior, em Itaboraí, para ter mais espaço pra colocar as plantas que vende.
Hoje, ela trabalha nas feiras do Paraíso, da Venda da Cruz e de Neves, principalmente. Em cada uma, conseguiu compor uma clientela fixa, mas sempre encontra novos rostos curiosos diante de sua barraca. “Sempre tem aquele que nunca reparou ali. Chegam e falam: ‘A senhora está aqui todo domingo?’. Aí sempre tem alguém para comentar: ‘ih, ela é antigona aqui’. As pessoas vão para comer pastel com caldo de cana e várias barracas que estão ali há muitos anos passam despercebidas”, explica Cátia.
A ‘invisibilidade’ para alguns frequentadores não é um problema, como ela diz, sobretudo quando comparada a algumas outras pautas que, para ela, são as maiores dificuldades que os feirantes da cidade enfrentam. “A gente não tem alguns apoios na feira. Não tem muita segurança na feira. Se a gente sofrer um assalto, não tem o que fazer, fica por isso mesmo. A feira também não tem banheiro. A gente fica dependendo, tipo assim, do barzinho da esquina, de uma vizinha gente boa. Colocaram banheiro químico em algumas, mas nunca é o suficiente para todos os feirantes”, desabafa.
Mesmo com esses perrengues e o cansaço do dia-a-dia de feirante, ela planeja seguir até a aposentadoria - ou até depois - vendendo suas plantas nas barracas de rua. Cátia adora o que faz, como boa parte dos feirantes mais tradicionais da região. “Feira é uma coisa cultural. Tem aquela cultura, tem gente que vai desde criança e cresceu, continua levando os filhos, netos. É tudo de bom”, define a comerciante.