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Coreógrafa e diretora artística de SG celebra trajetória de sucesso e potencial transformador da arte periférica

Criadora de um dos principais centros de formação artística da cidade, Aline Kelly completou 26 anos de carreira com proposta inovadora em desfile da Porto da Pedra no último Carnaval

relogio min de leitura | Escrito por Felipe Galeno | 17 de março de 2025 - 18:52
Coreógrafa premiada na Argentina é criadora de iniciativas pioneiras na formação artística em SG; "a arte nos proporciona mudar vidas"
Coreógrafa premiada na Argentina é criadora de iniciativas pioneiras na formação artística em SG; "a arte nos proporciona mudar vidas" -

Quem acompanhou a escola gonçalense Porto da Pedra no último Carnaval lembra de um dos momentos mais elogiados do desfile: o abre-alas “vivo” que abriu a passagem da escola pela Sapucaí, com 100 atores e bailarinos interpretando ratos que moviam o carro. Ideia do carnavalesco Mauro Quintaes, a atração também tem a participação de uma das figuras mais renomadas do cenário cultural da cidade, a coreógrafa Aline Kelly, de 43 anos, que completa 26 anos de uma carreira dedicada à promoção de arte e cultura na periferia de São Gonçalo.

Apaixonada por dança desde a infância, Aline é a diretora coreográfica da Unidos do Porto da Pedra e foi responsável, no Carnaval 2025, pela comissão de frente premiada da Folia do Viradouro no Carnaval niteroiense, além de trabalhos em escolas do Rio, como a União do Parque Curicica, campeã da Série Bronze. Sua trajetória com a arte, no entanto, vai bem além do Carnaval. A coreógrafa, que recebeu o Título Legislativo George Savalla pelo trabalho artístico em SG, começou a dar aulas de dança aos 17 anos, quando ainda era aluna do Colégio Estadual Walter Orlandini, no Paraíso.

“Eu cheguei a trabalhar com outras coisas - tive uma carreira paralela, mas a dança realmente sempre foi um chamado muito forte. Mais do que um chamado, na verdade; uma missão de vida. Às vezes, a gente tenta se desviar um pouco, buscando uma estabilidade financeira de carreira, mas não tem jeito. Quando a gente é artista, não consegue fazer outra coisa que não seja a arte”, resume a coreógrafa, que nasceu em São Gonçalo e é moradora do Porto da Pedra.


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O interesse pela dança sempre foi bastante atravessado pelo desejo de compartilhar a arte e formar outros artistas, como conta Aline. Foi partindo desse desejo que ela inaugurou, junto com o parceiro Igor Lopes, o Cenarte Dimensões. Fundado em 2007, o projeto foi a primeira escola de formação profissional em dança na cidade.

“Muitos jovens das periferias de São Gonçalo que fizeram e fazem parte do Cenarte se formaram e, hoje, estão atuando no mercado nacional e internacional da dança. Temos centenas de alunos que agora são bailarinos profissionais, professores, coreógrafos, produtores culturais, montadores de espetáculos, ensaiadores…”, destaca Aline.

Foi através do Cenarte que ela e vários dos gonçalenses formados pelo espaço representaram a cidade em espetáculos de dança dentro e fora do país. “Nós viajamos o Brasil todo e fomos para fora do Brasil para representar a dança brasileira no Grand Prix da América Latina, em Córdoba, na Argentina. Eu trouxe medalha de prata do Grand Prix por duas vezes, em 2019 e 2024. Foram muitos trabalhos por conta desse projeto, muitas conquistas para mim e para muitas crianças e jovens da periferia gonçalenses que hoje estão atuando internacionalmente”, afirma.

Entre os projetos que se destacam no meio dessa trajetória estão a criação, ao lado de Igor Lopes, do Teatro Armazém - espaço de apresentações pioneiro na cidade que funcionou na Parada 40 entre 2018 e 2023 - e a direção da coreografia do show em comemoração aos 50 anos de carreira da cantora Alcione. Um grupo de jovens bailarinos negros e moradores de periferia subiu no palco do Theatro Municipal do Rio, sob a direção de Aline, para a gravação de um dos maiores show da carreira de Alcione, realizado em 2023.

Coreógrafa e dançarinos de São Gonçalo estiveram na equipe do show especial de 50 de carreira da Alcione
Coreógrafa e dançarinos de São Gonçalo estiveram na equipe do show especial de 50 de carreira da Alcione |  Foto: Divulgação/Sabrina Paz

Recentemente, toda essa jornada de amor pela dança se misturou com outro dos interesses de Aline: o Carnaval. A coreógrafa conta que já era apaixonada pelo Carnaval há algum tempo, mas que nunca se envolveu diretamente com os bastidores e que, até pouco tempo, nem sabia sambar. Em 2022, no entanto, ela começou a frequentar os ensaios da Porto da Pedra por curiosidade, como torcedora

“Em uma dessas idas minhas ao ensaio, o diretor da ala de passistas [Gil Pinheiro] me viu no cantinho e perguntou se eu iria desfilar. Falei: ‘não, só estou frequentando os ensaios, aproveitando esse momento com a comunidade e tal’. E ele falou assim: ‘poxa, mas você podia desfilar, posso arranjar uma fantasia para você desfilar em qualquer ala?’. E eu falei que topava. Ele não sabia quem eu era, não sabia que eu era uma profissional da dança, nada”, relembra Aline.

No dia do desfile, na hora de ir buscar a fantasia na quadra, Aline descobriu que iria desfilar justamente entre os passistas, uma das alas mais elogiadas da escola. “A ala de passistas da Porto da Pedra é considerada uma das melhores alas, inclusive dentre as do Grupo Especial. É uma ala com quase 100 passistas e que tem fila de espera e audição. Eu não sabia nem sambar. Não sei por que cargas d'água o Gil me colocou ali. Segundo ele, ele viu uma luz em mim”, conta a dançarina.

Ela acabou voltando a desfilar como passista no ano seguinte e, depois de integrantes da escola conhecerem melhor sua trajetória com a dança, foi convidada a assumir a direção das alas coreografadas. No desfile de 2025, ela também comandou a direção cênica das alegorias do abre-alas e do último carro.

Para o primeiro, Aline levou ao carnavalesco Mauro Quintaes uma proposta ousada: trabalhar com 100 pessoas da comunidade “sem distinção de sexo, gênero e idade” e sem nenhuma experiência teatral. “A minha ideia era trabalhar com todos os corpos e todas as idades”, explica Aline. O diferencial do projeto era colocar pessoas comuns no carro mais disputado da escola, pelo qual algumas pessoas chegam a pagar para participar em algumas agremiações. 

Aline e carnavalesco da Porto da Pedra trabalharam com moradores da comunidade sem experiência teatral no elogiado abre-alas
Aline e carnavalesco da Porto da Pedra trabalharam com moradores da comunidade sem experiência teatral no elogiado abre-alas |  Foto: Divulgação

“A arte nos proporciona mudar vidas. Trazer uma pessoa da comunidade, que não tem acesso a muitas coisas, e proporcionar a essa pessoa uma aula de teatro, de dança, proporcionar que ela seja protagonista num grande abre-alas de uma escola grandiosa como a Porto da Pedra; isso é um retorno pessoal. É um outro valor que está além do reconhecimento artístico, além do dinheiro. É muito maravilhoso a gente mudar a vida das pessoas”, afirma Aline.

Esse potencial de mudança de vidas que a arte tem é o que move a artista a continuar lutando. Como tantos profissionais do setor cultural na cidade, Aline não nega que a trajetória da produção artística em São Gonçalo é cheia de obstáculos e marcada por uma falta de investimento em formação e reconhecimento por parte dos gestores públicos. Ainda assim, através das muitas vidas que viu serem transformadas pela arte ao longo de sua história, ela acredita que é importante seguir em frente.

“O povo de São Gonçalo gosta de arte e cultura e só não consome porque não tem oportunidade. A população não tem acesso a grandes teatros, a grandes produções. Então, são muitos vieses que fazem a nossa vida de artista na cidade se tornar difícil. Mas a gente se orgulha mesmo assim. O que me orgulha é exatamente saber que, apesar de todos esses gargalos, de toda essa falta de investimento, apesar disso tudo, a gente avança. Mesmo assim, a gente consegue avançar”, completa a artista.

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