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A união de uma amizade que vai além do cartório e se expande para o trabalho social

Casal de amigos conta sobre suas trajetórias profissionais e o processo até a implantação do Casamento Comunitário na cidade em mais um capítulo da série 'Eles fazem história'

relogio min de leitura | Escrito por Lívia Mendonça | 15 de setembro de 2024 - 08:00
Elaine e Evail
Elaine e Evail -

Com a correria do dia a dia e o "modo automático" ligado durante as diversas situações que acontecem no cotidiano, alguns detalhes podem passar despercebidos, como um bom atendimento, uma gentileza, uma ação positiva, um olhar carinhoso e, principalmente, a relação empática que um ser humano pode construir para com o seu semelhante. Pensando nisso, O SÃO GONÇALO dá continuidade à série de reportagens sob o título: "Eles fazem História", que ressalta, valoriza e enaltece gonçalenses que fazem parte da vida e, literalmente, da história da população.

ELAINE E EVAIL - A UNIÃO PARA O CASAMENTO COMUNITÁRIO COMO FUNÇÃO SOCIAL DO CARTÓRIO DO 1º DISTRITO DE SÃO GONÇALO 

Amigos há quase trinta anos, a delegatária Elaine Garcia Ferreira e o juiz de paz Evail Tavares Rodrigues, vivem um "casamento" que, mais que certo, deu também bons frutos. Funcionários do Cartório do Mutuá (Registro Civil das Pessoas Naturais - RCPN do 1º Distrito), em São Gonçalo, os amigos e colegas de trabalho implantaram, em 1998, o projeto social "Casamento Comunitário", que visa promover a regularização jurídica de casais que não tiveram condições ou oportunidade de oficializar a união e, de certa forma, promover a inclusão social, resgatando também a auto-estima dessas pessoas, valorizando-as como cidadãos do município. 

Em entrevista a O SÃO GONÇALO, o casal de amigos contou sobre suas trajetórias profissionais e o processo até a implantação do Casamento Comunitário na cidade, que até hoje é reconhecido como uma ação social de renome, que garante oportunidade e dignidade aos que querem oficializar uma união amorosa. 

Em um mundo onde cada um é por si, eu serei por cada um Edilson Limoeiro

Dedicação em cada passo 

A carioca Elaine Garcia Ferreira, nascida em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, não imaginava os caminhos que o destino preparava para sua carreira profissional. Hoje divorciada e mãe de um homem de 30 anos, Elaine é formada em jornalismo e direito, e é delegatária concursada com 26 anos de serviço público, atuando todos esses anos na cidade de São Gonçalo. 

Assim que se casou e surgiu a oportunidade de fazer prova para o primeiro concurso público de cartório do Rio de Janeiro, Elaine se mudou para Niterói, de onde não saiu mais, para se manter próxima ao trabalho e ter qualidade de vida. 

"Antigamente os cartórios passavam de pai para filho, ou através do estado. Mas eu tive o privilégio de fazer parte do primeiro concurso. Sempre fui muito estudiosa e dedicada nessa área que eu amo, então na época fiz mestrado, doutorado e pós doutorado em direito tributário. Também dei aula durante 15 anos no IBMEC e na Estácio de Sá", contou Elaine. 

Chegada à São Gonçalo 

Elaine tomou posse da delegação da outorga cartorária, trajetória à qual não imaginou que estaria destinada a traçar no início da carreira. 

"Eu estava me preparando para ser juíza, já tinha passado na primeira etapa e tinha essa certeza. Mas aí a minha irmã gêmea, já falecida, me ligou na época e falou: 'Elaine abriu um concurso para cartório, parece interessante'. Foi então que resolvi tentar e passei, mas tive que optar entre fazer as outras fases das etapas para ser juíza federal, ou tomar posse, porque se não eu perderia esse concurso. Nesse momento o meu pai, que começou como engraxate, numa vida muito humilde e chegou à procurador federal, me falou que era bom garantir esse concurso, já que eu não podia ter certeza se iria passar para juíza, visto que as provas eram extremamente difíceis. Então resolvi tomar posse", contou a delegatária. 

Ao tomar posse, Elaine foi, inicialmente, para um cartório bem pequeno em São Gonçalo, e passou por alguns outros lugares até chegar ao Cartório do 1º Distrito, no Mutuá. 

"Quando entrei aqui, era um consultório médico, tudo de madeira. Um risco de apodrecer e pegar fogo. Fui muito ousada na época, contratei um engenheiro e implodi isso aqui tudo, foi tudo abaixo e construímos do zero. Fiz a obra, desde o começo sempre junto com o Evail, fazendo os casamentos fora da sede nesse período, até se firmar aqui. Quando entrei também encontrei um cartório que não era digitalizado, que não tinha computador, os livros eram enormes. Hoje temos livros pequenos, digitalizados, informatizados, um acervo online", contou. 

União e propósito pela ação social 

Desde o início do seu trabalho como delegatária, Elaine pode contar com a amizade e parceria profissional de Evail, que, ao chegar no Cartório que anteriormente ficava localizado na Brasilândia, logo conheceu Elaine, que já havia sido nomeada para assumir o cartório. 

A amizade rendeu bons frutos, visto que o propósito de ambos sempre andou alinhado ao desejo de contribuir de maneira significativa com a população da cidade de São Gonçalo. 

"Quando entrei senti a necessidade de fazer alguma coisa diferente em São Gonçalo. Comecei a procurar as autoridades para estabelecer as dificuldades que comecei a ver, como pessoas com 60 anos que ainda não tinham registro, e você não é cidadã se não tem registro, você não tem cidadania e consequentemente não tem direito a nada. Então eu comecei a fazer parcerias com a defensoria pública, porque na época a dificuldade de ter documentos era grande. Não tinha uma dinâmica que pudesse conceder", explicou Elaine. 

"Foi então que a Corregedoria Geral de Justiça, em 1998, se empenhou para modernizar os cartórios, com o apoio da administração pública e da defensoria pública. Diante disso comecei a ver a necessidade de estabelecer um parâmetro entre quem precisava mais e quem não precisava, e para isso passei a ir nas comunidades de São Gonçalo para ver quem realmente precisava. Pessoas com 60 anos chegavam no cartório chorando porque era a primeira certidão deles, e isso me deixava muito emocionada", completou. 

Da venda de livros aos 40 anos como juiz de paz 

Juiz de paz do Cartório do 1º Distrito de São Gonçalo há mais de 40 anos, Evail Tavares Rodrigues, 79 anos, natural de Santa Maria Madalena, no interior do estado do Rio, teve uma trajetória um tanto quanto inspiradora. 

Viúvo há mais de 20 anos de Ana Maria Soares Rodrigues, pai de dois filhos e avô de seis netos, Evail, que é morador de São Gonçalo desde a juventude, começou a trabalhar vendendo livros, mas não deixou escapar a oportunidade que surgiu em sua trajetória, que trouxe a convicção de que o seu grande propósito de vida havia acabado de começar. 

"Foi tudo com muita dificuldade. Eu era vendedor de livros quando já morávamos, eu e meus pais, no Barro Vermelho, aqui em São Gonçalo. Tinha um senhor, Antônio, que era de Cambuci e estava fazendo uma excursão para lá. Foi quando conheci minha esposa, aos 18 anos. Namoramos por correspondência por um tempo até nos casarmos", contou Evail, que foi morar no bairro Brasilândia junto à esposa. 

O que Evail não imaginava é que sua vida profissional também estava prestes a tomar novos rumos.

"O cunhado da minha esposa era Juiz de direito na segunda vara de família de São Gonçalo e nós tínhamos uma ótima relação de amizade. Foi então que ele me chamou e disse que eu iria ser o seu juiz de paz, e assim aconteceu. Ele mandou o meu nome para o Tribunal, que era quem decidia, e fui nomeado pelo governador da época, em 1980. Tomei posse a partir da ajuda dele e fui trabalhar no Cartório do Primeiro Distrito [que antes era na Brasilândia], onde  fiquei por uns 5 anos onde conheci Elaine, que havia sido nomeada para assumir o cartório", explicou o juiz de paz. 

O celebrante que celebra a vida 

Imagem ilustrativa da imagem A união de uma amizade que vai além do cartório e se expande para o trabalho social

Após alguns anos, a dupla que formava ali o início de uma longa e duradoura amizade foi para o Mutuá, onde construíram o novo cartório em que atuam até os dias de hoje, sempre juntos. 

O papel de um juiz de paz inclui as funções ligadas à realização do casamento civil. Somente ele pode celebrar um casamento. Além disso, o profissional também é responsável por verificar os procedimentos e documentos relativos à habilitação do casal, como é o caso dos trâmites anteriores à realização do casamento

"A minha função aqui é fiscalizar o cartório, realizar casamentos, prevenir crimes e contravenções e assinar a documentação, verificar habilitação do processo do casamento, ver se está tudo certo e ao final, realizar a celebração, que é a união do casal".

Empolgado com tudo que diz respeito à sua profissão e com uma vivacidade de dar inveja à qualquer jovem, Evail pouco tem ideia da quantidade de casamentos e celebrações já realizadas ao longo dos anos.

"Não tenho nem ideia, foram muitos, muitos mesmo. Aqui no cartório, por mês, eu realizo uns 80 casamentos. Aí multiplica por ano, e depois multiplica por 42 anos", disse em tom descontraído. 

A união que deu certo - Casamento Comunitário 

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A parceria de Elaine e Evail não se limitou às funções que desempenham dentro do cartório. Simbolizando uma união que mais que estável, deu frutos, o casal de amigos realiza também desde 1998, o Casamento Comunitário, que é um grande marco no município de São Gonçalo e, consequentemente na vida dos gonçalenses. Mais do que proporcionar um casamento completo de forma inteiramente gratuita, a ação social tem como objetivo regularizar a situação civil, fortalecer vínculos familiares e realizar o sonho dos casais que não possuem condições de arcar com os custos da cerimônia, tudo isso visando ainda o bem estar e o fortalecimento da autoestima dessas pessoas.

"Quando entrei no cartório comecei a receber muitos pedidos de pessoas que não sabiam nem ao menos como entrar com os documentos, então comecei a formar grupos para realizar essa ação social em São Gonçalo. Eu queria atingir essas pessoas que não tinham condições. Sempre ao lado do Evail realizando casamentos, começamos então a fazer parcerias com a Defensoria Pública para realizar a ação social", explicou Elaine. 

"Você pode não amar tudo que você faz, mas se você fizer com amor, isso vem pra você"

No casamento comunitário, os noivos recebem tudo, desde vestido, maquiagem, até a festa, fazendo com que esse momento tão importante na vida de um casal se torne ainda mais especial e memorável. 

Para o casal Alexia Gomes e Carlos Adriano Peçanha, ambos autônomos e moradores do bairro Mutuá, em São Gonçalo, a experiência trouxe não só a valorização de cada um deles como indivíduos mas também como casal. 

Casal do Casamento Comunitário - Alexia Gomes do Nascimento Carvalho e Carlos Adriano Peçanha Carvalho
Casal do Casamento Comunitário - Alexia Gomes do Nascimento Carvalho e Carlos Adriano Peçanha Carvalho |  Foto: Divulgação

"O trabalho que eles fazem é maravilhoso, de realizar o tão sonhado casamento, que as vezes não temos condições de fazer. Pra mim foi um sonho realizado, cada momento ali foi especial. O cuidado deles com a gente, o momento da noiva ali tendo toda atenção, a produção desde a maquiagem ao vestido, e também na hora da entrada. Cada momento dos noivos foi único", contou Alexia. 

Hoje o cartório realiza, por mês, uma média de 300 gratuidades de justiça para casamento. Essa ação social, abraçada pelo cartório, sem dúvida faz parte de toda a função de prestação de serviço à população local, o que garante notoriedade, relevância e reconhecimento à todos os profissionais envolvidos.

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"Eu me sinto realizada, porque sempre tive o sonho de estar no meio das pessoas, ajudando, fazendo alguma coisa para alguém. E quando abriu esse concurso, eu não tinha noção da imensidão dele. Me sinto realizada quando vejo as pessoas vindo falar comigo na rua, me abraçando, agradecendo, falando que fiz o casamento delas. Por isso não gosto de falar a minha idade, porque como tenho espírito jovem, não gosto que ninguém fique computando, preso na minha idade, quero que as pessoas tenham esse suspense, quero que saibam que fiz parte da história, uma história que não tem idade. Porque na verdade a idade é o hoje, o que você vive e cultiva hoje", afirmou a delegatária. 

Eles fazem história 

Casamento civil Amaro Chagas da Costa, natural de Niterói e Sônia Maria de Marins, natural de São Gonçalo, ambos com 72 anos
Casamento civil Amaro Chagas da Costa, natural de Niterói e Sônia Maria de Marins, natural de São Gonçalo, ambos com 72 anos |  Foto: Layla Mussi

Contribuintes, de forma significativa, de momentos marcantes na vida de muitos gonçalenses, Elaine e Evail seguem com o mesmo gás e motivação do início da profissão: fazer a diferença.  A dupla de amigos segue unida em prol das atividades do cartório e das funções sociais do mesmo, e, através do pioneirismo de suas atividades, ainda marcam a vida da população de São Gonçalo.

"Estive e estou a frente dos casamentos comunitários desde o começo com a Drª Elaine. Sou muito grato a Deus por isso, pelo reconhecimento desse trabalho tão importante para a cidade. É gratificante, me orgulho e me envaideço disso, de fazer parte da história dessas pessoas. São histórias e momentos indescritíveis, gratificantes. São muitos casamentos já realizados", afirmou Evail. 

Amaro Chagas da Costa, natural de Niterói e Sônia Maria de Marins, natural de São Gonçalo, ambos com 72 anos
Amaro Chagas da Costa, natural de Niterói e Sônia Maria de Marins, natural de São Gonçalo, ambos com 72 anos |  Foto: Layla Mussi

Também realizada e grata por todo o processo vivido até aqui, Elaine valoriza sua trajetória, contada também através dos títulos e reconhecimento recebidos, mas sem deixar de lado o profissionalismo e a vontade de seguir pelo caminho que não só rendeu conquistas como também realizações pessoais. 

"A gente tem que entender que todo serviço público tem que ser direcionado de uma forma legítima, não pode ser feito de qualquer forma. Isso aqui é a minha vida, minha dedicação. A emoção não está em receber títulos, eles estão aqui porque tinham que vir, mas o principal é ser reconhecida pelo esforço, pela vontade de acertar. Ainda tenho outros sonhos, mas hoje o meu objetivo e o meu projeto é fazer um terceiro andar aqui no cartório para uma biblioteca (um local de arquivo para preservar livros antigos do cartório, que não serão mais manuseados)", concluiu Elaine. 

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