Dia do Futebol: apaixonados por esporte contam como mantém rotina próxima do gramado
Ex-jogadores e fãs do esporte compartilham histórias da relação com o futebol
De "país do futuro" a "país de terceiro mundo", muitas são as alcunhas que já foram usados para falar da identidade nacional do Brasil - e também muitas são as objeções feitas a maioria delas, sejam para com as elogiosas, seja para as mais críticas. Se há alguma identidade, porém, que a nação nunca perdeu ou trocou por outra é a de "país do futebol". Desde sua introdução no país, no fim do séc. XIX, até os dias de hoje, não houve 7 a 1 que derrubasse a paixão generalizada do povo brasileiro pelo esporte de origem inglesa.
O ato de "jogar bola" está tão intrincado na cultura nacional que acabou entrando no calendário. Neste dia 19 de julho, comemora-se o Dia Nacional do Futebol. Escolhida nos anos 70 pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD) - a atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF) -, a data marca o aniversário do clube de futebol mais antigo da história do país: o gaúcho Sport Club Rio Grande, fundado em 19 de julho de 1900.
Leia também:
➣ Agora é a vez delas! Saiba o que as mulheres esperam da Copa do Mundo de Futebol Feminino 2023
➣ Aqui tem história: Palacete do Mimi, em São Gonçalo, do luxo ao lixo
➣ É festa! Baile Charme anima sexta-feira do Alcântara
A efeméride ainda não chegou a ser estabelecida como feriado nacional e, portanto, acaba passando despercebida pelas agendas de boa parte dos brasileiros. Apesar disso, não dá para dizer que não se comemora o futebol no Brasil todo dia, já que, desde a infância, o esporte está presente de alguma maneira na vida de quase todo brasileiro. Em alguns casos, essa relação vai além da infância e vira uma parte integral da rotina de muitos.
É o caso do ex-jogador Leonardo Ramalho Guimarães, o Leozinho, de 42 anos. Sua paixão pela bola começou ainda bem novo, durante a infância nas ruas de São Gonçalo, e só cresceu ao longo dos anos, até levá-lo aos gramados profissionais com a camisa do Botafogo, onde jogou pela maior parte da carreira.
“Eu comecei na escolinha bem pequeno, com uns 7, 8 anos. Tinha aquele sonho de ser jogador de futebol, desde criança fui muito apaixonado por bola, por futebol. Jogava na rua, até começar a jogar nas categorias de base. Com 11, 12 anos, entrei no Botafogo, na base, e ali permaneci até me tornar profissional. Segui minha carreira por lá e joguei em vários clubes até encerrar minha carreira aos 36 anos”, resume o atleta.
Mesmo depois de pendurar as chuteiras, esse amor não morreu e o estimulou a procurar somar à experiência uma formação específica. “Desde que encerrei minha carreira, sempre quis permanecer no meio do esporte. Me afastei por um tempo, mexendo com outras coisas, até vir a ideia depois de entrar na faculdade. Me formei professor de educação física para me preparar. Já tinha a parte prática, fui para faculdade pra aprender a teoria para estar preparado, caso um dia tivesse a oportunidade de voltar ao esporte”, explica.
A oportunidade acabou vindo, eventualmente, quando teve a ideia de compartilhar seu conhecimento no esporte com menores interessados em trabalhar com isso também. Assim nasceu sua escolinha de futebol, a Real São Gonçalo, que funciona na região do Alzira Vargas, na Lagoinha. Segundo Leozinho, é lá que tem a oportunidade de fazer o que mais gosta.
Paralelo a isso, ele também treina, desde o último mês de julho, as equipes de base do Gonçalense Futebol Clube, que completa as lacunas da sua rotina com mais futebol. Para Leo, não tem problema, já que não se envergonha nem um pouco de ter transformado em uma parte importante de sua vida a paixão nacional pelo esporte. “O brasileiro tem esse dom do futebol. O futebol engloba muita coisa: saúde, lazer. O acesso fácil a uma bola facilita, mas acho que é muito uma questão cultural também. O Brasil é muito apaixonado pelo esporte”, celebra o treinador.
Não é em todo caso que o esporte, porém, permanece tão próximo de quem passa por ele profissionalmente, como exemplifica a trajetória do também ex-atleta Gabriel Neves Marcelino, de 46 anos. Depois de uma carreira com passagens pelos ‘futebóis’ nacional e europeu, ele hoje se dedica a uma área completamente distinta, trabalhando no setor comercial de uma emissora de rádio focada em um repertório musical de pagode e pop.
Ainda assim, é ao futebol que ele recorre para falar mesmo das novas funções. “Para mim, o rádio é tipo o futebol; a cada fase que você passa você vai aprendendo coisas novas, conhecendo pessoas”, ele explica. Natural parecem ser as metáforas com o esporte, já que este esteve presente em sua vida desde a infância e dos primeiros treinos, ainda aos 10 ou 11 anos, no Clube Mauá, em São Gonçalo
Ele lembra que, no início da adolescência, uma tentativa frustrada de entrar para a categoria de base do Vasco, ele chegou a pensar em deixar o esporte de lado, mas, uns 65 meses depois, já estava de volta às peladas de rua com os amigos. Esse contato o levou, aos 15 anos, para os gramados do centro de treinamentos do Olaria, onde começou a jogar profissionalmente.
“Fui para o Olaria e no primeiro treino me federei. Jogava como zagueiro nas peladas e fiz teste para zagueiro, mas lá, no meu primeiro jogo pelo campeonato mirim, contra o Vasco, o atacante tinha se machucado. O treinador falou: ‘você vai jogar de atacante'. Eu aceitei. Nesse jogo, fiz dois gols e ainda perdi um penalti, lá no São Januário. Foi 2 a 2”, rememora, com orgulho, Gabriel.
Aos 20 anos, assinou o contrato profissional por lá, um feito que misturou realização profissional com uma paixão familiar pelo esporte. “Foi emocionante. Meu pai sempre jogou futebol também, mas nunca chegou a virar jogador. Quando assinei, ele ficou muito feliz. Acho que o sonho dele foi realizado através de mim. Foi sensacional, porque tem lutas muito complicadas, então quando você alcança esse patamar, é muito bom”, ele conta.
A essa realização, seguiram outras, como as vitórias com o Olaria, o vice-campeonato goiano com o Novo Horizonte no início dos anos 2000 e a oportunidade ir jogar em Portugal, onde passou boa parte da carreira e deixou um legado como meia-atacante e melhor marcador de equipes como Pontassolense, Desportivo O. Moscavide e Ribeira Brava.
Seu maior sucesso por lá, no entanto, veio logo de cara, pela Camacha, para onde foi em seu primeiro ano na Europa. “No meu primeiro ano em Portugal, eu fiz 23 gols, fui vice-artilheiro do campeonato. O artilheiro principal foi o do time que ficou em 1º, do Estoril, e a gente, que ficou em 11°, teve o segundo melhor artilheiro”, relembra, satisfeito.
Até a temporada 2010/2011, ele jogou por lá, até decidir aposentar a carreira aos 33 anos. “Para mim foi natural parar. Eu quis me aposentar. Até tive a oportunidade de voltar para jogar em Portugal, mas a parte financeira não me apeteceu, não me ajudaria. Ia fica longe da família e trocando dinheiro. Aqui no Rio cheguei a treinar em alguns clubes, mas vi que não dava mais, não tinha mais condições. Aí parei. E hoje nem pelada tenho jogado mais”, explica Gabriel.
Se em termos de prática a interrupção foi “radical”, como define, como espectador sua atenção continua bem voltada ao esporte. Seus anos em Portugal o tornaram um ávido fã de futebol europeu, ao mesmo tempo em que acompanha as partidas de seu time do coração no Brasil, o Flamengo. “O futebol não saiu da minha vida. Tá no sangue, tá na veia, e tá muito na nossa cultura brasileira, né. Não tem como escapar”.
Com quem não teve a oportunidade de dedicar a carreira ao esporte, a história não é muito diferente. O cantor gospel Waldecy Aguiar, de 61 anos, não chegou a realizar o sonho de jogar profissionalmente, mas até hoje passa quase tanto tempo jogando bola quanto várias figuras ligadas ao esporte.
“Sempre gostei muito e nunca parei. Estou com 61 anos e, quando não estou cantando, tô jogando bola. Tô sempre em atividade. Gosto de jogar sempre mais tarde que aí às vezes dá tempo de ir no culto antes. Para mim é primeiro Deus e depois saúde. Eu gosto do futebol também para me manter ativo. O esporte ajuda a gente a se manter bem disposto”, revela o artista, conhecido pelo hit ‘Vai Dar Tudo Certo’.
Morador de Niterói, ele explica que durante sua infância em Pernambuco, sua terra natal, onde chegou a treinar com equipes da região, como o Paulistano. “Meu sonho era ser profissional e ir para a Seleção, mas Deus nunca quis. Quis Ele que eu fosse ser cantor e faço isso até hoje. Se fosse como jogador, eu já teria parado a muito tempo, como cantor posso continuar”, pondera.
Por mais que nunca tenha amarrado as chuteiras profissionalmente, ela joga futebol quase todos os dias. Pela proximidade com o esporte, ele acaba unindo a prática com a vocação religiosa e a carreira musical. “Sempre tive o costume de dar um CD para o pessoal, dando meu material com os hinos. Muitas pessoas se converteram assim, tem muitos testemunhos. Eu peço a Deus todos os dias para, quando eu estiver ali, que eu venha a ser uma benção para meus amigos”.
É um pouco por conta desse prazer no esporte como lugar de comunhão que ele acabou criando um certo distanciamento de um outro aspecto do esporte. “Eu gosto de praticar, mas não assisto tanto nem torço pra um time só. Com os times, nunca tive muita relação porque muitas vezes gera brigas. Você pode ver que uma criança, quando vai para os estádios, os pais ficam preocupados com os rojões, as brigas. O campo, que é um lugar para ser de divertimento, vira lugar de tragédia. O esporte é pra unir, não para isso”, opina.
Por isso, ele aproveita toda oportunidade para se divertir nos gramados, sem deixar, claro, de marcar alguns gols. “Eu jogo para me divertir, mas jogo para valer mesmo. O dia em que eu decido fazer gol, meu amigo, não tem jeito”, brinca Waldecy.
Além de um divertimento e um meio de manter o corpo ativo, o futebol também acaba sendo, para alguns uma forma de lidar com momentos mais delicados da vida, como é o caso da corretora de imóveis Grace Machado, de 37 anos, torcedora do Fluminense que teve sua paixão pelo esporte despertada quando era bem jovem.
“Futebol pra mim vem de memória afetiva. Meus pais se separaram eu era muito nova. Meu pai me pegava todo final de semana e ele jogava bola todo sábado. Então desde nova, todos os sábados eu ia assistir meu pai jogando futebol. Depois, ele começou a me levar no Maracanã e nas Laranjeiras - que na época ainda tinha jogo - pra ver os jogos. E de lá pra cá eu sempre amei futebol”, ela relembra.
Esse amor a motivou a entrar nos gramados também ela própria. Logo ela se tornou uma jogadora amadora assídua. Como boa parte das mulheres que se interessam pelo esporte, ela também enfrentou, por conta disso, bastante preconceito. A paixão pelos gramados, porém, sempre falou mais alto e a ajudou a lidar com os comentários misóginos.
“Quando adolescente isso me incomodou por um tempo, depois passei a ignorar. Futebol é uma das coisas que mais gosto, não ia deixar de jogar/assistir porque as pessoas falavam isso ou aquilo. Com o tempo os comentários não me incomodavam mais”, ela relata.
Com o passar do tempo, a rotina e a profissão a impediram de continuar jogando. Mesmo assim, ela faz questão de destacar que a paixão não diminuiu e que, hoje, ainda que mais distante, o futebol continua bastante presente na sua vida. “Hoje eu não jogo mais futebol, mas joguei por muitos anos. Mas acompanho meu time nos campeonatos e pelo menos uma vez no mês vou ao Maracanã ver um jogo”, conta.