Instagram Facebook Twitter Whatsapp
Dólar R$ 5,7701 | Euro R$ 6,2034
Search

Mais um jovem negro é preso após reconhecimento por foto em São Gonçalo: 'Foi um pesadelo'

Carlos Vitor Teixeira Guimarães, de 21 anos, foi acusado após sofrer um assalto e ficar sem os documentos

relogio min de leitura | Escrito por Ana Carolina Moraes | 11 de março de 2021 - 11:22
Carlos acredita que sofreu racismo por ser mais um jovem negro de comunidade
Carlos acredita que sofreu racismo por ser mais um jovem negro de comunidade -

"Eu sinto que sofri racismo na cara dura, não tentaram nem disfarçar, já que minha foto não deveria estar num álbum de procurados, pois nunca tive passagem pela polícia, como a advogada disse. Foi tipo: é só mais um preto, só mais um negro de cabelo afro, sem dinheiro e de classe social baixa, então, que se lasque. Se eu fosse branco ou rico não teria acontecido isso, eu acho". Essa é a declaração de mais um jovem negro que alega ter sido preso injustamente, através de reconhecimento por fotos. Ele ficou na prisão por duas semanas e quatro dias em 2019. O trancista Carlos Vitor Teixeira Guimarães, de 21 anos, desde então está sofrendo um pesadelo: ser acusado de um crime que, segundo ele, não cometeu. Na época, Carlos ficou aguardando pelo julgamento em liberdade, mas, agora o rapaz pode ser detido novamente. Isso porque, na última semana, um oficial de Justiça foi até a casa dele com uma intimação dizendo que o seu advogado tinha 5 dias para recorrer ao caso ou sua vida poderia mudar novamente. 

O jovem é acusado de ter roubado cargas em 2018, no entanto, as contas não batem, já que na época, ele foi até a delegacia pegar documentos dele que haviam sido roubados. "No dia 29 de julho de 2018, eu fui assaltado no centro de São Gonçalo, no momento, eu estava com uma amiga e uma conhecida. Estávamos voltando de um evento LGBT que ocorreu na Zé Garoto. Levaram os meus documentos, incluindo a carteirinha do SUS e a minha carteirinha escolar. No dia 15 de agosto, me chamaram na 72ª DP (Mutua) falando que acharam os meus documentos caído no chão após uma troca de tiros com bandidos. Mas, antes, ligaram para a minha escola para saber se eu tinha frequência escolar. Fui até lá e busquei meu documento. Ainda na DP me acusaram de ter trocado os tiros com os policiais, fiquei desesperado e fui ignorante. Foram as minhas amigas que intimaram a meu favor e falaram do roubo que eu sofri e que esses documentos sumiram nessa época", afirmou o jovem.

Na época, foi comprovado que não havia crime contra Carlos. O jovem foi liberado. No entanto, no dia 26 de abril de 2019, agentes policiais foram até a casa do jovem pedir para ele assinar um mandado de prisão que estava aberto contra ele. O jovem se surpreendeu e foi levado para a 72ª DP (Mutua) novamente. Foi apenas nesse momento que ele soube que foi acusado de um roubo de cargas que ocorreu em 2018. Os policiais informaram que a vítima reconheceu Carlos como o acusado após ver a foto dele no livro de procurados. 

"Eu nunca fui preso e nem tinha cometido nenhum crime, então, como a minha foto estava no livro de procurados? Inclusive, no dia em que eu fui pegar meus documentos (15/08) já havia ocorrido o crime do roubo de cargas, que foi no dia 10/08, e não havia essa acusação contra mim na delegacia. No mesmo dia, fui levado para Benfica e fiquei detido lá por 9 dias. Eu e minha família ficamos meio que em desespero, porque não tinha comunicação. O meu advogado mesmo só foi me ver uma vez. Lá dentro foi um pesadelo. Eu não fui maltratado, pois eles tinham a noção de que eu era inocente. Me deram comida, não gritaram comigo e etc. Mas, quando eu saí foi um alívio. Mesmo assim, confesso que fiquei desnorteado e quando eu cheguei aqui em casa já estava ocorrendo uma mobilização muito grande no Facebook porque minha mãe e amigas postaram os textos e os prints do dia do assalto para mostrar que fui preso injustamente", contou o jovem trancista que depois foi levado para o Presídio Evaristo de Moraes.

O jovem sofre com a incerteza de seu futuro na Justiça
O jovem sofre com a incerteza de seu futuro na Justiça |  Foto: Leonardo Ferraz
 

O jovem foi solto no dia 14 de maio de 2019, já que seu advogado conseguiu com que ele aguardasse o processo em liberdade, pois o mesmo fazia supletivo, na época, e não tinha nenhum outro crime contra ele. Após quatro audiência do caso, a vítima seguia reconhecendo Carlos como o bandido responsável pelo crime, mas alegando características físicas diferentes entre o bandido e o acusado. "Ele disse que quem o assaltou estava usando aparelho odontológico, mas eu só coloquei o meu aparelho em 2021. Depois, ele disse que o assaltante estava de black, só que eu estava de trança na época do ocorrido. Inclusive, durante o crime, eu deveria estar em casa dormindo, já que a polícia afirmou que o roubo ocorreu de madrugada", contou o jovem que mora em São Gonçalo. 

Após as audiências, Carlos estava aguardando a decisão judicial sobre o caso. Ele voltou a sua rotina e continuou seu trabalho. O jovem e seu advogado esperavam boas notícias, quando o rapaz foi intimado na última semana e tudo mudou. "Minha mãe teve que me ajudar naquele dia que o oficial de Justiça veio aqui. Eu fiquei tão mal que fiquei gago por quase uma hora até postar um vídeo no Facebook relatando o ocorrido. Tenho medo disso acontecer mais uma vez. Quero que eles percebam que o que fizeram foi errado. Eu já contei minha versão para a Justiça, mas ninguém acreditou. Então, quero que a mídia me escute e me ajude a provar minha inocência", contou Carlos. O advogado do trancista já recorreu do caso.

Enquanto espera a definição de seu futuro no tribunal, Carlos tenta seguir sua vida. Mas não é fácil! O rapaz hoje alterou sua rotina por causa da acusação por foto que sofreu. "Como 'todo preto se parece', segundo eles, eu agora não fico na rua mais sozinho, sempre vou em algum lugar com alguém. Tenho até medo de vim pra casa sozinho de madrugada quando estou numa festa com amigos, por exemplo. Eu também sempre tento usar trança, pois me sinto mais protegido, de black sinto mais resistência policial, mas de trança eles nem me olham. Tenho medo sim de ser acusado injustamente novamente", contou ele. 

Carlos mora em SG há 11 anos
Carlos mora em SG há 11 anos |  Foto: Leonardo Ferraz
 

Sobre o caso de Carlos, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro informou: "Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida na denúncia e condeno o acusado CARLOS VITOR TEIXEIRA GUIMARÃES, por violação ao art. 157, §2º, II e §2°-A, I, do Código Penal. Passo a individualizar a pena que considero justa e necessária à prevenção e repressão do ilícito penal, atenta às circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, ao sistema trifásico previsto no art. 68 do referido Código, assim como aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Na primeira fase da dosimetria da pena, observa-se as circunstâncias judiciais não são favoráveis ao réu, em razão de o crime ter sido praticado em concurso de agentes. Com efeito, embora a alteração legislativa dada pela Lei 13654/18 seja recente, já há vozes na doutrina no sentido de que as demais causas de aumento de pena, diversas do emprego de arma de fogo, devem ser consideradas na primeira fase da aplicação da pena - haja vista que, em atenção ao disposto no artigo 68 do Código Penal, no concurso de causas de aumento ou de diminuição, previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua. Neste caso, a circunstância do inciso II do §2º (concurso de pessoas) deve ser considerada como circunstância judicial desfavorável (artigo 59 do Código Penal), na medida em que proporcionou maior chance de êxito da empreitada criminosa, diminuindo a possibilidade de reação e resistência da vítima, o que ora faço. Assim, fixo a pena-base na fração de 1/6 acima do mínimo legal, a saber: 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Esse tem sido o entendimento do E. STJ, conforme se infere da jurisprudência a seguir colacionada: ´A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça admite, presente mais de uma causa de aumento de pena, a valoração de alguma delas como circunstâncias judiciais desfavoráveis e outras na terceira etapa de individualização da pena, ficando apenas vedados o bis in idem e a exasperação superior ao máximo estabelecido pela incidência das majorantes, caso sopesadas na fase derradeira da dosimetria.´ (HC 449.407/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 21/06/2018, DJe 28/06/2018) Na segunda fase da dosimetria, diminuo a pena-base em 1/6, em razão da menoridade relativa do acusado, retornando a pena intermediária ao mínimo legal, em consonância à Súmula 231 do STJ, segundo a qual o reconhecimento de circunstância atenuante não tem o condão de trazer a pena aquém do mínimo legal, ficando estabelecida em 04 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. A propósito da Súmula 231 do STJ, é importante salientar que, em respeito ao princípio da legalidade, a pena-base somente pode ser fixada dentro dos limites mínimos e máximos previstos em lei, ou seja, as penas só podem ultrapassar tais limites na terceira fase da dosimetria, conforme o disposto no art. 68 do Código Penal, quando da análise das causas especiais de diminuição ou de aumento de pena. Conforme bem destaca o ilustrado professor Guilherme de Souza Nucci, ´(...) as atenuantes não fazem parte do tipo penal, de modo que não tem o condão de promover a redução da pena abaixo do mínimo legal. Quando o legislador fixou, em abstrato, o mínimo e o máximo para o crime, obrigou o juiz a movimentar-se dentro desses parâmetros, sem possibilidade de ultrapassá-los, salvo quando a própria lei estabelecer causas de aumento ou de diminuição. Estas, por sua vez, fazem parte da estrutura típica do delito, de modo que o juiz nada mais faz do que seguir orientação do próprio legislador (NUCCI, 2006, p. 436-437)´. Destarte, como já fixada a pena-base no mínimo legal, o reconhecimento de circunstância atenuante não trará qualquer reflexo na pena, que não pode vulnerar o patamar mínimo, conforme entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, no Enunciado 231 de sua Súmula de Jurisprudência e, ainda, pelo Supremo Tribunal Federal, na decisão com repercussão geral reconhecida, a seguir colacionada: ´AÇÃO PENAL. Sentença. Condenação. Pena privativa de liberdade. Fixação abaixo do mínimo legal. Inadmissibilidade. Existência apenas de atenuante ou atenuantes genéricas, não de causa especial de redução. Aplicação da pena mínima. Jurisprudência reafirmada, repercussão geral reconhecida e recurso extraordinário improvido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. (RE 597270 QO-RG, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 26/03/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-11 PP-02257 LEXSTF v. 31, n. 366, 2009, p. 445-458)´ Na terceira fase da dosimetria, elevo a pena em 2/3, tendo em vista haver a circunstância majorante do emprego de arma de fogo, perfazendo, assim, a uma reprimenda definitiva de 06 (seis) anos, 05 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão, em regime inicialmente semiaberto, com fulcro no art. 33, § 2º, ´b´, do Código Penal e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário mínimo, em atenção à situação econômica do réu. O réu responde ao processo em liberdade, e em liberdade poderá apelar. Condeno o acusado ainda no pagamento das custas processuais, com fulcro no art. 804, do Código de Processo Penal. Publique-se. Intimem-se. Anote-se e comunique-se". 

Essa não é a primeira vez que um jovem negro é preso após uma acusação feita através de reconhecimento por fotos. Em matérias anteriores, O SÃO GONÇALO já relatou casos parecidos, como o de Danillo Félix e Camila Melanes Roque.

Matérias Relacionadas