Jorge, um ‘herói’ brasileiro
Pescador de Jurujuba relembra como salvou náufragos do Bateau Mouche
A cada réveillon que se aproxima, a memória do naufrágio do navio Bateau Mouche IV vem à tona para cariocas que participaram do momento de tristeza, em 1988, há 27 anos. O barco afundou na orla do Rio de Janeiro provocando a morte de 55 pessoas, das 142 a bordo, que iriam assistir à queima dos fogos em Copacabana, na Zona Sul do Rio. O pescador Jorge Souza Viana, o Jorginho, de 55 anos, foi quem ajudou a salvar dezenas de sobreviventes do acidente.
Era o quinto ano seguido que o pescador saía de Jurujuba com amigos e familiares para ver a queima de fogos na traineira Evelyn Maurício. O acontecimento ficou marcado na vida de Jorginho, que arriscou a própria segurança para salvar as vítimas.
“Saímos atrasados e sempre presto atenção em tudo. Vi o momento que o barco adornou e virou completamente. Não sabia que se tratava do Bateau Mouche. Falei para os meus parentes para se prepararem para o resgate. Peguei uma senhora grávida a qual a mãe tinha morrido afogada. Colocamos cordas e muitas pessoas ficaram se segurando. Quando saí com o barco, vi dois corpos na poupa do meu barco”, contou.
Apesar da fatalidade, Jorginho conta que não ficou com traumas e que tenta viver da melhor maneira possível. E ainda garante: “Eu tenho um coração que me move. Faria tudo de novo. E acho que qualquer um faria se estivesse na minha situação”, declarou.
“A vida continua. Enquanto ela não tem um ponto final, ela continua. Então temos que vivê-la da melhor maneira possível. Não consigo pensar na morte. Tiveram coisas ruins do Bateau Mouche que não gosto de lembrar”, explicou.
Com a ajuda fornecida aos sobreviventes, Jorginho recebeu uma Medalha de Distinção de 2ª Classe, um terreno em Araruama, entre outras recompensas. Mais, de acordo com o pescador, o mais importante foram as amizades que ele conquistou.
“Ganhei amizades inestimáveis. Algumas pessoas que só conheci após o fato e outras que fiz durante o naufrágio. Não encontro mais ninguém do acidente, mas me lembro de um homem que salvei os seus dois filhos e esposa. Ele queria me conhecer.
Mesmo anos após o acidente, apenas ano passado Jorginho voltou a passar o ano novo em alto mar com a família.
“Me ofereceram um dinheiro para eu buscar uma lancha em Angra dos Reis e falei que poderiam me pagar quanto pudessem. Perguntei se eu poderia levar a minha esposa comigo e deixaram. Depois fui convidado novamente para dirigir a embarcação no dia de ano novo. Vi os fogos de Copacabana na companhia da minha esposa, depois de anos da tragédia do Bateau Mouche”, lembrou.
Em primeiro de maio de 2013, Jorginho reviveu a tragédia do Bateau Mouche novamente, mas em sua própria embarcação. Com 12 pessoas a bordo, ele estava em alto mar de Piratininga quando estourou uma mangueira de óleo e ele não conseguiu puxar a rede. O barco acabou sendo jogado nas pedras e os embarcados tiveram que nadar até a praia. Novamente, o pescador utilizou seus instintos e resgatou dois amigos.
“Eu tinha o projeto de parar de trabalhar com 55 anos. Mas acabei perdendo minha embarcação e tive que começar do zero. Perdi meu barco e não chorei. Coloquei o colete salva-vidas em dois amigos e fui puxando eles até quase a praia. Na época, cheguei a comprar um caminhão, mas descobri que não era minha praia. Meu projeto de vida é acordar com saúde todos os dias”, finalizou.
A tragédia - A embarcação, que possuía capacidade para 62 pessoas, partiu em direção a Copacabana com autorização da Marina e naufragou apenas 10 minutos antes de 0h. Entre as causas apontadas para o acontecimento estava o excesso de peso de carga e passageiros e problemas na embarcação.
Três sócios da empresa foram condenados a prisão em regime semiaberto, mas fugiram em 1994 para a Espanha. Até hoje, recursos processuais tramitam na Justiça.