20 de novembro, Dia da Consciência Negra: conheça origem e história
Saiba em quais estados a data celebrada nacionalmente é regulamentada como feriado
Em 1971, um grupo de jovens negros se reuniu no centro de Porto Alegre para pesquisar a luta dos seus antepassados e questionar a legitimidade do 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea, como referência de celebração do povo negro. No lugar, sugeriam o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, para destacar o protagonismo da luta dos ex-escravizados por liberdade e gerar reflexão para as questões raciais. A semente plantada ali é um dos marcos da constituição dos movimentos negros e está na raiz do Dia da Consciência Negra.
Passados 50 anos dos encontros na capital gaúcha, o Senado aprovou um projeto de lei (PLS) 482/2017, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que converte o 20 de novembro em feriado nacional e contribui para reforçar a luta pela igualdade racial.
Entre os jovens que se reuniram em Porto Alegre estavam Antônio Carlos Côrtes, Oliveira Silveira, Ilmo da Silva, Vilmar Nunes, Jorge Antônio dos Santos (Jorge Xangô) e Luiz Paulo Assis Santos. Juntos, eles formaram o Grupo Palmares, uma associação que realizava estudos sobre a história e a cultura negra. Foi em uma reunião na casa dos pais de Côrtes que escolheram o nome em alusão ao quilombo que resistiu por quase cem anos.
Para os gaúchos, já passava da hora de romper com a ideia de liberdade concedida, substituindo-a por uma concepção de liberdade conquistada. O advogado, Antônio Carlos Côrtes, hoje com 72 anos, destaca que a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel (1846-1921) no dia 13 de maio de 1888, foi uma “abolição incompleta”, pois não garantiu assistência ou apoio governamental para o acesso a terras, educação e trabalho a mulheres e homens antes escravizados.
Sem apoio do Estado para a inserção dos ex-escravizados na sociedade e diante das mazelas que seguiram afligindo o povo negro, o Grupo Palmares decidiu dizer “não ao 13 de maio” e buscou por meio de estudos uma nova data que simbolizasse a luta negra. Foi assim que descobriu a data da morte de Zumbi dos Palmares (1655-1695), líder do Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga, em Alagoas. O quilombo foi o maior reduto de resistência à escravidão do período colonial.
O Dia da Consciência Negra ganhou visibilidade pela primeira vez em 1971, quando o grupo pioneiro realizou um ato evocativo à resistência negra na noite do dia 20 de novembro no clube Marcílio Dias, em Porto Alegre. O evento valorizava "o herói Zumbi dos Palmares".
De acordo com o pesquisador Deivison Campos, professor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), a proposta do coletivo gaúcho redirecionou o processo de integração do negro na sociedade brasileira e rompeu com a tradição forjada por aqueles que estavam no poder.
Além de um contraponto à data “oficial”, a escolha do 20 de novembro também representou uma forma de valorizar a cultura, a história e o papel político dos afro-brasileiros na sociedade. Esses elementos, aponta o pesquisador, vão balizar não só essa identidade, mas as ações do movimento negro a partir de então.
A semente plantada pelo Grupo Palmares cresceu, fincou raízes e deu frutos. Começaram a surgir manifestações em todo o país dando apoio à iniciativa e atos relembrando figuras negras históricas e até então esquecidas pelos livros de história e pela sociedade em geral. Os atos passaram a ser replicados todo mês de novembro em várias cidades. A proposta defendida pelo Grupo Palmares ganhou fôlego em 1978 quando foi assumida pelo Movimento Negro Unificado (MNU). A partir dali, a data foi cravada com um marco da luta e resistência ao racismo. O apoio do MNU colocou de vez na agenda política nacional a necessidade de criação de políticas públicas de igualdade e equidade racial, ausentes no 13 de maio de 1888.
Feriado nacional
Depois de árdua luta do movimento negro e a aprovação pelo Senado em 2003, o Dia da Consciência Negra entrou no calendário escolar a partir da sanção da Lei 10.639, de 2003, que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Oito anos depois, a então presidente Dilma Rousseff oficializou a data como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Mas o 20 de novembro só é feriado em locais com leis municipais ou estaduais específicas, uma vez que cada estado ou cidade brasileira precisa aprovar uma lei regulamentando o feriado.
No estado de São Paulo, além da capital paulista, é feriado em 106 cidades, mas não existe uma lei estadual, o feriado vale apenas para os municípios que determinaram através de legislação o feriado de 20 de novembro.
No Distrito Federal e nos estados do Acre, Ceará, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Sergipe - não é feriado em nenhum dos municípios.
Já os estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Rio de Janeiro determinam feriado de 20 de novembro em todos os seus municípios, segundo os dados da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racia (SEPIR), de 2018.
Heroínas e heróis
Alguns personagens negros importantes da história que estavam no centro das pesquisas do Grupo Palmares na década de 1970 e hoje têm seus feitos contados em muitas salas de aula brasileiras estão também inscritos no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria que fica guardado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília. O primeiro foi Zumbi que, desde 1997, tem seu nome cravado nas páginas de personagens relevantes da história brasileira.
Outros símbolos da resistência do povo negro entraram mais recentemente após aprovação do Senado e da Câmara dos Deputados. É o caso do advogado, líder abolicionista e Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil, Luiz Gama, que libertou mais de 500 pessoas escravizadas por vias judiciais. O nome de Gama foi incluído no livro em 2018.
Após aprovação do PLC 55/2017, também foram inscritos os nomes de Dandara dos Palmares e Luiza Mahin. Dandara foi conselheira e parceira de Zumbi na luta pela libertação do quilombo. Luiza, por sua vez, liderou os escravos malês na Bahia, tendo participação decisiva na Sabinada, revolta de caráter separatista ocorrida naquela província à época do Brasil Imperial.
Em outubro de 2021, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado aprovou mais um nome: João Cândido, marinheiro que liderou a Revolta da Chibata, ocorrida em 1910 em navios atracados na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, contra os castigos físicos na Marinha. Ele entrou para a história como o Almirante Negro. Aprovada no Senado, a proposta ainda depende de votação na Câmara dos Deputados.
Para apresentar o legado de Luiz Gama “ao maior número possível de pessoas” e espalhar as ideias do advogado, o cineasta Jeferson De resolveu em 2014 que tinha que colocar nas telonas um filme sobre a vida do Patrono da Abolição. Depois de muita pesquisa e um longo processo de produção, filmagem e pós-produção, Jeferson De finalmente viu seu longa-metragem Doutor Gama chegar aos cinemas e plataformas de streaming em agosto do ano passado (2021). Segundo Jeferson De, o longa-metragem ajuda a mostrar que a luta de negros e negras vem de longe.
Além de Luiz Gama, Luiza Mahin, Dandara, Zumbi e tantos outros nomes vêm sendo resgatados nas salas de aula, nas telas do cinema e da TV e pelo movimento negro ao longo das últimas décadas. Esse trabalho já era feito pelo Grupo Palmares há 50 anos. Ainda que o vento não sopre a favor, as sementes lançadas por aqueles jovens que se reuniram em Porto Alegre para incluir o protagonismo do povo negro na história brasileira seguem sendo espalhadas.
*Com informações da Agência Senado.