Amor tem idade? Casais redescobrem a paixão após a maturidade
Dizem que o amor não tem idade, mas pode ser mais prazeroso quando acompanhado de experiência, maturidade e autoconhecimento
A cultura de amar e querer ser amado atinge a todas as idades, genuinamente, desde criança. Amorosamente? Da adolescência até a terceira idade, a vontade é a mesma. Acontece que depois de uma certa idade, apesar da experiência que poderia fazer qualquer relacionamento dar certo, o medo, as inseguranças e os discursos que circundam a sociedade tornam mais difíceis as chances de encontrar um novo amor, mesmo quando já se encontrou a maturidade.
Para as mulheres, os discursos enraizados são de que os homens preferem as mais jovens. Para os homens, por conquistarem rapidamente a independência financeira, o ‘achismo’ é de que as mulheres optam por aqueles que possuem uma estrutura financeira mais consolidada. Para ambos, o velho discurso de que quanto mais velho, mais difícil é arrumar um parceiro, é a história de terror contada antes de dormir.
Acontece que, para se relacionar e redescobrir o desejo de amar novamente, é preciso deixar de lado essas inseguranças e se apoderar das ferramentas acumuladas que fazem toda a diferença na hora de abandonar o que poderia ser um simples namoro de adolescência para iniciar um relacionamento verdadeiro e duradouro: a maturidade e a experiência.
Alguns com filhos, outros separados após longos casamentos, algumas curtindo a própria solitude, entre eles, as experiências vividas, negativas ou positivas, são algumas características em comum. E são elas que conferem o ingrediente que pode tornar tudo mais prazeroso, a maturidade.
É o caso do casal Flávia Oliveira e Marcelo Abrãao. Juntos, eles construíram uma história digna de romance. Quando novos, há cerca de 24 anos, os dois se conheceram e iniciaram um relacionamento que durou, mas não o suficiente para que continuassem juntos. "Quando somos novas, somos sonhadoras, temos muito essa coisa de ilusão. A gente sonha muito e esquece da realidade", conta Flávia, que hoje tem 47 anos.
Para ela, a maturidade é o ingrediente principal para a condução do relacionamento, e nas relações de adolescência, a capacidade sonhadora e ingênua faz com que muitas coisas sejam passageiras. Depois de pouco mais de 10 anos, boas doses de maturidade e experiências de diferença, o casal se reencontrou.
‘’A maturidade fez toda a diferença. Nós construímos um relacionamento mais solidificado, somos mais 'pé no chão.' Hoje nós aprendemos a amar e como lá no passado a gente viveu bons momentos, a gente entendeu que não tinha como dar errado."
Marcelo, de 50 anos reencontrou Flavia sendo pai. Ela, por sua vez, não é mãe, e conta que isso em nenhum momento tornou-se um empecilho. Hoje, o casal que vive junto há três anos após o reencontro, afirma ter vontade de adotar uma criança para completar a felicidade que já cultivam no relacionamento, agora mais verdadeiro e estável.
Depois de um casamento de 23 anos, que terminou fazendo com que Bárbara sentisse muitas coisas, entre elas, o sentimento de que não teria sido amada mesmo durante duas décadas, ela sentiu que ainda era possível ser feliz. E foi assim, mesmo com um pouco de medo, que aos 41 anos de idade conheceu Robson de Andrade, no trabalho, com quem em poucos meses de relacionamento, lhe deu o que não recebera em 23 anos.
‘’No começo deu um pouco de medo, mas ele foi me conquistando e aos poucos resolvi arriscar. Tinha medo de ser tratada da mesma forma, de não ter o meu valor reconhecido, mas ele me completa em tudo, vivo tudo diferente", relatou a técnica de enfermagem, também mãe de Yasmin de 22 anos e Yago, de 4 anos. Seu namorado e companheiro, Robson, de 49 anos, também é pai de dois filhos. O casal, que se relaciona há seis meses, ainda não possui filhos juntos, mas vivem aquilo que sempre tiveram como referencial.
‘’Com ele, eu vejo muita diferença, sou prioridade na vida dele. É meu amigo, parceiro e cúmplice. Carinhoso, cuidadoso, coisas que eu não tinha no meu relacionamento. O que temos de diferente nesse relacionamento para os anteriores é que tem muita conversa, muita reciprocidade, cuidado, atenção. Sei o que eu preciso e o que eu posso proporcionar para ele também", compartilhou. Bárbara também concorda que relacionamentos pós maturidade impactam positivamente a autoestima e que é preciso acreditar que é sempre possível ser feliz.
Entre muitos fatores, os relacionamentos entre a meia e a terceira idade conferem não só um bem estar aos apaixonados, como também trazem um espírito jovial que impacta diretamente a autoestima e segurança dos enamorados. Com o crescimento na expectativa de vida dos brasileiros para 71 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a vontade de se relacionar acompanha o parâmetro, com o cenário tecnológico, outros acontecimentos notáveis são os interesses e novos cadastros em sites de relacionamentos por parte dos ‘cinquentões’. Todas essas combinações para comprovar a tese de que o amor não tem idade e nunca é tarde para tentar.
Os benefícios trazidos por um amor maduro são comprovados diariamente pelo casal Rosenery Gonçalves e Gilberto Neves. Hoje com 62 e 65 anos, respectivamente, a história dos dois começou no ano de 2012, quando trabalharam juntos, no Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Mesmo com o contato no dia a dia, a relação não passava de amizade, até que ambos se afastaram, quando Rose foi para um novo emprego.
Rose conta que eles ficaram dez anos sem se ver, "até que em setembro do ano passado, ele me viu pelo Instagram, entrou em contato, e para nossa surpresa, eu estava sozinha e ele, viúvo".
Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença
Após três meses vivendo grandes momentos de alegria, em dezembro de 2022, um diagnóstico inesperado pegou Rose, que é professora aposentada, de surpresa. Mas o medo do desconhecido deu lugar à uma avalanche de amor e companheirismo de Gilberto.
"Estou com câncer de mama, assustador para mim e toda a família. Na época pensei, como contar para ele? Mas a fé chegou mais forte e expliquei tudo que estava acontecendo. Hoje vivo com o melhor que uma mulher precisa neste momento: atenção, carinho, respeito, dedicação e muito amor. O resultado? Acredite, não tem doença que permaneça.
Rose, que tem três filhos e quatro netos, e Gilberto, que tem dois filhos, estão noivos e aguardam o processo de tratamento de Rose para que possam oficializar a relação. "Já nos sentimos casados, pois temos o apoio de toda a família", disse a professora aposentada.
Ao mesmo tempo em que a maturidade faz com que pessoas mais velhas sejam consideradas aptas à lidar com situações adversas, devido às experiências construídas ao longo da vida, suas histórias também trazem vivências boas e ruins, o que pode desencadear em sentimentos adversos, como a insegurança.
A psicóloga e professora da PUC-RJ, Sandra Salomão, que é especialista em terapias de casais e família, garante que a insegurança nos relacionamento da meia-idade "é muito mais relativa ao entorno das pessoas que você se relaciona".
A longa jornada já vivida, seja pessoal ou profissional, faz com que o indivíduo possua uma bagagem que pode, em alguns casos, interferir nas futuras relações.
"Os principais motivos para insegurança estão, muitas vezes, ligados à relacionamentos anteriores, que não foram bem finalizados, ou então o fato de que nessa idade os pais estão mais velhos, o que faz com que o indivíduo esteja entrelaçado com as suas famílias de origem", disse Sandra Salomão.
Menopausa e a vulnerabilidade feminina
De acordo com a psicóloga, a menopausa também é um fator que pode afetar muitas mulheres nessa faixa-etária, principalmente pelo preconceito e desinformação de grande parte da sociedade, o que traz consequências à um possível relacionamento maduro.
"A menopausa trazia uma ideia de que a vida sexual da mulher estava sendo encerrada, o que não existe. Hoje existem muitas possibilidades para que se possa lidar com essa questão. O principal problema é o aspecto emocional que a mulher dá a essa fase da vida, além dos homens, que ainda tem a ideia de finalidade da vida sexual daquela mulher", esclareceu a psicóloga.
Construção de novas relações e autoestima
As relações interpessoais estão diretamente ligadas a autoestima, que pode ser definida como a forma em que uma pessoa se relaciona consigo mesma. Um indivíduo que deposita suas expectativas e frustrações em um outro alguém, tende, em qualquer que seja a idade e época da vida, a ter mais dificuldade de autoaceitação e valorização.
"Autoestima é o olhar que você tem para si mesmo. Em geral, as pessoas desenvolvem uma baixa autoestima porque quando eram crianças/adolescentes, receberam tarefas emocionais e práticas pela família, que eram grandes demais para que uma pessoa dessa idade pudesse dar conta", afirma Sandra.
"O início de uma relação é sempre a renovação de uma esperança. Aquela velha tentativa de tentar fazer diferente. As vezes funciona, outras vezes, não. Em diversos casos, uma pessoa espera do outro o que ela tem que dar a si mesma, ou o que ficou faltando na sua própria historia", afirma a especialista Sandra Salomão.
*Estagiárias sob supervisão de Cyntia Fonseca