Amigas à obra: pedreiras de SG são referência de profissionalismo na região
Em entrevista a OSG, Darley e Veronica contam detalhes da história dessa parceria de sucesso que já dura 12 anos e é movida pelo desejo de servir e ajudar ao próximo
As amigas Darley Mira, de 56 anos, moradora do bairro Largo da Ideia e Veronica Braga, de 40, moradora de Monjolos, ambas de São Gonçalo, resolveram há pouco mais de doze anos, trabalhar em prol de ajudar a população local com seus serviços 'braçais', que não ficam restritos apenas a área de obras.
A parceria começou quando as duas amigas trabalharam juntas na prefeitura de São Gonçalo, como fiscais de obra, entre os anos de 2005 e 2012. Com o fim do mandato do governo da época, veio também a demissão e o desemprego de ambas. E foi aí que a "virada de chave" em suas vidas aconteceu.
"Foi a partir daí que veio a ideia e falei para a Veronica: 'vamos trabalhar pra gente'. Compramos uma roçadeira e começamos por conta própria, no nosso próprio bairro", contou Darley.
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As amigas resolveram trabalhar e ajudar a população local com seus serviços. Darley comprou revistas profissionalizantes e elas foram aprendendo no dia a dia, com a força de vontade.
Elas se consideram como "faz tudo" da região, contribuindo com todo tipo de auxílio, seja com uma roçadeira, atuando em diversos terrenos locais ou pintando a fachada da única escola de educação infantil do bairro, serviço que fazem com prazer.
"A gente só não faz de graça porque temos que comer e beber, mas se tivéssemos uma condição melhor, daríamos para o povo", declararam as pedreiras.
As "amigas à obra" superam o preconceito enraizado na sociedade com uma boa dose de profissionalismo. Elas equilibram qualidade e capricho em cada trabalho, conquistando não só a população da região onde moram, como à todos os amantes desse tipo de serviço.
Histórias que inspiram
Formada em educação física por ser apaixonada por esportes, Darley Mira chegou a jogar futebol pelo Vasco. Casada há 31 anos, com dois filhos e uma neta, ela conta que entendeu que a profissão escolhida na faculdade não lhe renderia uma boa remuneração, mas o estudo serviu para que conhecesse o grande amor da sua vida.
"Falo pro meu marido que ele não tinha nada a ver com a profissão, que só estava ali para que a gente pudesse se encontrar", disse.
Além do trabalho como pedreira e "faz tudo", Darley também é motorista de transporte escolar no bairro, serviço que já faz há 25 anos. Quando começou a atuar no ramo de obras, ela, que sempre se interessou pelo assunto, começou realizando os sonhos da família e hoje, assim como uma "mãe", abraça todos os moradores como parte de uma grande família, acumulando gratidão por onde passa, através do seu jeito empático e generoso.
"Construí a casa da minha filha, a loja dela, a casa da minha prima e a varanda da minha casa", contou.
Já o braço direito de Darley, Veronica Braga, teve, desde sempre, o amor por esse tipo de trabalho correndo em seu sangue.
"Sempre gostei de obra porque o meu pai e o meu irmão são pedreiros. Eu acordava cedo e ia pra obra com meu pai. Foi ali que aprendi e fui me dedicando ao longo dos anos", contou Veronica.
Sendo considerada como a "força bruta" dessa parceria de longa data, Veronica precisou ser forte em diversos momentos da sua vida, sendo o mais doloroso deles, quando perdeu a filha adotiva, Tayonan, aos 25 anos, para uma doença.
A força que carrega nas mãos se equilibra com a delicadeza e "jeito de criança grande" que carrega em si, mesmo com as pedras que encontrou pelo caminho.
Parceria que deu certo
Darley e Veronica são como yin e yang, opostos que se atraem, que se complementam e se bastam.
"Eu sou detalhista e ela fica mais no trabalho bruto, se é pra quebrar uma parede é com ela mesma", contou aos risos a pedreira Darley.
As amigas hoje se dividem entre o trabalho diário para a prefeitura de São Gonçalo, no qual foram chamadas no atual governo, fazendo todo tipo de serviço, como vistoria de obras, limpeza de calçadas, pintura de muros, pontes e o que mais forem solicitadas, e entre o trabalho como "faz tudo" do bairro Largo da Ideia, onde atuam.
Atualmente, as parceiras de vida e trabalho não fazem mais obras grandes e distantes do local onde residem, devido à rotina de serviços e também pela idade.
"Eu já estou com 56 anos, pegar obra grande "tá" pesado. A gente faz mais manutenção, roçadeira, pintura", afirmou Darley.
Um trabalho que não é para qualquer um
Dividindo um pouco das inúmeras histórias e momentos vividos ao longo dos mais de doze anos de parceria, as amigas contam que não é fácil aguentar o trabalho que fazem, ainda mais com o capricho e profissionalismo dos quais não abrem mão.
"Uma vez contratamos um menino para nos ajudar com a roçadeira e no dia seguinte ele não apareceu. Ligamos para a mulher dele, que nos disse que ele havia até tomado 'dorflex' e que não aguentou o nosso ritmo de trabalho", contam as pedreiras.
Preconceito enraizado na sociedade
Darley e Veronica também sofreram diversos tipos de preconceito ao longo da jornada profissional e para se manterem firmes em seu propósito, somente o amor pelo serviço e o desejo de "cuidar do outro", fizeram com que seguissem na luta.
"Muitos duvidaram da nossa capacidade. Quando fomos fazer a casa da prima de Darley, uma pessoa perguntou: você não tem medo que elas façam sua casa não? Da parede cair?", contou Veronica.
Além do preconceito pelo tipo de trabalho que exercem, as amigas também sofreram outro tipo de discriminação.
"A primeira coisa que ouvimos é que éramos um casal por andarmos juntas. Bairro pequeno, muito 'disse me disse' e julgamentos", contou Darley, que fez questão de reforçar que isso nunca foi um problema para elas, que algumas vezes ignoravam, outras se posicionavam, mas sempre com o foco em fazer o melhor que podiam dentro da área que escolheram ganhar a vida.
Superação e amor ao próximo
Um dos momentos mais inspiradores e marcantes na vida de Darley e Veronica foi a construção da casa da amiga Jacqueline Torres.
Moradora do bairro Largo da Idéia há 61 anos, Jacqueline se viu sem rumo quando perdeu a filha num acidente de trânsito e logo em seguida a casa em que morava desabou.
Amiga de Darley há muitos anos, ela conta que a ajuda que recebeu das "amigas à obra" foi o que a manteve de pé.
"Ela sempre está pronta para ajudar qualquer pessoa e na hora que eu mais precisei, ela estava aqui. Conseguiu uma casa para que eu pudesse ficar até que me restabelecesse", disse.
Darley ofereceu não só ajuda, como mão de obra e a garantia de que faria uma nova casa para Jacqueline.
"Ela deu a ideia de fazer um bingo, vaquinha, show de prêmios, tudo para arrecadar materiais para a obra e doações para a casa. Porém, com a obra iniciando, meu marido veio a falecer e também fiquei sem pensão", contou Jacqueline, que teve mais uma perda em sua família durante um processo que já estava sendo suficientemente doloroso.
"A cor preferida da minha filha era amarelo, ela dizia: 'mamãe vou fazer uma casa para a senhora toda amarela.' E elas duas fizeram tudo isso. Quando cheguei aqui e vi minha casa assim eu nem acreditei. Não dá vontade de sair", afirmou.
Continuar enquanto puderem
Para as amigas, saber que conseguiram, de alguma forma, contribuir para a felicidade de alguém com o serviço que prestam, é a maior recompensa que poderiam receber.
As pedreiras, que conquistam o carinho do povo com um trabalho humanizado e empático, afirmam que pretendem "continuar até quando Deus permitir".
As "amigas à obra" não gostam muito de redes sociais, mas através do perfil de Darley no Facebook, é possível apreciar um pouco do serviço prestado por elas.
*Estagiária sob supervisão de Thiago Soares