Aqui tem história: Porto das Caixas e a imagem de Cristo que verteu sangue
No gentil bairro do município de Itaboraí, fica a origem do fenômeno que atraiu milhares de pessoas à cidade no fim da década de 60
“As pesquisas realizadas evidenciaram tratar realmente de sangue, cuja origem e espécie fogem à nossa responsabilidade técnica.” Foi através dessa constatação que o farmacêutico bioquímico Dr. Enéas Heringer confirmou que a imagem de Jesus Crucificado verteu sangue.
Neste episódio da série ‘Aqui tem história’ eu te convido a voltar a algumas décadas no tempo: para 1968. Era um dia quente de verão. Em janeiro daquele ano, a nação brasileira estava sob a gestão executiva do militar Artur Costa e Silva. No dia 26 daquele mês, faltando 15 minutos para iniciar a missa na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, localizada em Porto das Caixas, em Itaboraí, o padre Carlos Guillena notou um líquido vermelho escorrendo de uma das feridas na imagem de Cristo Crucificado.
No entanto, o padre limpou rapidamente o santuário porque pensou que fosse a tinta que recobria a imagem de um metro e trinta sob a cruz de dois metros que estivesse derretendo, afinal, era verão e fazia muito calor. Além dessas hipóteses, outra que pairou sob a mente do padre, era de que a imagem poderia estar se degradando pelo tempo de existência, afinal ela data do século XVIII.
No entanto, quando a missa iniciou, o padre percebeu uma inquietação entre os fiéis, que testemunharam mais líquido vermelho escorrendo da boca e joelho da imagem de Cristo Crucificado. O ocorrido fez com que aquele dia 26 de janeiro fosse eternizado na memória do bairro de Porto das Caixas, e no imaginário religioso como o dia em que a imagem de Cristo Crucificado verteu sangue.
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‘’A imagem que chorou sangue’’
Antes de migrarmos para os efeitos desse ocorrido nos dias presentes, é preciso enfatizar que a própria cidade em que a Igrejinha de Nossa Senhora da Conceição fica localizada, é por si só histórica. O nome do bairro ‘’Porto das Caixas’’ não é à toa. Em 1780, grande parte do açúcar produzido pelos oitenta engenhos das freguesias próximas era embarcado em caixas de madeira nos catorze barcos pertencentes ao porto da região, daí o nome Porto das Caixas.
Esse mesmo porto, segundo o historiador e presidente do Instituto Histórico e Geográfico Itaborahynse Deivid Antunes da Silva Pacheco, na década de 60 começa a declinar e abrir espaço para outros modais. "A região estava em franca decadência econômica porque um dos principais motores da região era o porto. E a partir da década de 60 com a inauguração da linha férrea e seu prolongamento até Niterói, todo o eixo econômico que era feito de forma fluvial, foi feito de forma ferroviária. Então Porto das Caixas deixou de ser um entreposto comercial".
A linha férrea citada pelo historiador refere-se a Estação Ferroviária Leopoldina, que entre muitos trechos e extensões, possuía um ramal que conectava o município de Niterói a Itaboraí.
Já a Igreja de Nossa Senhora da Conceição foi construída por Francisco Cardoso Pinto em 1717. Hoje, no local, é possível ver uma parede da igreja primitiva no lado exterior à Igreja. No entanto, nessa parede existe uma placa que data a ruína como nascida em 1595, mas a informação não procede. Segundo Deivid, foi um equívoco entre os padres.
‘’Essa região toda, no início da colonização do interior do leste fluminense, após a fundação da cidade do Rio de Janeiro, foi dividida em grandes áreas de terra chamadas sesmarias. Então, uma das primeiras foi doada ao escrivão da Fazenda Real, Miguel de Moura, que era como um Ministro da Justiça, da Coroa Portuguesa, naquela época.’’, explicou.
"Ele recebeu uma dessas sesmarias aqui no Brasil sem nunca ter metido o pé aqui, e como a lei das sesmarias dizia que a pessoa já tinha que fazer uso delas em três anos ou ela retornava à Coroa Portuguesa, ele vendeu parte delas para os jesuítas que em contrapartida, fundaram a Aldeia de São Barnabé, que era a igreja jesuítica".
"Essa de Porto das Caixas vai ser construída preliminarmente em 1717, vai entrar em ruínas e vai ser reconstruída em 1749", completou.
Além da parede em ruínas, outros elementos preservados pela Igreja são o pedestal em que ficava a imagem de Cristo Crucificado em 1968, e o exame responsável por analisar clinicamente o líquido vermelho, identificado posteriormente como sangue humano.
"As pesquisas realizadas evidenciaram…"
contou.
Apesar de muitos fiéis enxergarem como milagre, essa versão do fato ainda não é reconhecida pela Igreja, conforme conta o historiador. "Aquilo ali virou um fenômeno, e por que um fenômeno? Oficialmente a Igreja ainda não reconheceu como um milagre, mas a devoção ao Cristo crucificado existe".
Existe e não prevê quilômetros. Na década de 70, cerca de 20 a 30 mil pessoas peregrinavam por dia, à Igreja de Nossa Senhora da Conceição para ver a imagem e fazer pedidos, ou deixar agradecimentos.
A luz da imagem: Efeitos da repercussão
Observando o grande número de pessoas que a igreja estava recebendo para fazer pedidos, foi criada uma ‘sala de promessas’ no interior do espaço da igreja. Nesta sala, diversos objetos simbólicos são levados pelos fiéis quando ‘a graça’ é alcançada, ou seja, quando uma promessa é cumprida.
Na sala, estantes com prateleiras são ocupadas por diversos pertences pessoais de forma que não é possível a visualização das estantes, como moldes de partes do corpo que foram curadas, próteses, objetos de artesanato, bandejas de xícaras, abridores de lata, cinzeiros.
Aqueles que não comparecem fisicamente, mandam o agradecimento por cartas, que ficam guardadas no ‘livro de agradecimentos’ da igreja. Já no armário de madeira com portas de vidro, os agradecimentos deixados são compostos por peças de vestuário: vestidos de noiva, dólmã, gola e fardas militares.
O número expressivo de fiéis que estavam se destinando à Igreja, demandou a criação de um espaço maior que pudesse comportá-los, explica Deivid: ‘’Devido essa quantidade bem expressiva de pessoas que buscavam o milagre do Cristo Crucificado, os padres passionistas tomaram como decisão construir um novo santuário’’.
Com a incidência do período pandêmico, as peregrinações destinadas à Igrejinha de Nossa Senhora da Conceição diminuíram, mas não são raras. Aos finais de semana, a nova nave criada para reunir os fiéis nas missas, se enchem de pessoas vindas de diferentes regiões do Brasil.
Atualmente, acontecem missas todos os dias na Igrejinha. O espaço silencioso e convidativo fica aberto diariamente para aqueles que desejarem um momento no interior da igreja, ou para os que desejam conhecer o espaço, que além de tudo, é um capítulo significativo neste livro de histórias.
A Igreja fica localizada no endereço Avenida Nossa Sra. da Conceição, s/n, Porto das Caixas, Itaboraí RJ.
*sob supervisão de Cyntia Fonseca