Aqui tem história: Crac! Conheça a primeira fábrica de batata palha do mundo
Décadas de existência, vínculos familiares e paixão pela amarelinha que colore o prato dos brasileiros
Já imaginou comer strogonoff sem batata palha? Cachorro-quente ou salpicão? A falta do acompanhamento torna essas receitas incompletas, como se um nascesse para o outro. Apesar disso, nem sempre elas estiveram juntas, aliás, foi essa percepção que fez com que três cunhados, Carlos Aníbal, Manoel Luiz e Renato Cerqueira traçassem uma história que iria ditar novos costumes às mesas brasileiras.
Na década de 80, os três tiveram a oportunidade de visitar uma fábrica de batatas chips que estava à venda. Ali, não deu negócio, mas foi o suficiente para plantar uma semente na cabeça dos empresários, que tiveram a ideia de fundar uma fábrica local em Niterói. Em 4 de agosto de 1985, os três começaram com um empreendimento de produção de batatas chips intitulado como ‘Crac’, o nome é uma onomatopeia que faz referência ao barulho crocante da batata. Para acompanhar a fábrica, inauguraram uma loja que ofertava os produtos produzidos.
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‘’Começaram com uma fábrica e inovaram já com uma loja na frente da fábrica, porque até então a batata portuguesa era vendida em padarias a granel. A ideia era fazer uma loja com produtos exclusivos da Crac, uma loja da fábrica.’’, contou Marcio Picanço, filho do fundador Renato Cerqueira, que comanda parte da direção da empresa atualmente.
No entanto, com a progressão das produções e das vendas, um dos sócios teve uma percepção diferente. Enquanto comia um dos pratos que costumava pedir nos restaurantes, o filé à francesa que leva como ingrediente a batata palha, Renato Cerqueira, que era professor da Fundação Getúlio Vargas e (FGV) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), perguntou-se porque a batata neste formato não era comercializada. A dúvida incitou a curiosidade, que por sua vez, acordou a vontade de fazer batatas palhas para venda. Neste ponto, Cerqueira deixou a bagagem um pouco de lado e se aventurou no empreendedorismo culinário.
Contudo, depois que pôs na cabeça que iria insistir na inovação, as dificuldades apareceram.
‘’E aí ele teve a ideia de também fazer a batata em forma de palha, só que começaram as dificuldades porque ninguém produzia então não tinha maquinário específico. E aí ele foi para a Rua de Santana procurar uma máquina que cortasse batata em palha, não conseguiu achar nenhuma máquina e frustrado, começou a conversar com lojistas e contou a ideia que ele queria uma máquina que além de cortar em chips, cortasse em palha. Um dos lojistas, com o Renato, criou uma máquina de moer carne adaptada para cortar a batata. Assim começou a primeira fábrica de batata palha do mundo. A Crac foi a primeira fábrica a industrializar batata palha do mundo’’ , explicou Marcio.
Até então, a batata palha era feita artesanalmente nos restaurantes ou nas residências, fora isso, era como caviar no ditado ‘’nunca vi, nem comi, eu só ouço falar’’. Com a produção da batata no novo estilo e a inserção do produto no mercado, as receitas foram se reinventando. Com o passar dos anos, a empresa montou um sistema de franquia que contava com 46 lojas. Além da expansão da marca, houve um investimento no marketing. As funcionárias vestidas de vermelho panfletavam e ensinavam os brasileiros a incluírem a batata nas refeições e consumirem o salpicão, o cachorro-quente e o tradicional strogonoff com a batata palha. Por consequência, os costumes culinários não só dos niteroienses, mas dos brasileiros em geral foram modificados.
Já no fim da década de 90, a Crac recebeu a oportunidade de ampliar ainda mais sua comercialização, em 1996 o grupo Sendas propôs que as batatas fossem vendidas não só nas lojas, mas também fossem para as prateleiras dos supermercados. No ano seguinte, a Crac adicionou à sua lista de produtos o biscoito de polvilho.
Apesar de já terem conquistado certa estabilidade com a inclusão das amarelinhas nos pratos dos brasileiros, a empresa não parou por aí. Já na primeira década deste século, em 2010, a fábrica criou o ‘’Cracquinhos’’ voltado para o público infantil. A relação com os pequenos, segundo o diretor comercial da empresa, é forte. A fábrica recebe anualmente cerca de 2500 crianças.
‘’Nosso DNA é de uma empresa integrada com a sociedade. A gente entende que, de alguma maneira, o que a gente produz aqui precisa gerar uma transformação na sociedade. Nós temos uma atividade aqui de visitação escolar, então recebemos crianças não só de São Gonçalo, mas do Rio de Janeiro inteiro. Então eles vêm aqui, passam o dia, conhecem o processo fabril, boas práticas de fabricação alimentar, educação também e uma pitada de empreendedorismo.’
Além das dinâmicas, as crianças ainda recebem diplomas. Algumas, inclusive, já quiseram integrar a equipe da fábrica. ‘’A gente tem história de crianças que visitaram e falaram para as mães que um dia trabalhariam na Crac e hoje são nossos funcionários’’, contou Marcio.
Além da linha infantil, a linha do tempo de inovação da empresa foi estendida ao ano de 2011 com a adesão da batata extrafina. Já em 2014, a indústria deu outro grande passo criando a linha de refrescos de copo e garrafas de xarope ‘’Guaracrac’’. Se a Cracquinhos esteve vinculada às crianças, o Guaracrac foi íntimo aos costumes dos gonçalenses, conforme conta Marcio: ‘’Em 2014 lançamos essa febre que é o Guaracrac, e a gente tem até orgulho de dizer que ele tem uma forte identificação com o povo de São Gonçalo.’’
A todo vapor
Décadas de existência e produção a todo vapor. Hoje, o fundador Renato Cerqueira não está vivo para continuar sua história, no entanto, seus filhos Lucio, Marcio e Renata deram seguimento ao seu legado. Atualmente, a Crac conta com duas unidades fabris localizadas em São Gonçalo e em Rio Bonito, a segunda ficou sob função de desenvolver os produtos líquidos, a primeira incumbida da produção das batatas e dos salgadinhos.
Já com equipamentos de ponta, diferente do início, hoje a produção de batatas conta com um processo quase todo automatizado, exceto pela finalização em caixas que ainda precisa de mãos humanas, conforme conta o responsável pela logística Alex Araújo ‘’A produção é quase toda automatizada, mas ainda precisamos de pessoas para colocar os salgados nas caixas porque um robô poderia estourar as embalagens na hora de pegar, pela força. Eles (funcionários) também fazem a observação de uma caixa que pode não ter sido lacrada corretamente ou de um produto que esteja danificado.’’, explicou.
Segundo Alex, a logística é a alma do processo, o que faz com que tudo funcione. Primeiro, as batatas são recebidas pelos fornecedores, depois passam pelo processo de corte, fritura e esfriam em caixas até que possam ser embaladas. Todo o amido que sai das batatas durante esse processo é reaproveitado por outras empresas. Num segundo momento, após esfriarem, elas passam para a fase de empacotamento: bobinas com as embalagens são instaladas nas máquinas, as batatas descem por um funil, caem nos seus respectivos saquinhos, que são lacrados e separados pelas próprias máquinas, depois são levados por uma esteira até as mãos dos funcionários que, dando continuidade ao processo, inserem nas caixas, fecham e as depositam na esteira para poderem ser lacradas com fita isolante por outra máquina.
As caixas são empilhadas até concluírem a quantidade necessária para as entregas. Nesse caso, os expedidores aparecem, retiram a carga e direcionam-nas até o setor em que elas irão aguardar pelos caminhões, os responsáveis por encaminhá-las às prateleiras. O diretor de logística explica que as entregas são feitas a partir de um mapa, que lista para onde vão e a quantidade entregue à cada local, loja ou mercado.
De onde vem as batatas?
Nessa rotina, a indústria gera mais de 300 empregos diretos, na unidade de São Gonçalo a maioria dos funcionários são os próprios residentes do município. Diariamente, são produzidas cerca de 30 toneladas de batatas por dia. Essas, têm origem da região sul e sudeste do país. O maior fornecedor da empresa fica no Paraná e o segundo, em São Paulo. Dois estados com uma forte cultura de plantio de batatas.
Apesar do extenso mix de produtos, os projetos não param por aí. ‘’Esse ano ainda a gente quer lançar uma linha de mate e sucos 100%, com qualidade, preço justo. Também já estamos implementando o nosso próximo estado a ser atendido pela Crac, é o Espírito Santo, já começamos um trabalho lá no meio do ano e a gente pretende até o final de 2025 estar em todo Sudeste e em alguns estados da região Sul do país.’’
Apesar das dificuldades, segundo Márcio, o legado de continuar colorindo os pratos com a amarelinha é contínuo: "A gente diz que o país está em crise, mas aqui nós dizemos que ela está do portão para fora. Estamos bem confiantes no futuro."
Sob supervisão de Marcela Freitas