Educação para toda a vida: Escola Municipal de Niterói homenageia importantes figuras da cultura brasileira em projeto multidisciplinar
Desde 2014, a Escola Municipal Professora Elvira Lúcia, localizada em Icaraí, Niterói, tem um projeto que leva conhecimento de uma forma diferente para os alunos
Se é certo o ditado que diz “só se colhe o que se planta”, a Escola Municipal Professora Elvira Lúcia, de Niterói, tem colhido desde 2014, os frutos de um projeto educacional que vai muito além dos livros didáticos. Há quase 10 anos, a unidade de ensino tem sido a prova viva de que a arte e o conhecimento são essenciais para uma formação social de qualidade, fazendo um trabalho de valorização da cultura nacional e da identidade brasileira.
O projeto, que homenageia uma figura importante para a cultura brasileira a cada ano, nasceu de uma vontade da direção de homenagear a mulher que dá nome à escola: a professora, alfabetizadora e diretora da rede municipal de Niterói, Elvira Lúcia. Por esse motivo, em 2012, com a unidade de ensino recém inaugurada, o que era uma vontade, se tornou realidade, e o projeto começou a dar os seus primeiros passos, ao contar a história e o trabalho de Elvira. Por meio de trabalhos de arte, música e uma parceria entre as famílias e a escola, os alunos, de 6 a 9 anos, deram vida à história da professora.
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Na época, o projeto ainda era embrionário, e assim continuou em 2013, quando o homenageado foi o músico e artesão Mestre Vitalino, até se tornar um projeto anual em 2014, com uma homenagem ao artista plástico, Candido Portinari. Neste ano, pela primeira vez, foi feito um trabalho grandioso, que desde então, tornou-se uma tradição da escola.
Para quem não conhece a Escola Municipal Professora Elvira Lúcia, esse pode parecer apenas mais um projeto educacional. Mas para os alunos, professores, funcionários e familiares envolvidos nas atividades, é muito mais que isso.
Assim como nasceu de uma vontade, o projeto segue sendo movido por ela. Segundo a diretora da instituição, a educadora Silvana Capobiango Cerqueira, formada em Letras há 29 anos, todo o trabalho feito durante o ano é muito planejado e estudado pelos professores e funcionários, que votam, todos os anos, para escolher o homenageado da vez. Logo no início do ano letivo, os professores levam suas sugestões e criam apresentações para “defender” a personalidade que desejam trabalhar ao longo do ano, e após uma votação, o homenageado é decidido.
“Os professores se empenham muito e é uma apresentação linda. Todos vêm preparados, sabe? Não é só chegar e falar sobre o personagem, é uma aula pra todo mundo que tá assistindo, então fica difícil escolher. É um trabalho riquíssimo, pensado em conjunto.”, disse a diretora.
“Logo no início do projeto, assim que o tema é decidido, a gente faz uma imersão com os professores e os profissionais da escola, e nesse primeiro momento, as crianças ainda não não participam. A gente começa mais ou menos no mês de março, quando a gente faz a formação dos professores dentro do tema, para que depois eles consigam replicar com os alunos tudo que aprenderam sobre o homenageado, o contexto em que ele vive ou viveu, as obras dele, etc. Durante o ano todo continuam as formações tanto das crianças, quanto dos professores, que de abril à novembro, fazem o projeto acontecer em sala de aula.”, continuou.
Dentre os homenageados, estão Dona Ivone Lara (2022), Tarsila do Amaral (2019), Milton Nascimento (2020), Chico Buarque (2016), Chiquinha Gonzaga (2018), entre muitos outros, todos escolhidos depois de um longo processo de pesquisa, que requer estudo das obras, visitas à exposições, e até mesmo viagens, como foi o caso de Tarsila.
“Em 2019, os professores foram a São Paulo, no Masp [Museu de Arte de São Paulo], pois estava tendo uma exposição dela naquele ano. Fomos todos por nossa conta. Nós não tínhamos ajuda de custo nenhuma pra isso. Em outro ano, fizemos um circuito da Pequena África, no Rio. A gente faz aos sábados mesmo, no dia que dá, pois temos um compromisso muito grande com a formação. É uma questão de conhecimento. A gente precisa se formar diariamente, e no caso da nossa profissão, é um trabalho diário, é algo que tem que estar dentro da prática do professor. Por isso é muito importante para a gente, os professores adquirirem conhecimento. Não só para transmitirem para os alunos, mas para serem profissionais melhores”, contou a educadora.
E é com esse conhecimento e a vontade de alçar voos cada vez mais altos, que o homenageado deste ano foi escolhido: o escritor, professor, ator e ativista indígena brasileiro originário do Povo Munduruku, Daniel Munduruku. Pela primeira vez, o projeto fará uma imersão na cultura indígena, trazendo músicas, arte e até mesmo o idioma, para um ambiente novo, que alunos e professores têm descoberto juntos.
“O Daniel foi escolhido, principalmente, pelo momento que a gente está vivendo no Brasil. Ter a oportunidade de trazer os povos originários para um protagonismo que não vemos, pelo apagamento da história indígena no Brasil ou a distorção da história indígena no Brasil, é muito importante. A gente sempre trabalhou a questão indígena aqui na escola, sem a caricatura, sem a questão do “dia do índio”. A gente nunca teve essa proposta aqui. Mas para um projeto dessa importância, trabalhado durante o ano inteiro, é a primeira vez.”
Por saber da importância do conhecimento e da formação de professores, para guiar os alunos em cada aprendizado, a Escola Municipal Professora Elvira Lúcia hoje colhe os frutos do trabalho que exerce desde o dia de sua inauguração: uma educação para além das salas de aula.
A escola, que hoje conta com 108 alunos, divididos entre o primeiro, segundo e terceiro ano do ensino fundamental, oferece duas aulas de teatro por semana, aulas de artes plásticas, inglês, além de trabalhar a criatividade dos pequenos durante os projetos anuais, que são encerrados com uma grande peça no fim de novembro.
Para Silvana, o mais bonito de todo o trabalho é ver o engajamento dos alunos, e a forma como muitos deles levam o que aprendem na escola, para toda a vida.
“A gente vê que não é uma questão só de conteúdo. Já presenciamos situações emocionantes, de levar as crianças, em uma exposição, por exemplo, e eles reconhecerem um quadro de Portinari. Reconhecer uma tela do Portinari dentro de uma exposição, para uma criança de 7, 8 anos é muito diferente. E eles falam com uma propriedade daquilo que aprendem, que não é uma questão de aprender aqui dentro da escola. É uma formação para muito além daqui. E muitas vezes, chega até nas famílias.”, relatou a diretora.
No ano em que a escola homenageou Chico Buarque, por exemplo, Silvana disse que haviam pais que disseram nunca ter ouvido o cantor, e passaram a conhecer após os filhos começarem a aprender as músicas na escola. Ou pessoas que nunca tinham ouvido falar no nome de Chiquinha Gonzaga, e chegaram a se emocionar durante a peça de fim de ano.
O projeto de 2022, com a homenagem à cantora e compositora carioca, Dona Ivone Lara, foi mais um desses momentos de união com as famílias, e ainda hoje, a diretora relembra com carinho, os momentos vividos durante a apresentação.
“Foi muito bonito, no ano passado, a questão do samba. Foi muito importante porque pareceu um resgate à comunidade em que eles estão inseridos. Em que tem uma escola de samba, muitos trabalham com o samba, mas as crianças não se iniciam tão cedo nesse universo… E a gente percebeu isso com a Dona Ivone. Foi um projeto muito marcante para os alunos, para as famílias e para nós também.”, afirmou.
Apesar das dificuldades serem parte do percurso, todo o trabalho duro desenvolvido pela equipe de funcionários da escola durante o ano é recompensado ao ver o desenvolvimento de cada aluno, cada um com as suas particularidades. A gratidão, não só das famílias, que recomendam, agradecem e oferecem ajuda no que for preciso, mas das crianças, que, de acordo com Silvana, sempre voltam para visitar, é o que faz da escola um ambiente tão especial.
É mais que amor pela profissão, mas um compromisso com a educação e com o futuro de cada criança.
“A gente vai levando as dificuldades, vai costurando cada detalhe e fazendo acontecer diariamente, e no final, o resultado é lindo. Fazer o nosso trabalho é maravilhoso. E, que bom, porque a gente tem colhido muita coisa boa.”, finalizou a diretora.
Sob supervisão da Marcela Freitas