FFP/Uerj completa 50 anos como berço da educação em São Gonçalo
Faculdade de Formação de Professores forma novos mestres para o município há cinco décadas
Localizada no bairro do Patronato, região central de São Gonçalo, a Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/Uerj) completou 50 anos este ano. A instituição, que é cercada por um gramado verde e identificada pelo famoso letreiro indicando o seu nome, fica às margens da Rua Francisco Portela e é o maior campus em número de alunos da UERJ fora da unidade do Maracanã e única universidade pública do município. Portanto, seus números e resultados refletem não só a importância da instituição para a educação pública, mas para todo o povo gonçalense.
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Criada pela FAPERJ em 1973, a FFP foi incorporada pela Uerj em 1987. A instituição ocupa uma área de 40.850 m² e possui 42 salas de aula e 9 laboratórios. Atualmente, conta com seis cursos de licenciatura (Pedagogia, História, Geografia, Matemática, Letras e Biologia), além de nove cursos de pós-graduação (especialização), seis de mestrado e um de doutorado. Segundo dados do DataUerj 2023, são, no total, 2.255 alunos, 1.926 só de graduação; 164 docentes; e 38 servidores.
O instituto, mais do que funcionar para o eixo do ensino, contribui também com o país e a região por meio da pesquisa e dos trabalhos de extensão, que impactam diretamente a comunidade gonçalense. Tamanha a relevância educacional e social que o campus possui que a Faculdade se tornou Centro-Membro do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), uma instituição criada pela UNESCO, que conta com a participação de diversos professores doutores de universidades do mundo inteiro que investigam e compartilham temas de desenvolvimento da pesquisa e promoção do ensino das Ciências Sociais.
Segundo o professor do Departamento de Ciências Sociais da FFP/Uerj Rui Aniceto, o processo de incorporação à Uerj teve início ainda antes da fusão do antigo estado do Rio com o estado da Guanabara: "O Centro de Treinamento de Professores tinha dentro da estrutura do projeto a criação de uma faculdade de formação de professores. O Centro de Treinamento é de 1971 e a faculdade só foi iniciada em 1973. Então essa era a ideia, formar uma unidade que pudesse eminentemente trabalhar com a região", explicou o professor, sobre o escopo do projeto.
“Isso acontece ainda antes da fusão do antigo estado do Rio com o estado da Guanabara para formar o novo estado do Rio. Então, esse é um projeto ainda do antigo Estado do Rio quando você tem a fusão dos dois estados. Tem uma primeira tentativa de incorporação desse campus à Uerj. Ele passa por algumas mudanças administrativas, vários órgãos assumem até que no final dos anos 80 a UERJ assume. E aí os primeiros concursos para professor são de 1992, 1993 e 1997”, conta Rui.
Nos primeiros anos após a incorporação, o cenário de consolidação traçava mudanças no espaço físico e no quadro de currículo da instituição. Inicialmente, os professores admitidos possuíam o título de mestrado. Atualmente, a titulação mínima exige o pós-doutorado. Outro grupo que também demonstrou mudanças no perfil, foram os alunos.
“Naquele momento ainda tinha um número muito grande de gente mais velha que vinha fazendo essa ponte. Na minha turma, quase 50% eram pessoas que já estavam muitas vezes estabelecidas e vinham fazer a graduação querendo crescer na carreira, especialmente militares, né? O pessoal que era dos bombeiros, da polícia, vinham fazer história, nem tanto pra formar professor, mas para ascender cargos que eles tinham. Isso aos poucos também foi mudando. Chegou em certo momento que hoje, por exemplo, a gente tem 90% das turmas com aqueles que ingressam diretamente do ensino médio para faculdade”, relembrou Rui.
O professor que também atua como pesquisador, iniciou sua trajetória como discente do curso superior na FFP, driblando a vontade dos seus pais: “No momento do vestibular, a opção não era pra que eu fizesse o magistério, né? Que eu fizesse uma licenciatura. Então a minha família queria que eu fizesse uma das carreiras clássicas, dos bacharéis do século dezenove. Ou direito ou outra coisa. Então é isso, me pagaram para o vestibular da UFF para fazer direito e eu juntava o dinheiro da merenda e paguei o vestibular da Uerj para fazer história porque eu gostava de história. E que bom né?”, brincou.
Através da FFP/Uerj, o historiador conseguiu dar início e concluir a graduação próximo dos pais: “Eu escolhi a FFP por essas junções, né? Eu queria fazer história, eu queria fazer história perto de casa pra facilitar, a minha família era de classe média baixa, então dinheiro nunca ficou sobrando, né? Então essas eram minhas alternativas. Eu não conhecia de fato o que fazia aqui. Então eu entrei e vim pra estudar história e conforme o departamento foi mudando eu tomei essas novas perspectivas, porque eu entrei pra fazer história, para dar aula de história, mas eu descobri que a gente além de dar aula, também pesquisa”, contou, com uma dose de orgulho e saudosismo pela trajetória construída.
Mudanças significativas
Já a partir dos anos 2000, o quadro de ensino na instituição foi começando a enriquecer a partir da qualificação do quadro profissional, do desenvolvimento da pesquisa das pós-graduações e dos programas de extensão que começaram a se estruturar. No entanto, a melhoria no quadro de ensino demandou espaço, já que o campus contava com apenas um bloco. Contudo, na contramão da melhoria, a instituição sofria com a falta de investimento direto.
Para contornar o cenário, os professores da unidade se articularam para segmentar projetos de pesquisa que estivessem vinculados a financiamento e à infraestrutura do campus. Apesar do progresso com a construção dos demais blocos, a instituição ainda carece de um restaurante universitário que possa ajudar a garantir a permanência dos estudantes na instituição.
Apesar da carência de uma cantina, Jorge Lopes Pimenta, de 81 anos, atua no campus diariamente e faz o que pode, acompanhado de sua barraca de pipoca, doces e sucos. "Eu passei a trabalhar com pipoca na rua. Aí eu via que aqui em cima não tinha nada, tudo deserto e eu passei a fazer contato para ver se dava alguma coisa e por aí eu fui continuando, continuando, aí foi melhorando a situação", contou o pipoqueiro, que integra a rotina da instituição há 34 anos.
Além de dar um suporte aos alunos que saem às dez horas da noite da faculdade, ele relata as mudanças que percebeu ao longo das três décadas de trabalho: "Não era isso tudo aqui não, certo? Era só esse pavimento aqui, aqui não tinha telhado, era grama. Ali da árvore para lá eles aumentaram e depois fizeram lá em cima. Durante esse período foi tocando e eu continuo assim, aliás continuo até hoje. Eu fico de sete horas da manhã até dez horas da noite, aqui as aulas começam a encerrar às nove horas, quando é dez horas não tem mais ninguém aí. Já está tudo deserto".
Segundo ele, muitos estudantes que concluíram o processo de graduação na faculdade, hoje voltam diferentes ao campus. "Muitos alunos cresceram e hoje chegam aqui já com netos".
Especificidades Uerj: o que mudou com o tempo
De acordo com a ex-aluna e atual docente, Milena Aguiar, a FFP sempre foi um ambiente muito acolhedor, onde os alunos se conhecem, mesmo sendo de cursos distintos. E, apesar de a instituição ter crescido estruturalmente desde que se formou como graduanda, a faculdade ainda é pequena se comparada a outras faculdades, e não passa a seus alunos uma sensação de estarem “perdidos” ali dentro.
“O que eu vejo de diferença maior nesse tempo é em relação ao corpo docente, à pesquisa e à Extensão na faculdade. Em minha época de aluna, a maioria era professor contratado, ocasionando uma rotatividade muito grande dos docentes. Não tínhamos muitas bolsas de pesquisa; por isso, não havia tanta pesquisa em andamento como temos hoje, com muitos alunos pesquisando junto a seus orientadores. A extensão à comunidade também não acontecia como acontece hoje. Hoje, nossos alunos da FFP estão muito mais preparados para entrar em uma pós, pois têm acesso à pesquisa dos docentes e podem iniciar este trabalho já no segundo período de faculdade”, diz a doutora em Linguística e Língua Portuguesa.
“A Uerj salva vidas”
Entre muitas idas e vindas, a professora gonçalense do Departamento de Pedagogia, Elaine de Oliveira, começou a sua história com a FFP em 1998, quando iniciou na unidade de ensino sua licenciatura em História, se formando em 2001. De 2002 a 2004, Elaine cursou o mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No ano seguinte, em 2005, voltou para a Uerj de São Gonçalo como professora. Desde então ela cursou o doutorado, deu aula em outra universidade, a Unirio, e retornou de vez para a FFP há 8 anos, em 2015, e não saiu mais.
Para a doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), há uma ligação muito forte entre ela e a Faculdade de Formação de Professores, e, segundo ela, sem o campus da Uerj em São Gonçalo, provavelmente, não teria continuado os estudos para além do ensino médio.
"Se eu não tivesse feito o curso de História na Faculdade de Formação de Professores em São Gonçalo, eu não teria continuado estudando. Porque eu não tinha dinheiro para pagar e a minha família também não tinha dinheiro. Eu não tinha capital cultural e econômico para estudar em outro município ou para pagar uma faculdade privada. Então, tudo o que eu vivo e construí de carreira eu devo à Uerj", revela Elaine.
De acordo com Elaine, a estatística de que cerca de metade dos jovens que entram na universidade no Brasil param de estudar porque precisam conciliar trabalho e educação só reforça a relevância da presença da Uerj, uma instituição de ensino gratuita e de qualidade, em São Gonçalo. “Tinha de ter um campo de universidade pública em cada município pobre deste país”, afirma.
“A Uerj salva vidas (emociona). Eu pesquiso juventude e esse tema é muito caro pra mim. A gente está no município do Estado do Rio que mais mata jovem, e temos um campus de uma universidade pública aqui. Mas ainda precisamos de mais: os jovens gonçalenses deveriam ter também acesso a cursos de Direito, Engenharia, Medicina, todos os demais cursos. Porém se não fosse a Uerj aqui eu não teria estudado, por exemplo”, revela Elaine.
“Equívoco que deu muito certo”
Professor do departamento de Letras da FFP/Uerj, Maximiliano Gomes, de 51 anos, como muitos de seus colegas de trabalho, também foi aluno na instituição. Mas, além de ser docente, o doutor em Ciência da Literatura foi eleito o novo diretor da Faculdade de Formação de Professores, onde passará a exercer um cargo de liderança e gestão nos próximos quatro anos.
O docente revelou que foi parar na FFP como aluno de uma forma um tanto quanto inusitada: ele selecionou de forma errada o curso que gostaria de se graduar e acabou parando no campus de São Gonçalo. Foi aí que o carioca passou a conhecer mais “desse lado da ponte”, onde agora se tornou sua casa, já que mora em Niterói.
“Eu sempre fui do Rio e descobri a FFP por um equívoco que deu muito certo. Coloquei o código errado e, de repente, eu me vi vindo para cá, para um lugar que eu nunca tinha vindo. Em um primeiro momento, eu queria tentar resolver, mas depois fiquei. E isso aqui em 1991 era nada basicamente, só existia esse prédio e um grande matagal lá atrás. Éramos ao todo, juntando professores, alunos e técnicos, cerca de 180 pessoas. Foi nessa época que abriu o vestibular para FFP e quando começamos a nos formar enquanto universidade mesmo”, revela.
Desde que foi aluno até chegar ao cargo de direção, Maximiliano viu muitas mudanças na Uerj de São Gonçalo. De quase 200 pessoas que frequentavam a universidade, hoje esse número pulou para quase 3 mil. O campus também conquistou uma maior independência, já que, atualmente, oferta não só graduação, mas também pós-graduação.
“Tudo ficou muito diferente. A universidade agora é outra universidade. Ela se abre mais para o público, se democratiza nesse sentido. Porque na década de 90, a gente tinha uma ideia de universidade democrática, mas a ‘universidade democrática’ era para uma classe social que era muito mais privilegiada em nível de formação. Hoje não. A gente tem essa possibilidade da entrada de um outro grupo que está enxergando a universidade de outra forma”, comenta.
E apesar das inúmeras transformações que a Faculdade de Formação de Professores e a educação brasileira passaram com o tempo, o docente acredita que ainda há muita coisa para ser revista e aprimorada.
“A FFP significa a minha realização profissional”
Gonçalense de nascença, Milena Aguiar é professora do Departamento de Letras da FFP. Ela dá aula há 18 anos e se formou na própria instituição, na licenciatura de Português/Inglês. Na Uerj, ela leciona desde 2015, quando foi aprovada num concurso, e desde então, vem passando por momentos de mudanças e melhorias na universidade em que trabalha, que um dia já foi para ela seu local apenas de estudo.
“Quando entrei na FFP, estávamos em um momento de paralisação das aulas. Passei, junto aos meus colegas, por momentos de muita tensão e insegurança nos anos de 2016 e 2017, quando houve greve; ficamos sem salário e os alunos sem bolsas. A faculdade crescia em sua estrutura a passos lentos; lutávamos por nossos direitos, por melhores condições de trabalho e plano de carreira. Participei de alguns manifestos nas ruas, mesmo grávida. Agora estamos vivendo um momento melhor”, conta.
Para Milena, a FFP, além de ser importante por si só, é uma oportunidade valiosa para os jovens e adultos de São Gonçalo redirecionarem suas vidas, buscarem um futuro melhor e terem uma profissão, estudando em uma faculdade de qualidade com um ambiente acolhedor. “Eu sempre acreditei que o caminho para um país menos violento, com melhores oportunidades e menos desigualdade é a Educação”, expõe.
“Eu ainda fico impressionada ao saber que muitos moradores da cidade de São Gonçalo não a conhecem. Converso com muitas pessoas que não sabem que há uma universidade pública, gratuita e de muita qualidade em nossa cidade. Há quase 20 anos eu já sabia e idealizava estudar na FFP! Converso com pessoas carentes, que precisam trabalhar duro para custear seus estudos em uma universidade particular, porque não sabem que tão pertinho delas tem a FFP. Então eu faço a minha parte: aconselho e oriento essas pessoas”, diz.