Família luta por uso de nome social na certidão de óbito da cantora trans morta em SG
Familiares de Amanda Soares comentam dor um mês após assassinato de jovem no Jardim Nova República
“Ainda não caiu a ficha”, é como a irmã da cantora e passista Amanda de Souza Soares define a sensação da família um mês após a morte da jovem transsexual, de 23 anos, que foi assassinada a facada no início de fevereiro, no Jardim Nova República, em São Gonçalo. Com a prisão do principal suspeito no último dia 7 de fevereiro, a família agora aguarda o desenrolar do julgamento e, enquanto isso, foca seus esforços na retificação da certidão de óbito da vítima, que foi sepultada sob seu nome masculino.
Rhayanny de Souza, de 30 anos, irmã de Amanda, explica que a irmã já tinha conseguido colocar o nome social no registro de identidade. No entanto, para fazer a mudança também na certidão de nascimento, ela precisaria pagar uma taxa mais alta. Como ainda não havia conseguido fazer a troca do nome no documento, seu atestado de óbito acabou saindo com seu nome civil de nascença.
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“Para que a gente conseguisse sepultar naquele dia, para que não se esticasse mais a dor da família, a gente teve que voltar no IML, para pegar um novo atestado de óbito com o nome masculino dela para que conseguíssemos enterrar ela ao menos naquele dia. E agora a gente está reivindicando, indo atrás”, explica Rhayanny. Para a família, a mudança é crucial para honrar a memória da jovem, que foi brutalmente assassinada em um terreno próximo ao condomínio onde vivia com a família.
“Morreu Amanda e eu enterrei Yago. A gente está lutando para poder o nome dela entrar na certidão de óbito”, conta Silvia de Souza, mãe da jovem, de 52 anos. Os familiares contam com o apoio do Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG), do Centro de Cidadania LGBTI da Metropolitana I (Niterói) e do movimento Rio Sem LGBTIfobia. Eles, agora, aguardam o desenrolar do processo de retificação na Defensoria Pública da região.
Outra luta por justiça que a família espera ver concluída em breve envolve a sentença de Marlon Nascimento da Silva, acusado autor do crime que está preso, esperando pela audiência judicial. Morador do mesmo bairro que a vítima, Marlon, de 26 anos, confessou o crime e disse que já mantinha relações em sigilo com a vítima há algum tempo. As investigações apontam que o crime foi premeditado.
Minutos antes do assassinato, ele trocou mensagens com a vítima e marcou um encontro com ela durante a madrugada, próximo ao condomínio onde ela residia. O corpo foi abandonado em um terreno baldio. A família só ficou sabendo no dia seguinte. “Eu estava no trabalho quando me ligaram para dar a notícia da morte dela. Ainda sem acreditar, eu liguei para dar a notícia para os meus pais no baque. A gente não tinha noção de quem tinha feito isso, do porquê”, relembra Rhayanny.
A motivação para o crime, inclusive, permanece um tanto turva para a família, mesmo um mês após a morte. Marlon, que é usuário de drogas, chegou a dizer para a Polícia que tinha “receio” de que seu caso com Amanda fosse descoberto, mas não citou isso como um motivo principal. Eles não haviam brigado, segundo relatos. A relação entre os dois não era conhecida pelos amigos e familiares da cantora.
“Para mim, foi uma vitória ele ter sido pego logo e eu espero que ele pague pelo que fez. Eu quero justiça pela minha filha. Tem tantos outros que morrem e não estão tendo justiça. Ele calou a voz dela, mas a minha ele não vai calar. Eu luto por justiça”, enfatizou a mãe de Amanda. A irmã da vítima complementa: “Ele não tirou só a vida dela, ele tirou um pedacinho da vida de todo mundo”.
A família vivia em diferentes imóveis no mesmo terreno e a rotina no espaço tem sido dolorosa sem a presença da jovem, conforme conta a família. Rhayanny relata que não são poucos os momentos em que ainda se pega esperando a irmã chegar em casa ou telefonar para os pais.
“A Amanda sempre foi uma pessoa muito alegre. Sempre sonhava em ser reconhecida no mundo artístico. Não tinha uma pessoa que conhecesse ela e não gostava, sempre fazia todo mundo rir. Era aquela pessoa muito ‘coração’; não tinha como ficar triste perto dela”, define Rhayanny. Para ela, a irmã estava vivendo o seu “melhor momento”, com apresentações musicais marcadas para os próximos meses e pronta para desfilar como passista com a escola de samba Acadêmicos do Cubango, de Niterói.
Com a carreira e a vida da cantora interrompidas bruscamente, a família espera que a luta para colocar o nome social no atestado seja uma forma de honrar o legado e as crenças da jovem. “Ela sempre lutou muito em vida para ser reconhecida como Amanda, sempre militou muito sobre essas questões da transfobia. Então, para a gente, vai ser uma honra ter um documento dela com o nome Amanda”, conclui a irmã.