Dia da Mulher: artistas da região relatam conquistas e dilemas
A data 8 de Março (#8M) foi criada - e reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1975 - para simbolizar a luta das mulheres para terem suas condições equiparadas às dos homens
"Antes de flores, respeito. Antes de chocolate, igualdade". A frase compõe um poema, cuja autora escreve sob o pseudônimo Catarina Fraya. Outras mulheres que participaram desta reportagem também pediram o anonimato ao relatarem suas experiências e, ao ler até o final, você entenderá o porquê. É que neste Dia Internacional da Mulher, apesar de progressos significativos ao longo dos anos, é sempre importante relembrar a parte negativa de ser uma mulher no Brasil, como mostra uma outra reportagem de O SÃO GONÇALO: a cada 15 horas uma mulher foi morta no país em 2023.
A data 8 de Março (#8M) foi criada - e reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1975 - para simbolizar a luta das mulheres para terem suas condições equiparadas às dos homens. Entre as conquistas neste sentido está a questão da igualdade salarial.
O levantamento 'Mulheres no Mercado de Trabalho', realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) a partir de micro dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que nos últimos 10 anos, houve uma redução na diferença entre salários pagos às mulheres e aos homens.
O índice que mede a paridade salarial passou de 72 em 2013 para 78,7, em 2023. A paridade de gênero é medida em uma escala de 0 a 100, sendo que quanto mais próximo de 100, maior a equidade entre mulheres e homens. O estudo também revelou que a participação feminina em cargos de liderança passou de 35,7% em 2013 para 39,1% em 2023. A pesquisa sai meses após o decreto de igualdade salarial, publicado no ano passado, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Mulheres na tatuagem
Essa equidade vem sendo alcançada de forma progressiva em alguns setores do mercado de trabalho. Um deles é o mercado da tatuagem. Aos 33 anos, a moradora de Itaboraí Aline Couto, afirma que houve uma melhora no cenário ao longo dos anos. "Trabalho na 4 Art Tattoo há quatro anos e no ano passado decidi pôr em prática aquilo que escutava da recepção. Eu trabalho na parte administrativa da escola para tatuadores e convivendo com tudo aquilo, descobri a minha verdadeira vocação e paixão. Comecei a treinar depois das aulas, ganhei oportunidade e hoje me sinto muito satisfeita, tenho todo o apoio da equipe", comenta a profissional.
Aline reconhece que ainda há o que avançar no sentido de igualdade no universo da tatuagem, mas quer usar a própria experiência para empoderar e abrir portas para mais mulheres. "Quero conquistar o meu lugar e servir de inspiração para outras. Em qualquer profissão, a busca pelo reconhecimento é sempre contínua", completa.
Para ela, o Dia da Mulher é importante para dar mais visibilidade à essa busca. "Grande parte das pessoas precisa desse alerta, de uma data para enxergar a importância de nós, mulheres, na sociedade". Na 4 Art Tattoo, um terço de toda equipe é formada por profissionais mulheres, um processo que acabou sendo natural ao longo do tempo. Mas nem tudo são flores e o preconceito ainda acontece, porém com menos frequência.
"Nunca comentaram de forma preconceituosa diretamente comigo, por eu ser mulher, mas percebo que às vezes, há clientes que preferem fazer o trabalho com um dos meninos a fazer comigo", comenta outra tatuadora da equipe, Patrícia Modesto. Atualmente, a 4 Art Tattoo tem escola para tatuadores em Niterói e Copacabana, além do estúdio no shopping Itaboraí Plaza, em Itaboraí, na região metropolitana (@4arttattoo e @4arttattooescola).
Mulheres na Literatura
A estudante de Direito e escritora de São Gonçalo, Klara Peixoto*, acredita que há um longo trajeto a ser percorrido em busca da equidade ideal. "É complicado ser de qualquer ramo que começou como exclusivamente masculino, como é o caso do direito. Eu ainda estou na faculdade, mas comecei a trabalhar em escritório como assistente e é surreal a disparidade no tratamento dos clientes, especialmente por parte dos homens. Eles falam alto com a gente, são ignorantes, mas com outros homens ficam 'umas sedas'. É um tanto triste porque eu fui forçada a adotar uma postura mais rígida ao tratar com homens", conta a escritora, que faz parte do coletivo de escritoras de São Gonçalo, Escritoras Vivas (@escritorasvivas).
Apesar dos números positivos sobre a igualdade no mercado de trabalho, algumas situações consideradas cotidianas ainda estão entre as disparidades que precisam ser vencidas na relação entre homens e mulheres, como comenta a professora e escritora Yonara Costa.
"Sempre que vou estacionar, percebo que os homens que administram o espaço correm para 'ajudar' a manobrar. Dispenso a ajuda. Outro dia não conseguia sair do carro, pois o motorista ao lado não respeitou o espaço da vaga. Será que quando ele foi estacionar, ninguém orientou? Só orientam as mulheres? Acham que sempre precisamos ser salvas".
No mercado literário, situações sutis também são percebidas durante entrevistas e lançamento de livros, como relata a escritora Catarina Fraya*. "Quando lançamos um livro, sempre nos perguntam se é autobiográfico, se passamos por aquilo, se vivenciamos o que escrevemos. Quase nunca existe este questionamento quando o livro é publicado por um homem, mesmo que seja do mesmo gênero literário. Partem do pressuposto de que um escritor pode escrever sobre tudo, inclusive sobre personagens femininas, mas quando são mulheres, escrevem somente sobre suas próprias experiências. É uma situação bem delicada e maçante para nós, autoras", acrescenta.
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Mulheres no ambiente acadêmico
No Brasil, as mulheres só conquistaram o direito de estudar além do ensino fundamental em 1827, a partir da Lei Geral, promulgada em 15 de outubro. Quase 200 anos depois, a necessidade de validação dentro das universidades continua acontecendo, mas de forma considerada ainda por muitos como sutil.
Fátima Jeysen*, hoje professora e escritora, relata que durante a graduação passou por situações que considerava, no mínimo, constrangedoras, até entender que havia sido vítima de assédio.
"Todas nós já passamos por situações complicadas. Na época da graduação, um professor marcou uma reunião com 'as pessoas que queriam bolsas', e quando cheguei para a reunião , éramos só eu e ele. Sentou perto de mim, colocou a mão na minha perna e disse que iria adorar me ter como monitora. Fiquei tão chocada que não reagi", revelou.
Sara S.*, professora da educação infantil, também vivenciou experiência semelhante. "Na graduação, havia um professor que era 'afetuoso' somente com alunas. Um dia, do nada, me deu um beijo no ombro, como se houvesse uma mínima intimidade. Eu levei um susto, minha reação foi quase dar um soco. Me pegou de surpresa por trás, quando estava sentada escrevendo", contou.
"Outra vez quando estava trabalhando num colégio do Rio, um professor de física apresentou um problema que ele teve para demonstrar um experimento, eu fui lá na maior calma, peguei uma folha de papel e fiz um cone pra funcionar como filtro, assim facilitaria o processo que ele estava fazendo. Ele virou pra mim, completamente surpreso, e disse: 'Até que você é inteligente'. Eu sabia que ele se referia não somente a mim, mas a todas as mulheres", acrescenta ela, que também é poeta.
Quando a mulher torna-se mãe, a situação pode ficar ainda mais delicada. "A mãe não tem vez na universidade. Quando fiz o mestrado na UFRJ, não havia licença maternidade. Cada aluna precisava negociar com todos os professores para tentar dilatar os prazos", conta a professora Yonara Costa e escritora, moradora de São Gonçalo.
"Lembrando que a gente não quer ser superior a nenhum homem. O feminismo, inclusive, é muito mal interpretado em relação a isso. O feminismo não quer as mulheres no topo, quer apenas uma posição de igualdade. Que os homens respeitem e enxerguem as mulheres como já fazem habitualmente com os outros homens", pondera Catarina Fraya*.
Mulheres no ambiente de trabalho
Técnica em Contabilidade e escritora, Denise Pereira* revela que não foram poucos os momentos de constrangimento no ambiente de trabalho. Quando mais jovem, um deles a marcou de modo definitivo. "O dono do escritório, um senhor de idade, disse que eu teria que ficar o dia inteiro com ele para me passar o serviço. Foi uma experiência horrorosa, aproveitou todas as oportunidades para ficar me assediando, alisava as minhas costas, minhas coxas. Eu não sabia como reagir, fiquei apavorada. O escritório trancado, eu achando que ele poderia me violentar a qualquer momento. Quando chegou a hora de ir embora, saí e nunca mais voltei", relembra.
Outra vítima foi Elisa Moreira*, também moradora de São Gonçalo, psicopedagoga e escritora. "Eu já sofri assédio do marido da dona da escola em que trabalhei. Na época, ele era motorista do transporte escolar. Eu ia com ele, porque na época, Léo, meu filho, ia comigo. Um sufoco só. Depois se ofereceu para fazer um serviço no telhado da minha casa sem cobrar o valor da mão de obra. Eu estava separada na época. Quando chegou a época de fazer o serviço, eu havia voltado para o meu ex marido. Ele chegou, fez o serviço, mas mudou de ideia quanto ao pagamento e cobrou um preço acessível", relembra.
*Pseudônimo de mulheres que concederam a entrevista com pedido de anonimato.