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Jovem aprendiz acusa ex-gerente de injúria racial em Niterói

Em entrevista a OSG, a advogada Bianca Daher Berriel listou ações que vítimas de discriminação no trabalho podem tomar

relogio min de leitura | Escrito por Lara Neves e Lívia Mendonça | 22 de março de 2024 - 13:20
Julia Correa trabalhava como Jovem Aprendiz na unidade
Julia Correa trabalhava como Jovem Aprendiz na unidade -

Uma jovem aprendiz de 16 anos acusa o gerente de um supermercado em Icaraí, Niterói, onde ela trabalhava, de injúria racial. O episódio aconteceu em janeiro deste ano, durante seu expediente, e, atualmente, ela não trabalha mais no estabelecimento.

Segundo Julia Correa, ela chegou para trabalhar no dia 22 de janeiro e foi chamada para conversar com o gerente. No diálogo, ela teria sido repreendida por conta de um atraso naquele dia e também por conta de seus piercings e brincos, que ela precisaria tirar, e que, de acordo com a funcionária, só não teria tirado ainda pois teria sido ordenada a fazer uma outra função antes de começar as suas.


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Jovem usava toca durante o expediente
Jovem usava toca durante o expediente |  Foto: Arquivo Pessoal

Além disso, durante a advertência, ela foi avisada de que deveria mudar seu cabelo, que possui tranças. A jovem diz que havia sido informada sobre a necessidade do uso de touca, que ela cumpria, mas que desta vez a reclamação seria diretamente sobre o seu cabelo, o que a deixou incomodada.

"Esse cabelo não pode ser nessa situação. Muito cabelo. [...] Olha o estado do seu cabelo, não tem como. Está volumoso, não tem como, vai dar problema. Tem que ver se consegue diminuir ou amarrar direitinho, não sei como você vai fazer, mas não está legal", disse o gerente.

A funcionária afirma que havia sido autorizada a utilizar uma touca de cetim e outras duas toucas descartáveis por outro chefe, e que ele afirmou que, desde que seu cabelo estivesse dentro da touca, não haveria problema. Porém ela alega que o gerente a repreendeu por conta do seu tipo de cabelo.

"Quando ele começou a falar do meu cabelo eu entrei em choque. Eu paralisei, não consegui ter reação, não falava mais nada. O cabelo é a minha autoestima e aquilo foi um baque pra mim. E, depois disso, eu perdi completamente a vontade de trabalhar lá", relata Julia.

A jovem acusa o gerente do supermercado onde trabalhava de injúria racial
A jovem acusa o gerente do supermercado onde trabalhava de injúria racial |  Foto: Arquivo Pessoal

A situação a deixou abalada e, por conta disso, cerca de seis semanas depois, a jovem resolveu pedir demissão do emprego. E, na última quarta-feira (20), junto a sua mãe, Julia fez um boletim de ocorrência.

De acordo com a advogada, Dra. Bianca Daher Berriel, as organizações podem estabelecer requisitos aceitáveis sobre a imagem dos colaboradores, contanto que não caracterizem atos discriminatórios.

"Se houver episódios de discriminação no ambiente de trabalho, a pessoa prejudicada possui o direito de adotar medidas para obter indenização pelos prejuízos enfrentados, bem como realizar denúncias internas, procurar auxílio jurídico e, se preciso, ingressar com processos legais", explicou a advogada. 

Para Roberta Massot psicoterapeuta do CGT Sandra Salomão, conhecido por ser a 1ª instituição de psicologia a ministrar um curso de capacitação antirracista no setting terapêutico, uma das coisas que mais chama atenção neste caso, é ver que o registro foi feito como: “caso atípico” e não como “injúria racial”.

"A primeira coisa que veio em minha mente foi como a branquitude se protege, além disso, penso em como o racismo velado da passibilidade para que o criminoso (racista) permaneça impune. A falta de letramento da sociedade e o próprio racismo, faz com que o gerente ache que falar para a sua funcionária que o seu cabelo não é adequado para trabalhar, assim como faz com que uma delegacia não reconheça o caso como injúria racial. São casos como este que faz com que a vítima entre em estado de depressão, baixa autoestima, crise de pânico, ou seja, afeta a saúde mental", declarou a psicoterapeuta. 

A advogada Bianca Daher Berriel explicou sobre o caso de injúria no local de trabalho através de três tópicos listados abaixo: 

- Exigências em relação à aparência física dos funcionários:

. As empresas podem estabelecer diretrizes relacionadas à aparência física dos funcionários, especialmente quando se justificam por razões de saúde, segurança no trabalho, ou para manter uma imagem institucional específica. Exemplo: Exigência de altura mínima para funções de segurança ou emergência que necessitam de capacidade para alcançar equipamentos ou realizar resgates físicos.

- Contudo, tais diretrizes devem sempre respeitar a dignidade, a identidade pessoal e cultural do trabalhador, além de serem razoáveis e proporcionais ao objetivo que pretendem alcançar. É importante que essas políticas sejam claras, objetivas e aplicadas de maneira uniforme a todos os funcionários.

- No entanto, quando as exigências em relação à aparência física são baseadas em características protegidas por lei, como raça, cor, gênero, religião, entre outras, e resultam em tratamento diferenciado, e, ainda, se não possuir uma justificativa legítima relacionada ao trabalho, pode ser considerada discriminatória. Cada caso deve ser tratado individualmente.

O que as empresas podem exigir de acordo com a legislação brasileira:

. As empresas podem fazer exigências razoáveis em relação ao desempenho do trabalho e à conduta dos funcionários, como também as que estejam ligadas à Saúde e Segurança, como por exemplo uso do uniforme, higiene e aparência, as quais devem ser razoáveis e proporcionais, e que não violem direitos fundamentais ou caracterizem discriminação.

.  No entanto, as empresas não podem fazer exigências que violem direitos trabalhistas garantidos por lei, como jornada de trabalho excessiva sem pagamento de horas extras, condições de trabalho inseguras, ou tratamento discriminatório com base em características protegidas por lei.

. A legislação brasileira, incluindo a Constituição Federal, a CLT e leis específicas sobre direitos humanos e trabalhistas, estabelecem os limites e diretrizes para o comportamento das empresas em relação aos seus funcionários.

Ações da vítima em casos de discriminação dentro da empresa:

A vítima de discriminação no ambiente de trabalho pode tomar várias medidas, incluindo:

. Registrar formalmente a queixa junto ao setor de recursos humanos da empresa, por meio de uma Denúncia Interna.

. Documentar evidências, como e-mails, mensagens, testemunhos de colegas, entre outros, que corroboram as alegações de discriminação.

. Denunciar o caso ao Ministério Público do Trabalho, que tem autoridade para investigar violações das leis trabalhistas, incluindo casos de discriminação;

. Procurar orientação de um advogado especializado em Direito do Trabalho para entender seus direitos e opções legais.

Em casos de injúria racial, também é possível registrar um boletim de ocorrência na polícia civil, especialmente em delegacias especializadas.

Em nota, a Polícia Civil disse que o caso foi registrado na 77ª DP (Icaraí) e que diligências estão em andamento para apurar todos os fatos.

Procurado, o estabelecimento não se pronunciou sobre o caso até a publicação desta matéria. 

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