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Maternidade e carreira: os desafios das mães nas demandas modernas

Com jornadas duplas e muitas vezes, triplas, mães escritoras, entrevistadas por O SÃO GONÇALO, relatam suas experiências nos desafios e delícias da maternidade

relogio min de leitura | Escrito por Lívia Mendonça | 12 de maio de 2024 - 08:05
Stella Campelo é mãe do Miguel, de 7 anos
Stella Campelo é mãe do Miguel, de 7 anos -

“Quando nasce um bebê, nasce uma mãe”. Esse dito popular é muito comum de ser ouvido quando uma mulher engravida. Mas, e a mulher que existia antes daquela nova vida, para onde vai?

Trabalho, filhos, casa, lazer, autocuidado e apenas ser: mulher. Palavras como estas estão diretamente ligadas à rotina de muitas mulheres, que, diante de tantas versões e da realidade do mundo moderno, ousam, cada vez mais, transformar suas realidades, exercendo a maternidade com afeto e dedicação, mas também desmistificando a romantização excessiva que imperou durantes anos.

É preciso ter em mente que cada mãe vive uma experiência diferente e que não há padrões completamente definidos sobre o 'maternar'.


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Sejam elas donas de casa, empreendedoras, médicas ou escritoras, o que importa é "sair da bolha" imposta pela sociedade, se libertar dos medos e culpas e exercer, no âmbito pessoal e profissional, a sua melhor versão.

Em entrevista a O SÃO GONÇALO, quatro mulheres, mães e escritoras de São Gonçalo e Niterói relataram suas experiências no difícil processo de conciliar maternidade e trabalho.

Para a assessora de comunicação, escritora e colunista no 'Mapa das Letras, Renata Toledo, de 46 anos, conciliar os dois empregos com a chegada da maternidade, foi um processo difícil e repleto de sobrecarga. Porém, para ela que é mãe de Isabela, de 15 anos, e Miguel, de 13 anos, o cuidado e acolhimento da família foram essenciais.

"Quando as crianças nasceram, eu tinha dois empregos. Acordava 4h para tirar leite e eles não se adaptaram à mamadeira. Deixava três mamadeiras cheias, às 5h saia de casa e retornava as 17h. Buscava os dois na creche e depois ainda tinha que preparar o jantar. Foi um período puxado. Quando o meu caçula fez 2 anos chegou o diagnóstico de autismo. Larguei os dois empregos e passei a me dedicar exclusivamente aos meus filhos. Há três anos retomei a minha carreira profissional", relatou Renata, autora do livro "Dor que não tem nome".

Renata Toledo é mãe de Isabela e Miguel
Renata Toledo é mãe de Isabela e Miguel |  Foto: Divulgação

"As minhas duas gravidez foram de risco, mas tive apoio da minha mãe e do meu marido. Minha mãe ainda não era aposentada e não mora perto da minha casa, mesmo assim, antes de trabalhar passava em minha residência e me colocava no ônibus para o Centro do Rio, todos os dias. Já meu marido, fazia hora extra todos os dias para me buscar no trabalho, para que eu não voltasse sozinha", contou a escritora.

Historicamente, mulheres trabalhadoras enfrentam carga de atribuições dificilmente encarada pelos homens, principalmente dentro da maternidade.

De acordo com uma pesquisa realizada pela InfoJobs, em 2021, a sobrecarga feminina foi apontada em cerca de 86% das mulheres entrevistadas. Mulheres, e em especial, mães, precisam se desdobrar ou até triplicar a jornada de trabalho ao conciliar atividades profissionais com o serviço doméstico e no cuidado com os filhos.

"Trabalho desde 2002, porque assim que me formei já consegui uma escola de ponta no Recreio dos Bandeirantes. Após a maternidade, a jornada, que já era pesada, ficou ainda maior, porque sou mãe solo. Hoje trabalho em três escolas e cuido sozinha do Miguel. Acredito que a mãe precise de apoio sempre, nem que seja por duas horas. Ela necessita disso nem que seja para apenas dormir", afirmou a niteroiense, professora e escritora, Stella Campelo, de 46 anos, que é mãe do Miguel, de 7 anos.

Stella Campelo é mãe solo do Miguel, de 7 anos
Stella Campelo é mãe solo do Miguel, de 7 anos |  Foto: Divulgação

Mulheres escrevendo para mulheres

"Eu não sou livre enquanto alguma mulher não for, mesmo quando as correntes dela forem diferentes das minhas" Audre Lorde

Protagonistas da própria história, muitas mães escritoras aproveitam seu "lugar de fala" para expressar, através de textos, assuntos como maternidade real, culpabilização da mulher, desigualdade de gênero e outros temas que giram em torno do universo feminino e materno.

"Na verdade, as vivências da maternidade muito me inspiram a criar poemas, microcontos, contos, etc. O ônus é a falta de tempo no dia a dia para me dedicar à escrita como gostaria. Penso que mulheres devem compreender mulheres e, quando possível, ajudá-las. Vejo minha escrita como a voz de muitas mulheres, as quais engolem a acidez de uma rotina pesada que poderia ser bem mais leve se houvesse igualdade de gênero no cuidado com os filhos", disse a professora e escritora gonçalense, Cleia Nascimento, de 45 anos, que é mãe de Carlos, 18 anos e Guilherme, 9.

Autora dos livros "Impressões em Versos" (editora Autografia) e "Mamãe, brinca comigo?"(editora Litteris), a escritora também participa do coletivo "Escritoras Vivas" e trabalha desde os 19 anos.

"A maioria das mães está sozinha na dupla ou tripla jornada de trabalho, a mãe-escritora também. Em alguns momentos, precisei pedir socorro às avós, mas sempre em último caso", afirmou a escritora.

Cleia Nascimento é mãe de Carlos e Guilherme
Cleia Nascimento é mãe de Carlos e Guilherme |  Foto: Divulgação

Para Flávia Joss, professora e escritora gonçalense de 49 anos, os livros lidos durante a maternidade foram de extrema importância para ajudar no processo. Hoje, ela que faz parte do coletivo Escritoras Vivas e tem quatro livros publicados: Histórias e Memórias (crônicas); Desalinho Ensaios Poéticos (poesia); Canções para desviver (poesia); Acalanto em Lá menor (contos), também usa seu espaço na literatura para inspirar e incentivar outras mães.

Flávia Joss é mãe de três: Davi, Ana Júlia e João
Flávia Joss é mãe de três: Davi, Ana Júlia e João |  Foto: Divulgação

"Sempre trabalhei. Nunca é fácil conciliar trabalho com maternidade. No meu primeiro livro tem uma crônica, "Imperfeitamente Perfeita", que não deixa de ser um desabafo. Falo sobre esse medo colocado sobre as mães. Dois livros que li e, de alguma forma, me ajudaram, foram: "Nana nenê", de Ezzy Gari Robert Buckman (mas não segui à risca) e "Quem ama, educa!", de Içami Tiba", contou Flávia, que é mãe de Davi, 21 anos, Ana Júlia, 14 e João, 23. Ela também é avó da pequena Luna, de 5 meses.

Flávia Joss, além de mãe, também é avó, da pequena Luna, de 5 meses
Flávia Joss, além de mãe, também é avó, da pequena Luna, de 5 meses |  Foto: Divulgação

Rede de apoio

De um modo geral, rede de apoio consiste em poder contar com pessoas de confiança para dar suporte e auxiliar nos momentos em que a mãe precisar e sentir necessidade.

A atuação da rede de apoio materno vai muito além de ficar com o bebê para que a mãe possa descansar. Essa rede pode ser essencial até mesmo em momentos de dúvidas, medos e sentimentos de culpabilização.

Algumas vantagens que podem ser percebidas em mães que possuem essa assistência durante a maternidade são:

- Diminuição do risco de depressão pós-parto: uma mãe que está insegura e sobrecarregada tende a ter mais chances de desenvolver depressão pós-parto;

- Maior conexão com o bebê: é preciso tempo para que a mãe possa fortalecer, diariamente, a ligação com o seu neném. Assim, uma rede de apoio pode proporcionar o suporte necessário que essa mulher precisa, por exemplo, no auxílio das tarefas domésticas.

- Segurança: ao contar com uma rede de apoio, a mãe pode cuidar de si mesma e isso faz com que ela se sinta mais segura e acolhida, aumentando assim sua autoestima.

O papel da maternidade na vida da mulher revela uma árdua missão, que muitas vezes dificulta a conciliar a vida pessoal com a profissional
O papel da maternidade na vida da mulher revela uma árdua missão, que muitas vezes dificulta a conciliar a vida pessoal com a profissional |  Foto: Reprodução/Pixabay

No caso das mães solo, observa-se que, a cada ano, o número de mulheres que vivenciam os desafios da maternidade e todas as suas responsabilidades de maneira solo, é cada vez maior no Brasil. Nesses casos, a rede de apoio tem uma função ainda mais significativa.

"Não tive muita rede de apoio. Minha mãe sempre resistiu a isso e meu apoio maior foi meu ex-marido, com quem fiquei quatro anos e "adotou" meu filho. Até hoje ele presta assistência ao Miguel, tornou-se pai afetivo dele, já que o biológico é ausente. Também tenho apoios esporádicos dos avós paternos, que insistem em manter os vínculos, ainda que o filho não apareça para isso", relatou a escritora Stella Campelo, mãe solo do Miguel.

Compreender o que é rede de apoio materno transforma a vida de uma mãe e permite que ela realmente desfrute desse período com mais tranquilidade e segurança.

Os desafios da multiplicidade de papéis

É indiscutível a importância e o espaço cada vez maior ocupado pelas mulheres na sociedade e, principalmente, no mercado de trabalho. Porém, apesar do avanço, o papel de mãe atribuído durante séculos está profundamente enraizado, e conciliar essa relação é uma árdua missão.

"Escrever me possibilitou muita coisa, inclusive dar apoio a outras mulheres, dando dicas de maternidade e usando meu know-how, enquanto jornalista, para difundir ideias e apoiar outras pessoas, pois como defendia Audre Lorde: 'Eu não sou livre enquanto alguma mulher não for, mesmo quando as correntes dela forem diferentes das minhas'", declarou a escritora Renata Toledo, que concluiu dizendo que "enquanto mulheres continuarem sobrecarregadas, não serão livres. Por isso, tento amenizar a carga dessas mulheres através da minha escrita".

De acordo com o estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), existe uma queda na empregabilidade após o período gestacional, com dados alarmantes de que quase metade das mulheres que tiraram a licença-maternidade foram dispensadas após 24 meses.

Amparada por lei, a mulher tem a proteção à maternidade assegurada frente ao seu posto de trabalho, incluindo a licença-maternidade com duração de 120 dias, no Brasil. Esse benefício contempla trabalhadoras formais e informais. No entanto, é importante informar que, para o recebimento da licença, a mulher precisa estar em dia com as contribuições do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A fim de proteger a situação da mulher no mercado de trabalho, também são garantidos legalmente o direito à amamentação, com a concessão de períodos de pausa ou a redução de horas trabalhadas. Lembrando que essas horas de afastamento permanecem sendo devidamente remuneradas.

A proteção à maternidade ainda é garantida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), cujo objetivo é promover melhorias à saúde materna por meio de intervenções no local de trabalho.

Pode-se afirmar que o grande desafio enfrentado pela mulher que é mãe e profissional, certamente, é priorizar a si mesma. Com a versatilidade, pode vir o sentimento de culpa e impotência.

O grande trunfo é buscar o equilíbrio entre maternidade e trabalho, mesmo que não seja uma tarefa simples
O grande trunfo é buscar o equilíbrio entre maternidade e trabalho, mesmo que não seja uma tarefa simples |  Foto: Reprodução/Pixabay

Por isso, a mulher multitarefas necessita de condições favoráveis para conciliar a vida pessoal e profissional, e contar com uma rede de apoio faz toda a diferença para enfrentar os desafios. O grande trunfo é buscar o equilíbrio entre maternidade e trabalho, mesmo que não seja uma tarefa simples.

*Sob supervisão de Cyntia Fonseca

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