MMSG celebra os 18 anos da Lei Maria da Penha
Sancionada em 2006, a Lei 11.340 completa ‘maioridade’, neste 7 de agosto, com um legado de lutas e significantes avanços no combate à violência contras as mulheres
Ao celebrar os 18 anos da Lei 11.340 (Lei Maria da Penha), o Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG) enaltece o legado e os avanços da legislação no combate à violência doméstica e intrafamiliar. E, em comemoração à ‘maioridade’ da lei, o MMSG reafirma sua missão, iniciada, há 35 anos, de continuar lutando pelos direitos das mulheres, independente de raça, gênero, classe social ou religião.
Sancionada em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha foi assim batizada em alusão à luta por reparação e justiça da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica após ser vítima de tentativa de feminicídio, no ano de 1983, por parte de seu ex-marido. Além da proteção e prevenção às violências, a norma trouxe mais segurança e acolhimento para todas as mulheres que enfrentam essas situações.
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A gestora do MMSG, Marisa Chaves, juntamente às associadas da instituição, participa, há três décadas, de diversas ações pela criação de novas diretrizes legais em defesa das mulheres, sobretudo, no combate às violências domésticas. Chaves lembra, que, até 2006, os crimes contra as mulheres eram marcados pela impunidade e ressalta a luta e o sofrimento impostos à Maria da Penha como preponderantes para uma mudança radical na legislação brasileira.
“Embora o Brasil fosse signatário de vários tratados e convenções internacionais para adequar sua legislação, até 2006 os alegados autores de violência doméstica cumpriam penas alternativas e se escondiam atrás das impunidades. Graças à resiliência da Maria da Penha Maia Fernandes, e com apoio do movimento feminista brasileiro, conseguimos apresentar, em tempo recorde, a minuta de projeto à Secretaria de Políticas para as Mulheres, que, após amplo debate em diversos ministérios e no Congresso Nacional, resultou na Lei 11.340”, disse a gestora do MMSG.
Militante relembra as ‘lutas’ antes da Lei Maria da Penha
Uma das mais antigas ativistas na luta pelos direitos das mulheres em São Gonçalo, a diretora executiva do MMSG, Oscarina Siqueira, de 78 anos, exaltou os benefícios trazidos pela Lei Maria da Penha e lembrou do início de sua militância, na década de 1980, quando viu o ‘rascunho’ da criação do CEOM (Centro Especial de Orientação à Mulher) e da delegacia especial de atendimento à mulher.
“Quando iniciei a militância, em São Gonçalo, lutei em prol da criação de uma delegacia para mulheres. Na ocasião, os governantes não deram apoio. Então, criamos um núcleo de atendimento à mulher, em 1987. Somente em 1997, surgem a DEAM e o CEOM, ambos projetos que vi os primeiros traços em uma folha de papel”, lembra a ativista.
“Nove anos depois, foi criada a Lei Maria da Penha, que deu mais segurança às mulheres e punição aos agressores. Apesar dos avanços, continuamos o nosso trabalho de fortalecimento e divulgação da causa. Lutamos por todas as mulheres e meninas que sofrem abuso sexual, violência doméstica e no combate ao machismo estrutural. A Lei Maria da Penha deu sustentabilidade às mulheres para se sentirem mais protegida e amparada”, acrescentou Oscarina.
Considerada uma das três melhores leis, segundo a ONU
A Lei Maria da Penha, que é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU), desde sua publicação, como uma das três melhores leis do mundo, permitiu avanços nas lutas das mulheres e se consagrou como marco de proteção legal às brasileiras contra diferentes formas de violências como a física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
“Percebemos que, ao longo desses 18 anos da Lei Maria da Penha, tivemos vários acréscimos em seus dispositivos para melhor adaptação às realidades cotidianas da sociedade. Um deles foi a Lei 13.104/15 que tipifica o feminicídio como crime hediondo, posto que é praticado contra à vítima pela sua condição de mulher, independente do gênero”, explica a advogada do MMSG, Velange Bastos.
‘Qualquer pessoa pode denunciar a violência contra a mulher’
A advogada e coordenadora do Núcleo de Atendimento às Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência (NACA/SG), Lívia Gaspary, aponta a ação penal incondicionada como um dos dispositivos legais de maior avanço da Lei Maria da Penha, pois permite a qualquer pessoa fazer a denúncia da violência.
“Antes, a ação penal era condicionada à denúncia da vítima, que, geralmente, era induzida a desistir do caso, gerando impunidade, aumento dos crimes e até mortes das mulheres. Com a Lei Maria da Penha, a ação penal é incondicionada e qualquer pessoa que assista à cena de violência ou tenha conhecimento pode fazer o registro e denunciar o agressor”, reitera Gaspary.
Conscientização e prevenção às violências
De acordo com a delegada titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam/São Gonçalo), Ana Carla Rodrigues Nepomuceno, um dos principais legados da Lei Maria da Penha foi o empoderamento e a possibilidade da conscientização das mulheres sobre o ‘lugar’ delas como cidadãs e sujeitos de direitos, sobretudo, quando suas vidas são colocada em risco. Nepomucemo ressaltou, no âmbito da lei, importantes avanços, na defesa dos direitos das mulheres, como as medidas protetivas.
“A Lei Maria da Penha foi um avanço, pois proporcionou às mulheres direitos e garantias. Destaco, entre outros, o dispositivo da medida protetiva, que protege as vítimas. Além disso, a lei prevê a prisão pelo descumprimento da medida, que é muito importante, pois, anteriormente, os agressores permaneciam fazendo ameaças e colocando à vida das mulheres em risco”, disse a delegada.
‘Nosso trabalho precípuo é proteger às vítimas’
Já a delegada Fernanda Fernandes, titular da Deam/Caxias, ressaltou o trabalho de conscientização e a importância da rede de atendimento no acolhimento às vítimas. Fernandes reiterou o papel da polícia na prevenção às violências e na proteção integral aos cidadãos.
“A Lei Maria da Penha possibilitou uma maior conscientização das mulheres sobre os seus direitos e o importante papel da denúncia para prevenção e punição aos agressores. A segurança pública é um direito e responsabilidade de todos. As pessoas têm uma ideia equivocada da Polícia. Nosso trabalho precípuo è proteger as vítimas e, não somente, a prisão dos acusados. Portanto, dependemos do bom funcionamento da rede de atendimento, da conscientização das pessoas e das denúncias”, reitera a delegada.
Vítimas de violência falam sobre o respaldo da lei
Sobrevivente de uma tentativa de feminicídio, em 2009, a dona de casa Rosângela Sá, de 56 anos, teve 65% do corpo queimado após o ex-marido arremessar gasolina e atear fogo sobre ela. Rosângela ficou cerca de dois meses internada em estado gravíssimo - sendo submetida a três cirurgias. O agressor foi preso, em 2011, e condenado a 26 anos de prisão.
“Fui amparada e acolhida no Movimento de Mulheres em São Gonçalo, onde conheci a Lei Maria da Penha. A legislação foi fundamental, pois deu o respaldo jurídico e celeridade processual para a prisão do meu ex-marido”, disse Rosângela, que é vice-diretora do MMSG e usa sua história para encorajar outras mulheres a romperem o ciclo de violência doméstica.
Após 35 anos de casada, sofrendo violências domésticas, a dona de casa D, de 52 anos, denunciou o ex-marido e conseguiu uma medida protetiva. Hoje estudante de psicanálise, D. descobriu que era vítima ao participar de uma palestra sobre a Lei Maria da Penha. “Foi quando percebi que era vítima de violência física, patrimonial, moral, psicológica e sexual. Foi no MMSG que consegui o acolhimento e a orientação necessária para continuar a minha vida”, relata a estudante, que tem três filhos.
75% das mulheres conhecem pouco ou nada sobre a Lei Maria da Penha
De acordo com pesquisa do DataSenado, mesmo após 18 anos da criação da Lei Maria da Penha e o avanço das políticas públicas de combate à violência contra a mulher, cerca de 75% das brasileiras afirmam conhecer pouco ou nada sobre a legislação. De acordo com a pesquisa, menos de um quarto das brasileiras (24%) afirma conhecer muito a Lei Maria da Penha (Lei 11.340, de 2006). A análise ainda aponta que 30% das brasileiras já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homem.
Aumento dos crimes
O avanço na legislação não tem evitado, no entanto, a alta de números de violência contra a mulher. Dados do Conselho Nacional de Justiça sobre a atuação do poder judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha revelam que 640.867 mil processos de violência doméstica e familiar e/ou feminicídio ingressaram nos tribunais brasileiros em 2022. Conforme o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, todos os registros de crimes com vítimas mulheres cresceram em 2023 na comparação com 2022: homicídio e feminicídio (tentados e consumados), agressões em contexto de violência doméstica, ameaças, perseguição (stalking), violência psicológica e estupro.
Ao longo do ano passado, 258.941 mulheres foram agredidas, o que indica alta de 9,8% em relação a 2022. Já o número de mulheres que sofreram ameaça subiu 16,5% (para 778.921 casos), e os registros de violência psicológica aumentaram 33,8%, totalizando 38.507. Os dados do anuário são extraídos dos boletins de ocorrência policiais, compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Outro levantamento de fórum aponta que ao menos 10.655 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil de 2015 a 2023.
Atendimento às vítimas em três municípios
O projeto NEACA Tecendo Redes, iniciado em 2024, com a parceria da Petrobras, atende demandas relativas às violências domésticas. O projeto, que é administrado pelo Movimento de Mulheres em São Gonçalo, abrange os municípios de São Gonçalo, Duque de Caxias e Itaboraí e tem como objetivo contribuir para a promoção, prevenção e garantia dos direitos humanos de mulheres, crianças, adolescentes e jovens (até 29 anos).
Em caso de ajuda, os núcleos disponibilizam seus serviços, de segunda à sexta-feira, das 9h às 17hs, nos endereços e telefones abaixo:
NEACA (SG)- Rua Rodrigues Fonseca, 201, Zé Garoto. (2606-5003/21 98464-2179)
NEACA (Itaboraí)- Rua Antônio Pinto, 277, Nova Cidade. (21 98900-4246).
NEACA (CAXIAS) – Rua General Venâncio Flores, 518, Jardim Vinte e Cinco de Agosto. (21 96750-3095).