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Mestres do trabalho manual: A herança do trabalho artesanal atravessa gerações na família Loyola

Julia Loyola Lopes, inspirada pela mãe, mantém viva a tradição da estamparia enquanto cria um estilo próprio e cheio de significado

relogio min de leitura | Escrito por Lívia Mendonça | 03 de setembro de 2024 - 09:39
Julia e Freida Loyola no ateliê onde são criados os kimonos e demais produtos da Panomar
Julia e Freida Loyola no ateliê onde são criados os kimonos e demais produtos da Panomar -

Para contar uma boa história de um povo e de uma sociedade como um todo, é preciso entender os caminhos que fizeram parte da evolução humana ao longo dos anos. As atividades que, há muito tempo, abriram as portas para o trabalho mostram, até os dias de hoje, a importância de preservar e valorizar profissionais que seguem na luta para manter vivos os ofícios que, mais do que uma profissão, fazem parte de suas próprias identidades.

A nova série de O SÃO GONÇALO, "Mestres do Trabalho Manual", explora a arte e o ofício que passam de geração em geração como uma verdadeira herança familiar. 

Em quatro capítulos, a série irá trazer relatos emocionantes de pessoas que dedicam suas vidas ao trabalho artesanal, mantendo viva uma tradição cheia de propósitos e significados. 

A Artesã

O primeiro capítulo da série de reportagens conta a história da artesã Julia Loyola, que com uma boa dose de talento atrelado à paixão pela arte, encontrou na mãe sua maior fonte de inspiração, dando início ao projeto de criação de estampas autorais. 

"A paixão pelo ofício é uma boa chama conduzente"

Arte intrínseca 

Apaixonada pelas diversas possibilidades oferecidas pela arte desde o início de sua vida, a artesã niteroiense Julia Loyola Lopes, de 34 anos, encontrou seu "lugar no mundo" através do trabalho manual, seu grande propósito, não só profissional, mas, acima de tudo, pessoal.

Formada em Artes Visuais e criada em São Paulo durante toda a infância e juventude, Julia, que sempre teve a veia artística como uma herança de família, resolveu mergulhar nessa jornada de autoconhecimento profissional logo após o fim da faculdade.

"Morei em Guarulhos por 24 anos, devido ao trabalho dos meus pais, e, logo após a faculdade, achei que seria uma boa ideia vir para Niterói, onde comecei a trabalhar como artista plástica. Fiz exposições, trabalhei em museus, sempre nessa busca de viver como artista. Mas eu nunca consegui vender o meu trabalho de arte visual, nunca consegui colocar preço nisso, e fui percebendo a dificuldade de fazer dinheiro dessa forma", contou Julia Loyola.

Cheia de sonhos e com uma sede imensa de viver da sua grande paixão, a arte, Julia precisou recuar logo no início da carreira profissional e foi trabalhar como secretária do pai, em um momento em que pôde se estabelecer financeiramente e pensar nos próximos passos a dar.


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De geração para geração

Desde a infância, Julia teve uma vivência artística dentro da própria casa, visto que sua mãe, Freida Loyola, hoje com 74 anos, trabalhou com estamparia por muitos anos e sempre fez questão de apresentar a arte para a filha de uma maneira lúdica, essencial para a formação da profissional que Julia se tornou.

"Minha mãe também é artista visual, trabalhou com design e estamparia durante muito tempo, nos anos 60 e 70. E, quando eu era criança, ela, como artista, sempre me apresentou à arte, então isso ficou intrínseco em mim, em quem me tornei, e, mesmo adormecida em meio às adversidades, a arte permaneceu em mim, esperando o momento certo de ser protagonista na minha história novamente", explicou a artesã.

Foi então que, de acordo com Julia, "como um acaso", surgiu a oportunidade de ingressar no trabalho de estamparia, processos e técnicas de tingimento que fizeram tudo fazer sentido na vida da artesã, como um encaixe perfeito entre paixão e ofício.

"Tive a ideia de voltar para a estamparia, na verdade, como um acaso. Uma amiga da minha mãe estava se mudando para Portugal e queria levar algumas coisas artísticas para vender por lá. Fiz 30 cangas para ela poder vender lá, no processo de tie-dye. E foi um sucesso, ela conseguiu realizar as vendas, e isso me incentivou a começar a fazer as cangas de estamparia, com as técnicas tradicionais que minha mãe me ensinou, e, a partir dali, iniciei uma pesquisa autônoma, independente, sobre as estampas e tudo o que diz respeito ao que é feito com a mão em relação à parte têxtil. Me apaixonei e consegui vender, consegui pôr para fora e mostrar o meu trabalho. Tudo se encaixou", afirmou.

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Surgimento da Panomar

A profissão de artesão envolve as habilidades no trabalho manual para criar itens de valor cultural e artístico, trazendo também diferentes desafios, tão variados quanto suas próprias criações. Além de manter as habilidades em constante processo de evolução, esses profissionais também precisam estar atentos às novas tendências e demandas externas, ao mesmo tempo em que preservar a autenticidade e as técnicas tradicionais define o propósito desse profissional.

Criadora da marca Panomar @panomar__ há seis anos, Julia conseguiu se encaixar dentro da área de artesanato, fazendo com que sua empresa fosse um espelho e refletisse não só seus ideais, mas seus produtos repletos de propósito e significado.

"Veio a ideia de criar uma marca, algo de 'beachwear', já que eu produzia cangas inicialmente. Mas eu sempre amei a ideia da tal da loja de departamento, que tem de tudo. E a gente que é artista não quer fazer uma coisa só, não queria ficar limitada, então eu queria que fosse um panorama de coisas, onde eu pudesse fazer mobiliário de tecido, papelaria que envolvesse capas com tecido, roupas, quadros, o que me desse na 'telha'. E aí veio essa palavra, panorama, junto a uma brincadeira com a palavra pano e o fato de que eu vendia canga, e aí surgiu a 'Panomar', que é essa ideia de trabalhar com tecido, estampa artesanal, ancestral, com o produto que vier", explicou Julia.

Hoje a Panomar, gerida 100% por Julia, que também executa os trabalhos de mídia, criação, produção, logística e entrega, tem como produtos principais os kimonos e cangas, mas as mãos da artesã já realizaram as mais diversas produções, como bolsas, calças, blusas e todo tipo de arte com tecido, contando que se encaixem em algumas regras básicas, listas pela profissional: "que seja artesanal, que não tenha um processo industrial por trás daquela estampa e que seja feita em um tecido".

Julia é criadora da marca Panomar
Julia é criadora da marca Panomar |  Foto: Kiko Charret

Nadar contra a maré

Os desafios de ser uma profissional autônoma não se limitam à produção, mas também abrangem a procura do cliente. Com um mercado cada vez mais concorrido, trazer autenticidade para os produtos feitos à mão se tornou a chave do sucesso da Panomar, que utiliza a filosofia de uma produção única, afetiva e consciente como guia para se manter de pé.

"A indústria também começou a fazer tie-dye, então vieram as produções feitas industrialmente, com um processo digital que imita o processo manual, e aí a roupa de tie-dye, que tem um processo de criação de dois a três dias, começou a ser feita da mesma maneira que outras roupas industriais são feitas. Então, tive que partir para a ideia de não só fazer algo artesanal, mas também uma coisa que tenha identidade, que tenha o meu trabalho ali, o meu diferencial, a minha personalidade, e o que mais ouço de elogio nas feiras que participo aqui na cidade é: 'Nossa, que tie-dye diferente'. Essa foi a minha busca proposital, achar uma identidade dentro desse trabalho, onde a Panomar conseguisse se mostrar e fazer com que a pessoa pudesse se identificar com a marca", contou Julia Loyola.

"O que sempre converso com as clientes é em relação ao olhar sobre o processo. Cada etapa é pensada de maneira responsável, com qualidade, então a ideia de todas essas escolhas é fazer com que os produtos durem muitos e muitos anos. A minha filosofia é fazer com que a cliente sinta que aquela peça foi feita para ela, que aquilo faça sentido. E eu quis trazer essa sensação para as peças, fazendo com que elas sejam únicas (poucas unidades, diferentes processos de estamparia)", completou.

Amor pela profissão

Julia trabalha diariamente com as estamparias em seu ateliê, também localizado em Niterói, onde estuda, cria, executa e realiza todas as etapas do processo do trabalho manual com a mesma paixão que aquela garotinha demonstrava durante as atividades realizadas com a mãe na infância.

"O artesanato é o farol para as novas gerações, mostrando que ainda existem outras formas de produção"

"Minha maior motivação está no desejo de trabalhar no ateliê. Se eu tivesse que mudar de profissão, o que eu mais sentiria falta é desse ambiente, de estar produzindo, estudando, criando. Tem muito do amor e da paixão pelo ofício em si, que se tornou uma boa chama conduzente. E a Panomar veio para unir esses dois mundos, porque ela juntou o meu amor pelo ateliê com a necessidade de me manter, de conseguir trabalhar. O artesanato, para mim, não é um hobby ou um dinheiro extra, é o meu trabalho, é o farol para as novas gerações, mostrando possibilidades, mostrando que ainda existem outras formas de produção", afirmou a artesã, que logo em seguida foi prontamente elogiada pela mãe, sua musa inspiradora.

Julia Loyola é formada em artes visuais e sempre foi uma apaixonada por tudo que envolvia o trabalho artesanal
Julia Loyola é formada em artes visuais e sempre foi uma apaixonada por tudo que envolvia o trabalho artesanal |  Foto: Kiko Charret

"Eu acho que a Julia faz esse trabalho muito bem, com muito carinho e bom gosto. Tenho muito orgulho de ter passado esse ensinamento para ela, porque não é brincadeira, é um trabalho literalmente muito pesado, que exige força física e que muitas vezes não é valorizado", completou Freida Loyola, que, mesmo depois de tantos anos, ainda se faz presente nos processos de criação da filha, auxiliando com ideias e incentivo durante todo o trabalho.

"Sinto que encontrei a melhor maneira de juntar o útil ao agradável. Eu acredito no trabalho que eu faço, que é um trabalho que tem intenção, propósito, que é utilitário, funcional, mas também carrega história, aprendizado e ideologias bacanas. O que eu faço, faço muito feliz. É claro que existem desafios, mas, no fim das contas, no final do dia, estou muito realizada e feliz, vale a pena", finalizou a artesã Julia Loyola.

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