Insegurança: estudantes da UFF demonstram preocupações dentro do campus
Casos de importunação e assédio sexual causam medo entre alunas
De acordo com pesquisa realizada pelos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, em 2024, 97% das mulheres sentem medo de sofrer algum tipo de violência quando se deslocam pela cidade; 80% delas declaram “sentir muito medo”. Os dados têm como base os depoimentos de mais de 4.000 mulheres de todo o Brasil. Este receio, no entanto, não se restringe apenas às ruas. Estudantes relatam inseguranças dentro do campus da própria faculdade, local que deveria ser um espaço acolhedor e seguro para todos. Questões como falta de iluminação, estrutura precária e baixo monitoramento afligem as universitárias.
No caso da Universidade Federal Fluminense, um episódio de importunação sexual assustou alunos e professores da faculdade. No dia 10 de outubro, um estudante de medicina veterinária, de 62 anos, praticou importunação sexual contra alunas no campus do Gragoatá, em Niterói. Ao abrir a mochila a pedido dos policiais, descobriu-se que o homem carregava uma bomba peniana, viagra e uma outra medicação do tipo sedativo. O acusado tinha seis passagens pela polícia por violência doméstica, desobediência, duas por lesão corporal, desobediência a ordem judicial e destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia.
Em nota publicada logo após o ocorrido, a universidade declarou o afastamento do aluno por 60 dias. “A UFF afastou cautelarmente o estudante por 60 dias e determinou medidas alternativas para continuidade de seus estudos nesse período, assim como formalizou o processo para a instauração de sindicância para apuração dos fatos. A partir desse procedimento, serão tomadas as medidas administrativas e acadêmicas necessárias dentro da esfera de competência da instituição. Essas ações são fundamentais para prevenir o risco de novos episódios de importunação, assédio, agressão ou violência de qualquer natureza”, declarou. A medida foi recebida negativamente por alunos, que acharam a punição discordante com a situação.
Estupro dentro da sala de aula
Além deste caso, outro episódio de conotação sexual assustou alunos da instituição. Uma estudante de direito foi estuprada dentro da sala da atlética do curso. A vítima afirmou às autoridades ter sido agredida por outro aluno e submetida a contato íntimo sem consentimento. Em nota, a atlética de direito repudiou o ocorrido e suspendeu preventivamente o integrante envolvido até a apuração completa do que aconteceu.
O caso está sob investigação da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) de Niterói. Em nota, a Universidade Federal Fluminense reafirmou o seu posicionamento contra atos de abuso, importunação sexual e violência de gênero; e se colocou à disposição da vítima. "Informamos que, devido à importância que a situação requer, o documento protocolado pela Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ foi encaminhado imediatamente à Procuradoria-Federal junto à UFF para a elaboração de parecer em relação ao afastamento preventivo do aluno acusado. Além disso, foi determinada a pronta instauração de procedimento disciplinar pela Direção da Faculdade de Direito, instância competente para apuração da denúncia, conforme o Regimento da Universidade. A partir desses procedimentos, serão adotadas as medidas administrativas e acadêmicas necessárias dentro da esfera de competência da instituição", compartilhou. "Por fim, a UFF lamenta profundamente o ocorrido e reafirma seu compromisso com a rigorosa apuração de todos os fatos denunciados", completou.
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Por isso, O SÃO GONÇALO ouviu estudantes para descobrir como elas se sentem em relação à segurança dentro do ambiente universitário e suas opiniões sobre os casos de violência de gêneros registrados no último mês.
"Eu me sinto bem insegura em andar à noite sozinha na universidade. Apesar de ter o pessoal da segurança, eu acho que a estrutura ainda não cobre. São poucas pessoas para o tamanho da UFF", opina a estudante de jornalismo Livia Sant`Anna. Em relação ao caso de importunação sexual, Livia reforça que medidas judiciais precisam ser tomadas. "Eu acho que a universidade deve repudiar veementemente esse tipo de ação, inclusive em questões jurídicas. Porque, em 60 dias, esse cara pode voltar e fazer pior", disse.
"Só de ter acontecido o caso de assédio a gente se sente mais vulnerável, porque somos mulheres. Nós temos que frequentar o bandejão, onde aconteceu esse assédio, e a gente acaba se sentindo muito exposta. É muito ruim e eu acho que a decisão da universidade não vai resolver nada, porque ele vai voltar, já que ele não sofreu maiores consequências, e pode fazer até pior", é o que sente a estudante de design industrial Marianna Villela, que não concordou com as medidas tomadas pela universidade.
Para Gabriella Sardoux, as estruturas ao redor do prédio do seu curso - o Instituto de Artes e Comunicação Social - poderiam ser melhores e mais seguras para as alunas. "O prédio em si é muito bom, porque ele está reformado, a estrutura é bem novinha, mas o caminho até lá é complicado. Não tem iluminação direito, a gente não tem nem um caminho ali montado, temos que passar pela 'mata' e é longe dos outros prédios, então acabamos ficando vulneráveis. Eu e minhas amigas saímos às 22h todos os dias, então ficamos vulneráveis, ainda mais com esses casos de assédio que estão surgindo", desabafou a estudante de publicidade e propaganda.
Machismo contribui com o sentimento de incerteza
O machismo estrutural torna-se um fator determinante para o receio dentro de locais estudantis. Como conta Letícia Carneiro, estudante de engenharia elétrica, que se sente pressionada em um ambiente majoritariamente masculino. "No meu curso, a maior parte da turma são homens. Quando eu entrei, só tinha eu e mais cinco meninas em uma sala com 41 homens, o que foi um baque na minha vida", destacou. Segundo Letícia, o apoio de discentes e docentes é essencial para continuar no curso e superar, aos poucos, suas inseguranças. "Eu conheci um projeto que foi da primeira professora mulher de engenharia elétrica da UFF, ela me inspira muito, então por causa dela eu estou trabalhando essa insegurança", completou.
Esse contexto não apenas compromete o bem-estar emocional e psicológico das mulheres, mas também pode impactar seu desempenho acadêmico, já que o medo e a ansiedade acabam ocupando uma parte significativa de sua energia e foco.
Medidas à favor da segurança no campus
A UFF informou que está finalizando um estudo para a criação de uma seção focada a casos de violência de gênero, além de se colocar à disposição das vítimas. "Importante destacar que reafirmamos nosso posicionamento contra qualquer forma de assédio, importunação sexual e violência de gênero, bem como reforçar nosso compromisso com a apuração rigorosa de todos os fatos relacionados a essas situações. Também reiteramos que a UFF se coloca à disposição para prestar apoio e acolhimento às pessoas que sofreram assédio e importunação sexual no ambiente acadêmico e administrativo. Pontuamos ainda a importância de que qualquer situação de assédio, importunação sexual ou violência seja denunciada por meio dos canais competentes. Atualmente, a universidade está finalizando um estudo para a criação de uma seção especializada na Ouvidoria dedicada a casos de violência de gênero. Soma-se a isso, a implantação do serviço de videomonitoramento de todos os campi, cujo objetivo é melhorar a segurança da comunidade e a qualidade de vida na instituição", pontuou a instituição.
O combate desse sentimento de insegurança exige não só políticas institucionais claras e eficazes, mas também uma mudança de mentalidade que envolva toda a comunidade acadêmica, desde alunos até docentes e gestores.
*Estagiária sob supervisão de Thiago Soares