Instagram Facebook Twitter Whatsapp
Dólar R$ 6,0061 | Euro R$ 6,3551
Search

Mulher esfaqueada pelo ex em Alcântara abre o coração sobre o caso: "espero que ele receba a Justiça dos homens"

Homem com quem Graciele se relacionou por apenas dois meses tentou tirar sua vida e lhe atacou com 15 facadas enquanto ela recebia atendimento dentário

relogio min de leitura | Escrito por Renata Sena | 06 de dezembro de 2024 - 03:36
Confira entrevista completa
Confira entrevista completa -

Era tarde de 11 de outubro de 2024. Graciele já estava anestesiada, deitada na cadeira da dentista, em Alcântara, São Gonçalo, quando ouviu a porta do consultório abrir. Ela não imaginava, mas um homem com quem ela teve um breve relacionamento (dois meses) e a quem não via há cinco meses estava pronto para tirar sua vida.

‘Eu vim te matar’

“Quando ouvi o barulho na porta achei que fosse a secretária da dentista, mas até que senti alguém já muito perto de mim e cheguei a achar que era um assalto. Foi quando, então, vi o rosto dele, e num intervalo de segundos ele me deu 15 facadas em todas áreas vitais. Quando ele acertava, ainda dizia que conseguiu. Isso durou até que a faca quebrou e ele passou a me enforcar… até que eu perdi a consciência. Mas, por algo inexplicável eu acordei. Ele já estava com a bolsa a tiracolo, e me olhando meio que assim: ‘será que tá viva?’. E aí eu me recordo, que me deparei com ele me olhando e falando que tinha ido lá me matar. Eu tirei forças de não sei onde e dei um soco na cara dele. Consegui me levantar e a gente entrou em luta corporal. Eu não sei quanto tempo durou, porque pra mim foi como se o tempo tivesse parado. Ele queria me manter na sala de atendimento, porque ali teriam outras coisas que ele poderia usar para me perfurar ou continuar fazendo o que estava tentando. Mas, eu consegui lutar com ele até que eu cheguei na recepção do consultório. Ali, ainda tivemos mais um tempo de luta corporal, até que a polícia chegou”, revela Graciele.

Quando ele acertava, ainda dizia que conseguiu. Isso durou até que a faca quebrou e ele passou a me enforcar Graciele Vítima da tentativa de feminicídio

Esses são os detalhes de uma tentativa de feminicídio, em plena luz do dia, no Centro comercial de Alcântara, narrados pela vítima, a cuidadora de idosos e esteticista Graciele dos Santos Silva, de 38 anos, durante entrevista ao jornal O SÃO GONÇALO, quase dois meses após o ocorrido.

O que Graciele ficou sabendo depois, através de policiais, é que antes dela outras oito mulheres teriam sido vítimas do mesmo acusado de tentar matá-la, e chegaram a acionar a Justiça, pedindo proteção contra o acusado. Diante disso, as denúncias de Graciele revelam, mais uma vez, as falhas no sistema de Segurança e Justiça na proteção das milhares de mulheres vítimas de violência diariamente em todo o Brasil.

Onde estava a Justiça antes de mim? Graciele

“Onde estava a Justiça antes de mim?”. É com esse questionamento que a cuidadora de idosos tem buscado respostas e cobrado providências para que casos como o seu não se repitam. Sobrevivente de uma tentativa de feminicídio, ela carrega no corpo e na alma marcas profundas da violência que sofreu, mas também da negligência da Justiça ao permitir que seu algoz a transformasse na nona vítima de sua lista de agressões contra mulheres.

A história da relação

Conhecida pelo seu jeito irreverente e sorridente, Graciele conheceu aquele que viria a ser seu algoz em junho de 2023, durante uma roda de samba no Centro do Rio de Janeiro. Após esse primeiro encontro, o contato entre os dois se limitou a conversas telefônicas por cerca de oito meses. Até que ele pediu para ir ao aniversário dela, e ela aceitou, sentindo-se segura em um ambiente público e cercada de pessoas de confiança.

“Durante o período que nos falamos por telefone, ele perguntava coisas da minha vida e eu da dele. Era normal, e fomos trocando informações de nossas vidas. Quando ele pediu para ir ao meu aniversário eu deixei, porque estaria em um local público, com amigos e familiares”, contou Graciele.

Vítima encontrou apoio no Movimento de Mulheres - SG
Vítima encontrou apoio no Movimento de Mulheres - SG |  Foto: Layla Mussi

Depois do aniversário, veio o terceiro encontro e em 15 dias Graciele percebeu que ele estava longe de ser quem alegava. “Com 15 dias ele começou a me apresentar como mulher dele. Eu achei aquilo um absurdo e falei que ele estava indo longe demais”, recorda. Ela tentou encerrar a relação ali, mas foi surpreendida por uma reação assustadora: “Ele disse: ‘Não é você quem decide.’ Começou a listar informações sobre minha vida pessoal, sobre meus filhos e a congregação da minha mãe. Ali percebi que estava lidando com alguém perigoso”, relembra Graciele.

Apesar disso, ela preferiu não contar para a família. Ele seguiu tentando contato e alegou que precisava de uma conversa para encerrar ou continuar o que estavam iniciando.

“Quando cheguei na casa dele, ele me ofereceu uma bebida e eu apaguei. Quando eu acordei, ele estava com o meu telefone celular na mão. Nós tivemos uma briga horrível. Ele me machucou no olho esquerdo, na verdade me deu um soco no olho esquerdo. E aí eu disse pra ele, que pra mim tinha acabado. ‘Essa pessoa é você e eu tô fora. Nunca vivi isso, eu tô fora’. Só que ele me trancou dois dias na casa dele. Me ameaçou, dizendo que eu estava no bairro dele. Que ninguém me conhecia. E ele falou que poderia me matar, sumir com meu telefone e que ninguém me acharia. O tempo todo destacando que quem decidia não era eu e que só ia acabar quando ele quisesse. Depois dessas ameaças e dos dias de cárcere, ele me soltou”, recordou.

Ao conseguir sair daquele local, Graciele procurou uma delegacia, mas encontrou a Delegacia Especial de Atendimento às Mulheres de São Gonçalo em obras, e seguiu para a 72ªDP (Mutuá), onde foi orientada a fazer um registro de ocorrência online. Mas a situação piorou rapidamente. Graciele afirma que foi ameaçada repetidamente, perseguida no trabalho e nos lugares que frequentava. Até que tomou coragem, levou ele para um evento onde estavam a família e os amigos, e lá contou o que estava acontecendo para todos.

“Meus amigos perceberam que eu estava diferente, não estava interagindo e me questionaram no momento em que levantei para ir ao banheiro. Ali, eu contei que estava num relacionamento abusivo e que o levei lá para que ele visse que eu não era sozinha, não era largada e que, a partir daquele momento, todo mundo sabia quem era ele”, contou.

Diante disso, sabendo que poderia ser identificado, o acusado cessou as ameaças e ficou sem fazer qualquer contato durante cinco meses. "Ele foi bloqueado em todas as redes, e sumiu. Foram cinco meses sem ameaças", disse. Mas, a calmaria mudou, três dias antes dele tentar matar Graciele no consultório dentário. "Era uma terça-feira e eu estava num samba no Rio, quando vimos que ele chegou. Ele mandou recado, dizendo que tinha ido ali resolver uma questão. Mas, o local estava cheio de conhecidos e ele não se aproximou”, relata.

Ataque na cadeira do dentista

Graciele desconfiava que seu algoz havia invadido suas redes sociais. Mas, marcou a ida ao dentista por ligação e mesmo assim foi surpreendida com a chegada dele no local.

Depois de ser atingida 15 vezes por golpes de faca, que cortaram seu pescoço, seio, tórax, braços, pernas e barriga, Graciele foi enforcada e agredida. Até que a polícia chegou.

Mas, a chegada da polícia não foi como um bálsamo para ela. Ferida, no chão e cercada por sangue, a vítima ainda ouviu do policial coisa que nenhuma mulher deveria escutar. "Alguém perguntou como o cara estava ileso naquela situação e o policial respondeu que eles não sabiam o que eu tinha feito para que o homem fizesse isso comigo", relembra indignada.

Graciele foi socorrida, passou dias internada no CTI, realizou várias cirurgias e recebeu mais de cem pontos. O autor, Elder Alves da Costa, de 48 anos, foi preso em flagrante por tentativa de feminicídio.

Graciele, que é mãe solo de dois meninos, sobreviveu a essa barbárie, mas a pergunta que ecoa é: por que ele estava solto? Quando ainda estava internada, ela foi avisada que era a nona vítima de seu agressor. “Quando a policial me disse isso, perguntei: ‘E onde vocês estavam quando ele fez as outras oito?’”

Onde a polícia estava antes dele fazer comigo?

Leia sobre dicas para se proteger de programas espiões

Aplicativos espiões: uma arma de controle em relações abusivas


Ali no leito do hospital, Graciele também recebeu outra nova informação. “O policial descobriu que ele tinha colocado um aplicativo espião no meu celular. Então ele via tudo do meu aparelho, de mensagens a câmera. Ele estava me monitorando o tempo todo e por isso ele sabia que eu estaria no dentista. Esse aplicativo pode ser colocado no celular da vítima sem que ela saiba”, explicou.

Cicatrizes além do corpo

Além das cicatrizes físicas, Graciele está aprendendo a lidar com as cicatrizes emocionais. Fugindo do comportamento padrão onde as vítimas, comumente, se vêem como culpadas, Graciele tem certeza da sua missão nessa história. “Eu tive todo cuidado que uma mulher precisa ter, em momento nenhum eu tive culpa nessa história. Não vou carregar esse peso para mim de forma alguma. Estou com marcas pelo corpo, mas quando alguém me pergunta algo eu falo que fui vítima de tentativa de feminicídio e vou usar isso para alertar, para orientar e para falar com outras mulheres. Esse fardo é dele e eu não vou carregar. Espero que ele receba a Justiça dos homens e a justiça divina para eu seguir minha vida em paz”, afirmou Graciele.

Eu tive todo cuidado que uma mulher precisa ter, em momento nenhum eu tive culpa nessa história Graciele

A história de Graciele nos lembra da urgência de um sistema de justiça mais ágil e eficaz. “As mulheres estão confiando mais e pedindo ajuda, mas será que estão sendo atendidas a tempo? Quantos processos vão prescrever antes de salvarem vidas?”, questiona Marisa Chaves, fundadora do Movimento de Mulheres, espaço que está ajudando Graciele com orientação jurídica e emocional.

Marisa Chaves, fundadora do Movimento de Mulheres, está prestando apoio jurídico e emocional a Graciele após o episódio
Marisa Chaves, fundadora do Movimento de Mulheres, está prestando apoio jurídico e emocional a Graciele após o episódio |  Foto: Layla Mussi

Marisa destaca que casos como o de Graciele precisam de atenção da Justiça, da polícia e das autoridades responsáveis. “Quando a mulher está numa situação de abuso, é importante ajuda até mesmo para conseguir sair da relação. Então o que a gente deixa de mensagem, de vida, se você está insegura, não quer se expor, procure um centro como o Movimento de Mulheres. Hoje nós somos uma grande referência para atendimento à situação de violência”, falou Marisa, que está acompanhando o caso da Graciele.

Graciele sobreviveu, mas sua luta continua. Ele vai precisar passar por novas cirurgias, no braço e no seio, já que o silicone que ela usa foi rompido com as facadas. Graciele ainda não está liberada para trabalhar e encontra-se sem renda. Por isso, amigos e familiares estão fazendo uma espécie de vaquinha para ajudar a jovem a custear as cirurgias, com despesas da equipe médica e remédios, já que a cirurgia em si ela ganhou de um médico cirurgião.

Serviço

Para ajudar a vítima, basta fazer contato através desse número, que também é a chave pix utilizada:

21 964849211

Caixa Econômica

Samara Batista Ligiero

Matérias Relacionadas