Instagram Facebook Twitter Whatsapp
Dólar R$ 6,0614 | Euro R$ 6,3681
Search

Irmãos gêmeos trans enfrentam preconceitos e transfobia em escola estadual de Maricá

"Desde que nasci eu não me encaixava no que diziam que eu era, porque sempre soube que era homem", desabafa um dos irmãos

relogio min de leitura | Escrito por Renata Sena | 16 de dezembro de 2024 - 16:30
Desde setembro de 2023, quando começaram a circular boatos na escola sobre os dois adolescentes serem homens trans, passaram a enfrentar hostilidades e ameaças
Desde setembro de 2023, quando começaram a circular boatos na escola sobre os dois adolescentes serem homens trans, passaram a enfrentar hostilidades e ameaças -

N.e L., ambos de 17 anos, enfrentam uma batalha diária no Ciep 259 Professora Maria Antônia, colégio estadual, em Maricá, onde estudam desde 2022 e atualmente cursam o Ensino Médio. Irmãos gêmeos e homens trans, eles têm sido vítimas de discriminação e da negação de direitos básicos, como o acesso seguro aos banheiros que respondem a identidade de gênero deles, o que tem impactado diretamente a saúde física e emocional dos adolescentes.

Desde setembro de 2023, quando começaram a circular boatos na escola sobre os dois adolescentes serem homens trans, passaram a enfrentar hostilidades, ameaças e o medo de serem eles mesmos dentro do colégio. "Desde que nasci eu não me encaixava no que diziam que eu era, porque sempre soube que era homem. Já passei por atrocidades nas outras escolas: fui espancado, trancado no banheiro...desde sempre a gente sofre com isso, e agora, nessa escola, as garotas não deixaram eu entrar no banheiro feminino, e dizem que vão me filmar. Os meninos não nos deixam entrar no banheiro masculino. Aí, mandaram a gente usar o banheiro para deficientes, mas ele não tem nem maçaneta. A gente não pode sequer trancar o banheiro", desabafou L., durante entrevista exclusiva a O SÃO GONÇALO, acompanhado do irmão gêmeo, e da mãe, Silvana Francisca da Silva, 49 anos, que procurou a reportagem para denunciar a transfobia e o preconceito contra os filhos dentro do ambiente escolar.

N., por sua vez, conta que os dois evitam usar o banheiro da escola por medo e por falta de privacidade, já que um funcionário da escola já entrou no banheiro, que não tem área reservada, enquanto um dos adolescentes utilizava o espaço. A situação passou a prejudicar a saúde dos jovens. N. passou a ter infecções urinárias recorrentes, com retenção de urina prolongada, um problema comum em casos semelhantes, conforme diagnóstico médico.

Uma luta em várias frentes

A mãe dos adolescentes, a dona de casa Silvana, tem sido uma defensora incansável da luta dos filhos por seus direitos e contra o preconceito. "Eu não perdi duas filhas, eu ganhei dois filhos. Eu os amo como eles são. Os parentes se afastaram, assim como a comunidade da igreja em que éramos membros, mas eu nunca vou abandonar meus meninos", afirma Silvana emocionada.

Imagem ilustrativa da imagem Irmãos gêmeos trans enfrentam preconceitos e transfobia em escola estadual de Maricá

Diante da omissão da escola, que se limitou a sugerir o uso de um banheiro inadequado, Silvana buscou ajuda no Centro LGBT de Maricá, que acionou o Conselho Tutelar e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Agora, ela luta para ser ouvida. “O que eu quero é simples: que meus filhos tenham os direitos garantidos, como qualquer outro estudante. Eles são adolescentes e não deveriam estar passando por isso”, declara Silvana, destacando a importância de um acolhimento mais humano nas escolas públicas.

"Uma batalha diária"

Para os irmãos, o futuro é o que os mantém motivados. L. sonha em cursar Medicina ou Direito, enquanto N. almeja ser psicólogo ou médico. "É todo dia uma batalha diferente. Ou você combate, ou acaba sucumbindo. Mas minha família me dá força, e queremos que outras crianças e adolescentes trans sejam acolhidos pelos pais. Esse é o meu maior desejo", afirma L.

Com o apoio da mãe, os irmãos esperam que a nova direção do Ciep traga mudanças positivas. “A escola deveria ser um lugar de segurança, mas não é o que vivemos hoje”, lamenta N.
Com o apoio da mãe, os irmãos esperam que a nova direção do Ciep traga mudanças positivas. “A escola deveria ser um lugar de segurança, mas não é o que vivemos hoje”, lamenta N. |  Foto: Layla Mussi

Os irmãos também enfrentam problemas com os nomes sociais, que demoraram para ser incluídos nos cadernos de chamada, mesmo já constando no site da Secretaria Estadual de Educação. “Como o nome do diário estava diferente do nome do cadastro, minha nota foi lançada errada e tive que resolver mais esse problema”, contou N.

O que diz a lei?

De acordo com a legislação brasileira e as diretrizes do Ministério da Educação, os estudantes trans têm o direito de usar o nome social e acessar os banheiros que dependem de sua identidade de gênero. No entanto, na prática, esses direitos ainda enfrentam resistência, especialmente em espaços escolares.

Ativista, assistente social, fundadora e presidente da Associação de Famílias Inclusivas de Maricá, Bárbara Piergrossi destaca que "a escola tem obrigação de respaldar e garantir a segurança e o direito dessas crianças e adolescentes. Uma vez que dentro da escola, eles estão sob a custódia da diretoria daquela instituição. É de extrema importância que a gente chame a responsabilidade do estado para essa questão. Para mim, um banheiro exclusivo é um cerceamento, entretanto eu entendo que pela cabeça das pessoas essa é a solução no momento, e eu não desprezo. Só que eu acredito que poderia ter, sim, inspetores nas portas do banheiro, e não só pelos meninos trans, é por toda e qualquer criança que possa sofrer alguma coisa dentro do banheiro".

O caso dos irmãos é um exemplo da necessidade urgente de sensibilização e treinamento de gestores escolares para lidar com a diversidade, além de políticas públicas mais efetivas para proteger crianças e adolescentes LGBTQIA+.

“Nós já tivemos na escola e a diretora informou que não tem funcionário para ser colocado na porta dos banheiros, então que se contrate. Pois é uma demanda que a escola terá que absorver e contratar inspetores para garantir a segurança. Nós perdemos a lei do banheiro, quando o Supremo achou que não era constitucional, mas temos que ressaltar que o Supremo não proíbe a entrada dos trans no banheiro. Mas, agora, o que a gente pede, é que pelo menos esse banheiro exclusivo tenha uma chave para uso livre, não que essas crianças precisem ficar atrás de funcionários para usar o banheiro, ou muito menos, que funcionários entrem no banheiro que é de uso exclusivo para eles. Pois estamos falando de crianças e adolescentes. Independente do gênero, primeiro temos que salvaguardar as crianças e os adolescentes", finalizou a ativista.

Para Silvana, a luta vai além dos próprios filhos.
Para Silvana, a luta vai além dos próprios filhos. |  Foto: Layla Mussi

"Eu sempre fico pensando que há crianças trans que não têm o apoio da família. Meu maior desejo é que essas mães acolham seus filhos. Isso pode salvar vidas", enfatiza.

Silvana não foi comunicada sobre a renovação de matrícula dos filhos e aguarda a nova data do calendário de matrícula para tentar manter os adolescentes no Ciep.

Em nota, a Secretaria de Estado de Educação informou que “no início do ano letivo, a instituição foi procurada para atender os estudantes e a direção se reuniu com a família, para dar todo o suporte a eles, incluindo a questão do banheiro, quando foi definido, em comum acordo, que a unidade teria um banheiro unissex, disponível para qualquer aluno usar. Ressaltamos também que os estudantes que têm nome social estão nos diários de classe e todos os professores foram instruídos a usá-los".

"O Ciep, assim como toda a rede, desenvolve ações pedagógicas de conscientização, escuta ativa e diálogo com os alunos, trabalhando para que a cultura de paz esteja sempre presente dentro e fora dos muros das escolas", continua a nota.

"A Seeduc repudia toda forma de agressão, não compactua com qualquer tipo de violência e discriminação. O órgão também orienta que, caso ocorra algum problema, eles possam se dirigir à coordenação pedagógica e (ou) a diretoria regional da área e, caso comprovada a situação, todas as medidas cabíveis serão tomadas”, finaliza a nota da Secretaria de Estado de Educação.

Matérias Relacionadas