Fundadora da AbraRio celebra decisão histórica que autoriza cultivo de cannabis para uso medicinal: 'Dor que se transformou em amor'
Associação fundada por Marilena Oliveira, mãe do jovem Lucas, portador da Síndrome de Rasmussen, fica localizada em Niterói e atende milhares de pacientes por todo o país

Fundada por Marilene Oliveira, em Niterói, no ano de 2020, a AbraRio (Associação Brasileira de Acesso à Cannabis Medicinal do Rio de Janeiro) conquistou, no dia 18 de março, uma decisão judicial histórica, em segunda instância, que autoriza o cultivo de cannabis para fins medicinais, garantindo, assim, à Associação o direito de pesquisar, plantar, cultivar, manipular, transportar, extrair, embalar e distribuir produtos à base de cannabis exclusivamente para seus associados, mediante prescrição médica.
Em entrevista ao O SÃO GONÇALO, a niteroiense celebrou a decisão, que, por unanimidade, assegura juridicamente as atividades da AbraRio, que, comprometida com as necessidades de pessoas que utilizam cannabis como tratamento terapêutico para diversas condições de saúde, transforma vidas.
"Essa conquista é gigantesca não só para a AbraRio, mas para todo o movimento associativista. A gente vem de uma longa caminhada, e quando tudo começou, lá atrás, dei entrada em um pedido de habeas corpus para ter o direito de produzir e plantar para o meu próprio filho, que é portador da Síndrome de Rasmussen. Desse habeas corpus, eu já comecei a plantar em minha casa e ajudar outras famílias, o que não é o correto, mas era o caminho naquele momento. A partir disso, a gente entrou com um pedido e recebemos a liminar para a AbraRio poder plantar, produzir, fornecer e transportar produtos à base do extrato de cannabis. Foi uma felicidade receber essa liminar em 2021, mas um mês depois ela caiu, a Anvisa e a União recorreram da decisão. Logo em seguida, recebemos a nossa sentença de autorização, só que a União recorreu novamente, e agora, no dia 18, tivemos uma decisão em segunda instância na qual, de forma unânime, por 3 votos a 0, não somente mantiveram a nossa sentença, como também a ampliaram: agora podemos não só fornecer extrato de cannabis, como também produtos à base de cannabis, o que é muito amplo. A decisão também deixa claro que nem a Anvisa nem a União têm poder jurídico em relação ao cultivo da AbraRio", comemorou a Presidente da AbraRio, Marilene Oliveira.



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A Associação possui, hoje, em torno de 3 mil associados em 17 estados + o Distrito Federal, e atende pouco mais de 450 CID's [Classificação Internacional de Doenças] diferentes, fornecendo o óleo de cannabis para tratamento de pacientes diagnosticados. Entre as CID's atendidas, o maior número se concentra em: Ansiedade, Fibromialgia, Esclerose múltipla, Parkinson, Alzheimer, Epilepsia, dores crônicas, enxaqueca.
"Hoje a gente tem parceria com médicos do Brasil inteiro que são parceiros da AbraRio e prescrevem para a Associação. Além disso, alguns médicos atendem dentro da nossa própria sede, onde a gente fornece o espaço de forma gratuita para que eles possam atender e só pedimos que a consulta seja num valor social. A pessoa nos procura através de um médico, ou do nosso site, rede social, com um laudo, receita médica e os documentos sociais. A partir daí, se torna um associado [porque a gente só pode fornecer a cannabis medicinal para associado], paga uma taxa anual e depois, com tudo ok, passa a ter login e senha para, dentro do site, realizar os pedidos de acordo com sua prescrição médica. O associado pode receber o produto em casa ou retirar na nossa sede", explicou Marilene, que informou também que a AbraRio possui diversas parcerias para manter o controle de qualidade.
"Todos os nossos produtos são enviados para a UNICAMP, DAL [laboratório privado], além de termos parceria com a UFRJ, UFRRJ e USP".
A fazenda de uso da AbraRio para plantação da cannabis fica localizada em Cachoeiras de Macacu.




Mesmo após receber a vitória, vale destacar que a luta de Marilene começou há cerca de 19 anos, quando seu filho mais velho, Lucas, foi diagnosticado, aos 4 anos, com a Síndrome de Rasmussen.
Trajetória de dor e amor
A cannabis medicinal entrou na vida de Marilene como uma chance de oferecer qualidade de vida ao filho mais velho [hoje com 23 anos]. Casada e mãe de 4 filhos, a Presidente da AbraRio iniciou sua batalha pela sobrevivência do filho há muitos anos.

"Ele nasceu saudável, mas aos 4 anos de idade teve sua primeira crise convulsiva e essa crise só foi aumentando, chegando ao ponto de ter 60 crises epiléticas por dia. Eram muitas idas a médicos, internações, aumento de doses de medicamentos, e as crises não eram controladas. Ele se machucava muito, vivia cheio de hematomas, e por conta das muitas medicações, também tinha muitos efeitos colaterais. Era um ciclo vicioso: tomava medicação para não convulsionar e aquela medicação causava alguma infecção que fazia ele voltar a convulsionar. Eu não podia trabalhar e ele não podia ficar na escola, porque eram muitas crises severas e inesperadas", iniciou o relato.
"Aos 14 anos de idade, em uma dessas internações, ele chegou a ficar 18 dias convulsionando. Foi quando ele perdeu todos os movimentos, parou de andar, falar, e ficou em estado vegetativo. Eu não sabia nem se meu filho me reconhecia, ele só mexia os olhos. E foi a partir deste momento que fui atrás do médico que o diagnosticou e cuida dele até hoje e, desesperada, desabafei que não aguentava mais ver o meu filho daquela forma. O doutor me informou que algumas mães estavam trazendo de outro país o extrato de canabidiol, dando para os filhos e obtendo resultados positivos. Na hora fiquei assustada, porque eu tinha preconceito com a maconha, cresci ouvindo tudo aquilo de mal, mas era uma chance para o meu filho e resolvi tentar. Só que o custo do medicamento para o Lucas naquela época era em torno de 5 mil reais mensais, além de ser ilegal, e eu vivia de um salário mínimo", contou Marilene.
Primeiro contato com a ABRACE
Durante sua busca pelo produto que poderia dar a esperança que seu filho tanto precisava, Marilene conseguiu entrar em contato com Cassiano, presidente da Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (ABRACE), primeira associação a cultivar cannabis medicinal no Brasil, localizada em João Pessoa, na Paraíba.
"Cheguei e contei a história do Lucas. Ele imediatamente mandou um vidro de óleo para o meu filho e o resultado foi surpreendente. Lucas foi um dos primeiros casos de sucesso no Brasil. De estado vegetativo, meu filho voltou a andar, falar, andar de bicicleta, voltou para a escola e as crises que eram 60 por dia, zeraram. Foram anos de muita luta, mas conseguimos tirar todos os anticonvulsionantes dele e ficar apenas com o óleo de cannabis [que ele recebeu gratuitamente por muitos anos, pois não tinha condições de pagar]."
"Com o passar do tempo, tentando dar alguma lógica para toda a dor que eu vivia, comecei a ajudar outras famílias dentro de instituições, e aí surgiu um projeto social de mães que se ajudavam. Eu pude ver que a minha dor era enorme, mas tinham mães com dores muito maiores. E ali começamos a fazer rodas de conversa, aniversários para os nossos filhos [que nunca eram convidados para festas devido ao preconceito], consegui doações de alimento, medicamento, assistência social e jurídica. E essas famílias, acompanhando o progresso do Lucas, também queriam o tratamento com a cannabis. Comecei a mandar essas mães para a ABRACE e com algumas que não tinham condições, eu dividia o óleo do meu filho, o que também era ilegal. Só que isso tomou uma proporção gigante, famílias por todo o país me procuravam para conseguir o óleo, e chegou uma hora que o Cassiano e o médico do meu filho me motivaram a fundar a Associação", contou.
Marilene foi pessoalmente até a ABRACE, onde pôde conhecer toda a estrutura da Associação. No local, segundo ela, haviam fotos de Lucas espalhadas por todas as paredes, exemplificando para outros pacientes, a eficácia da cannabis medicinal.
Segurança e propósito de vida
A conquista da decisão judicial encerra mais um capítulo da história da AbraRio e abre espaço para um novo, repleto de esperança e segurança no trabalho realizado. A superação das diversidades de sua própria vida, deram a chance de que Marilene pudesse facilitar a vida de uma infinidade de pessoas, deixando um legado de resiliência e convicção na luta por aquilo que acredita.
"O Lucas é e sempre vai ser a minha maior inspiração. Ele segue não usando nenhum outro tipo de medicamento, apenas o óleo. Está com as crises controladas e hoje tem qualidade de vida, que é o que importa. Infelizmente ele ainda tem algumas sequelas, limitações, porque essa foi a última opção de tratamento pra ele né, demorou muito. Mas, graças a Deus, ele ainda teve tempo, e quem não tem?", questionou Marilene.
"Esse momento que estamos vivendo, para mim, é uma explosão de felicidade, de verdade, porque eu costumo dizer que toda a minha trajetória é uma trajetória de dor que se transformou em amor. Não foi fácil chegar até aqui, foram muitas lágrimas e muito medo de perder meu filho. Essa decisão garante segurança jurídica não só para Associação, mas também para os nossos colaboradores e associados. É algo que mudou a minha vida, a vida do meu filho e da minha família, e vem mudando a de muita gente. Os preconceitos nunca me abalaram ou me feriram, só me deram mais força para continuar. O meu diretor jurídico costuma dizer que "quanto mais me aperta, mais eu cresço"", afirmou Marilene.
A sede da Associação Brasileira de Acesso à Cannabis Medicinal do Rio de Janeiro fica localizada no Edifício Fórum - Avenida Amaral Peixoto, 467, sala 1406, no Centro de Niterói.
Saiba mais sobre a AbraRio em abrario.org, pelo e-mail [ acolhimento@abrario.org] ou pelos telefones (21) 3254-1995 e (21) 98204-3786.