Moradores do ‘Prédio da Caixa’ em Niterói são removidos após determinação da Justiça
Desocupação foi marcada por protestos das famílias que viviam no prédio
Por Daniela Scaffo
O Edifício Nossa Senhora da Conceição, que fica no Centro de Niterói, foi desocupado na manhã de ontem, após ser interditado pela Justiça. No prédio de 11 andares, que fica na Avenida Amaral Peixoto, tinha 385 habitações e 15 estabelecimentos comerciais, ou seja, aproximadamente 1,5 mil pessoas foram afetadas com a interdição.
Segundo o promotor de Justiça Luciano Mattos, titular da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural do Núcleo de Niterói, o Ministério Público acompanha as questões das condições do imóvel desde 2010, quando instaurou-se um inquérito civil para apurar.
“Foram feitas investigações por três anos e em 2013 o Ministério Público entrou com uma ação na Justiça, considerando que não conseguiu resolver sem ter que entrar com a ação, e postulou a recuperação do imóvel, inclusive cobrando do condomínio e dos demais órgãos providências porque o local já apresentava condições de insalubridade. De 2013 pra cá, a situação piorou cada vez mais, e então em janeiro, quando assumi o caso, coincidentemente chega um laudo da Enel, feito por uma profissional contratada para isso, uma avaliação de engenharia drástica trazendo uma enorme preocupação, apontando risco efetivo de incêndio ao local. Isso foi apresentado ao processo, na 7ª Vara Cível, a juíza pediu a manifestação do MP e eu fui aprofundar essas questões a partir da comunicação da Enel. A empresa nem aguardou a decisão judicial e avaliou que a questão era tão perigosa que efetuou o corte na rede de todo prédio”, informou o promotor.
Ainda segundo Luciano Mattos, foram feitas reuniões com todos os órgãos envolvidos e todos apresentaram seus laudos. Porém, ele explicou que em sua maioria, tinham dificuldades em fazer inspeções e fiscalizações no local. “O Corpo de Bombeiros fez interdições no local. Para evitar uma tragédia como aconteceu em Muzema, e também lá em São Paulo, a gente fez o pedido de desocupação. Isso foi feito no final de março e em 10 de abril a juíza decretou.
O prazo fixado para a desocupação voluntária era em 25 de maio. Foi determinado a intimação do município para prestar assistência aos moradores, o município não recorreu e está prestando toda assistência. Após a desocupação será feita uma avaliação de todo imóvel, inclusive de risco estrutural para saber o que tem lá dentro. A interdição é temporária para regularizar o prédio”, emendou.
O advogado Luciano Tolla, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, contestou a posição do Ministério Público. Para ele, há um agravo sendo proposto com advogados constituídos pelo condomínio com base em uma decisão do Tribunal datada de 2014, que não conseguiu a tutela para que os moradores saíssem.
“Tudo que está acontecendo aqui, precede de contraditório e tem que ouvir a parte contrária. Para acontecer o que está acontecendo, teria que ter tido uma perícia com um laudo complementar e em conjunto com todas as entidades que porventura tivesse que avaliar, ou seja, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Ação Social, Habitação e por aí vai, o que não foi feito, existe tão somente o laudo do Bombeiro”, explicou o advogado.
Interdição em meio a protestos
A desocupação foi marcada por protestos das famílias que viviam no prédio. Em um dos momentos, uma mulher chegou a atear querosene no próprio corpo. Em outro, um morador incendiou papéis que estavam em um dos imóveis do terceiro andar. O fogo chegou a atingir a cortina do apartamento e o incêndio precisou ser controlado pelo Corpo de Bombeiros.
Vários cartazes também foram fixados na entrada do edifício. Neles, os inquilinos cobravam respostas do porquê eles estavam sendo retirados dos prédios para realização das obras, entre outras cobranças, como o aluguel social que não foi pago para muitos dos moradores.
Moradora do local há quase cinco anos, a ambulante Patrícia dos Santos Ferreira, de 38 anos, foi uma das que não recebeu aluguel social da prefeitura.
“Minha filha foi para a casa da minha mãe em São e eu e meu marido não temos para onde ir. Não recebemos aluguel social, ao contrário de pessoas que nunca moraram aqui no prédio e que receberam”, informou.
Já a dona de casa Miss Mara Souza, 39, contou que conseguiu se cadastrar para receber o aluguel social, mas acredita que o valor seja injusto para quem tinha moradia no Centro de Niterói.
“É pouco, a gente não consegue outra casa na região central por R$782. Moro com cinco filhos e uma neta com problema crônico, que precisa fazer hemodiálise. Eu recebi, mas tem muitas pessoas que não ganharam nada”, contou a mulher, que mora no prédio há oito anos.
Maria de Lurdes, 84, está com todos os seus boletos de IPTU em dia e reclama de não ter tido direito ao aluguel social. “Morava aqui há 40 anos, comprei meu apartamento. Agora vou ter que me mudar para a casa da minha sobrinha. Tenho todos os documentos de que eu moro aqui legalmente”, declarou.
O ascensorista Evandro Lima de Oliveira, 22, contou que a prefeitura ofereceu moradia em um dos abrigos da cidade e que também não conseguiu o aluguel social. “Eu não vou me abrigar em um local com um monte de gente que não conheço. Moro aqui há cinco anos e sempre paguei o aluguel. Por que não alojaram a gente e depois tomaram essa atitude?”, indagou Evandro.
Mas não foram apenas os moradores que sofreram com a desocupação. Alguns lojistas também tiveram as lojas arrombadas e interditadas.
“Eu não fui notificado judicialmente sobre essa desocupação. Hoje, chego aqui e simplesmente cortam a porta da minha loja e interditam”, informou um comerciante, que preferiu não se identificar.
A Prefeitura respondeu que “por determinação judicial, está dando suporte às famílias e pagamento de benefício assistencial aos moradores que se enquadrarem nos critérios definidos em lei”.