Racismo e injúria racial: casos crescem em todo o país
Bernardo e Danillo: dois jovens negros que afirmam ser vítimas de racismo
George Floyd morreu ao ter o seu pescoço esmagado por um policial apenas por ser negro. Matheus Pires sofreu racismo por sua cor de pele em um condomínio de luxo em São Paulo quando estava entregando comida. Matheus Fernandes foi imobilizado por guardas de um shopping no Rio apenas por ser negro quando ele estava tentando apenas trocar um relógio que comprou em uma loja. As modelos Mariana Vassequi e Ruth Morgan tiveram seus cabelos chamados de "filhote de patrão" e "cabelo brasileiro, pela ascendência ética", respectivamente, por terem cabelos crespos e cacheados. Todos esses casos de racismo viralizaram na internet nos últimos meses. Mas, esses são apenas alguns exemplos do que as pessoas de pele preta sofrem. Todos os dias, negros tem que conviver com palavras racistas, olhadas desconfiadas e possíveis agressões verbais ou físicas. Mas, não é preciso ir tão longe para falar sobre racismo.
Em São Gonçalo, o racismo e o movimento Black Lives Matter se fazem presentes. Após a morte do menino João Pedro, negro, morador de favela, que estava apenas brincando com os amigos, os gonçalenses sentiram a necessidade de se manifestar contra os casos de racismo cotidianos. O movimento Black Lives Matter cresceu, mas o racismo ainda se faz presente todos os dias no município. Entenda alguns casos:
Caso Bernardo no Extra
O jovem Bernardo Marins, de 20 anos, foi vítima de uma caso de racismo no Hipermercado Extra de Alcântara em São Gonçalo/RJ, no último dia 18. O mesmo teria ido ao local comprar ingredientes para fazer um bolo para o seu aniversário. Bernardo conta que assim que entrou no estabelecimento, um segurança começou a seguir ele e parou no corredor que ele estava e começou a passar o rádio pedindo para verem nas câmeras se Bernardo tinha colocado alguma coisa dentro de sua bolsa. O guarda ainda afirmou que Bernardo, um rapaz negro, tinha roubado alguma coisa e colocado em seu bolso. Bernardo postou um relato emocionado do caso nas redes sociais. Na publicação, ele conta que seu bolso estava cheio de moedas e que pediu para falar com o gerente do local, já que se sentiu humilhado com o segurança. O gerente afirmou que aquilo não era racismo e que o segurança estava fazendo seu trabalho normal de andar pelo mercado. Tudo o que Bernardo pegou, ele pagou, mas ainda assim ele foi chamado de "ladrãozinho" pelo mesmo segurança quando deixou o estabelecimento.
"Eu chorei tanto, foi o meu pior aniversário da vida. Eu estava com o cabelo loiro, já que em todos os meus aniversário eu passo de cabelo loiro, mas nesse dia, cheguei em casa e pintei meu cabelo de preto novamente, porque eu estava tentando achar um motivo para ele me chamar de ladrão. Eu tive crises de ansiedades, coisas que eu já havia tratado e que eu não sentia mais há mais de um ano", contou Bernardo com exclusividade ao jornal O SÃO GONÇALO. Ele faz faculdade de gastronomia e nutrição e é confeiteiro.
O jovem disse que vai entrar com um procedimento na Justiça, pois se sentiu humilhado. "Eu não consigo dormir direito pensando na humilhação que passei naquele dia. A sensação de todo mundo te olhando, de todo mundo achando que eu sou ladrão. Eu não consigo acreditar que isso aconteceu comigo. Eu já sofri racismo, mas nunca fui tão humilhado! Certamente nas câmeras do local eles viram que eu não roubei nada, pois não me revistaram nem nada", contou Bernardo que relatou que o Extra até pediu desculpas pelo caso, mas afirmou que, mesmo assim, vai entrar com um processo judicial contra o estabelecimento.
Caso Danillo
Um outro caso de racismo registrado, dessa vez, em Niterói, é o do jovem Danillo Félix Vicente de Oliveira, de 24 anos, que vendia roupas para sustentar sua família na pandemia. Ele foi preso no dia 6 de agosto, após ter sido acusado de roubo com o uso de armas. O crime teria ocorrido no dia 2 de julho e, segundo a advogada Cristiane Lemos, a polícia não tem nenhuma prova contra Danillo e ele não se parece fisicamente com as descrições dadas pela vítima do criminoso que cometeu o roubo. A advogada categoriza o caso de Danillo como resultado de um racismo.
"Ele foi acusado de roubo a mão armada, sendo que as característica do assaltante eram as de um rapaz pardo de bigode fino, mas o Danillo é um rapaz negro com dreads", disse Ana Beatriz Sobral Faria, de 21 anos, esposa de Danillo.
A família e a comunidade do Chácara e do Arroz, local onde Danillo mora, lutam agora para conseguir ter a acesso às imagens de segurança da Rua Visconde do Rio Branco, no Centro de Niterói, local onde ocorreu o assalto, para provar que Danillo não é o homem que está nas imagens e que ele não cometeu o crime, sendo assim, preso injustamente. Danillo hoje está no Presídio Tiago Teles de Castro Domingues ( ISAP), em São Gonçalo, aguardando a resolução do caso.
"Ele está muito mal, ele afirma que não cometeu isso. Está havendo um descaso tão grande com a busca das câmeras. A vítima do roubo afirmou que tinham câmeras de segurança no local. O oficial de Justiça foi no prédio, onde ocorreu o roubo, mas as imagens do prédio, que fica de frente para onde ocorreu o crime, somem após 30 dias e já sumiram. O agente da Justiça foi então até a Prefeitura, pois lá as imagens não somem assim. Mas, ele pediu as imagens erradas, pois o crime ocorreu no dia 2 de julho e o agente pediu as imagens de 2 de junho, o mesmo erro estava em um documento do Ministério Público sobre o caso. Pedimos a correção, mas o erro se repetiu nessa situação das câmeras. Ele pediu depois da fachada do prédio, mas o crime não ocorreu na fachada do prédio e sim na parte de trás do prédio. A gente sabe que se fosse um jovem branco inocente, ele sequer seria transferido para um presídio, como ocorreu com o Danillo que é negro", contou ainda a companheira de Danillo.
A advogada do mesmo, Cristiane Lemos afirma que está buscando, junto a família de Danillo, revogar judicialmente a prisão sem provas do mesmo. "Deve haver o reconhecimento de falha da delegacia, da falta de cuidados nos registros das câmeras e a ideia de um racismo social. A família de Danillo busca recorrer e está gastando tudo que pode, tanto financeiramente quanto psicologicamente, para resolver o caso", contou ela.
Manifestação do Black Lives Matter em São Gonçalo
Esses foram apenas alguns dos casos de racismo na região. Por conta desses e outros casos do Brasil, jovens negros de São Gonçalo estão se reunindo em uma manifestação para lutar por seus direitos e clamar pela justiça para o povo preto. Com base nisso, no próximo dia 12 de setembro, às 10h, terá início, no Prédio do Relógio no Alcântara, mais um movimento do "Vidas Negras Importam" ou "Black Lives Matter", como conhecido internacionalmente. Na ação, os jovens vão lutar por tantas vidas negras possíveis, incluindo a de Bernardo e seu caso de racismo no Extra.
"Sabemos que nosso companheiro não foi o primeiro preto a sofrer racismo no hipermercado, por isso, temos que lutar para que seja o último, pelo menos em nossa cidade. Está muito difícil viver num país que repagina cotidianamente a nossa pele preta como um problema. O Estado brasileiro insiste em colocar nossa cor na criminalidade, exposto à violência e morte! Até quando em nosso país seremos tratados com tanto racismo em todos os tempos e espaços de convivência? Queremos justiça e não apenas uma pequena retratação por parte do Hipermercado Extra. Justiça ao Bernardo Marins!", contou Angélica Andrade, 19 anos, estudante de engenharia florestal.
Injúria Racial X Racismo
O especialista em Direito Penal e mestre em Direito das Relações Sociais, Leonardo Pantaleão explica um pouco sobre a existência do racismo estrutural no Brasil. “A existência de um racismo estrutural agravado pela desigualdade social do país, que leva a situações de violência policial, preconceito e discriminação”, afirma ele que é escritor, professor e advogado.
Ele também explica o que é o racismo e sua diferença com relação à injúria racial. “Racismo é quando o infrator pratica uma ofensa coletiva, atingindo um número indeterminado de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça, sendo inafiançável e imprescritível”, diz ele. Já sobre a injúria racial, ele afirma que "é um crime contra a honra subjetiva da vítima. Somente se processa mediante representação do ofendido."
Nota do Hipermercado Extra
Em nota, o Hipermercado Extra informou que afastou o funcionário responsável pelo caso e que esse tipo de atitude não faz parte da orientação do estabelecimento para seus empregados. Confira a nota completa do estabelecimento:
"A rede informa que, tão logo tomou conhecimento sobre o ocorrido, no dia 19 de agosto, acionou imediatamente a loja de Alcântara, iniciando assim um processo interno de apuração. A empresa conseguiu contato com o cliente Bernardo no último dia 20 para se desculpar pela situação vivenciada por ele na loja e incluí-lo no processo de averiguação dos fatos. Até que este processo seja concluído, a rede optou pelo afastamento temporário do funcionário citado pelo cliente. O Extra não orienta os funcionário para qualquer tipo de atitude discriminatório ou desrespeitosa, inclusive condena a mesma em seu Código de Ética e na política de diversidade e direitos humanos da rede. A empresa disponibiliza um canal para recebimento e apuração de denúncias que infrinjam o Código de Ética da Companhia e também participa da Coalização Empresarial pela Equidade Racial e de Gênero, que estimula a implementação de políticas e práticas empresariais no campo da diversidade. Desde 2017 tem uma agenda formativa sobre o tema. Em 2018 implantou um grupo interno de Afinidade de Equidade Racial, formado por colaboradores(as) negros(as) e não negros(as) comprometidos em construir com a empresa um ambiente de trabalho cada vez mais inclusivo e de promoção da equidade racial. Qualquer denúncia contrária a orientação e às políticas da cia sobre este tema, é rigorosamente apurada e, se comprovada a veracidade, são tomadas todas as providências necessárias."
Caso Danillo na Justiça
Já sobre o caso Danillo, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro informou que "de acordo com a 76ª DP (Niterói), o inquérito foi concluído com base nos elementos produzidos durante a investigação e remetido à apreciação do Ministério Público na forma da lei".
Já o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, informou que o processo corre na 1ª Vara Criminal de Niterói e que, no último dia 20, foi expedido um mandado de busca e apreensão das imagens das câmeras de segurança do local do crime. Mas, o juiz do caso afirmou que não foi possível conseguir as imagens do caso e, no dia 21 de agosto, indeferiu o pedido de revogação de prisão feita pela defesa de Danillo, segundo manifestação do Ministério Público.
Confira as matérias anteriores sobre os temas:
https://www.osaogoncalo.com.br/geral/86604/jovem-negro-e-preso-em-niteroi-e-familia-acredita-em-racismo-eu-nao-fiz-isso-disse-ele
*Estagiária sob supervisão de Marcela Freitas