Conheça Robério, o galo guardião dos túmulos do cemitério de São Gonçalo
Robério é um galo que virou o mascote dos coveiros
Diariamente, enquanto familiares se despedem de seus entes queridos, ele costuma caminhar e se empoleirar sobre os túmulos e catacumbas do Cemitério Municipal de São Gonçalo, no Centro da cidade, erguendo a sua crina e cantando, quem sabe numa forma de homenagem aos que partem. Só nesse mês de agosto ele já teve a oportunidade de ser testemunha de 126 enterros realizados no local. Mas, há quem diga que a cada vez que repete esse roteiro, algo parecido com uma 'performance', 'Robério' faz uma celebração à própria vida.
Explica-se: Robério é um galo que virou o mascote dos coveiros, depois de escapar de um ritual clandestino, onde seria sacrificado num 'despacho' montado numa das encruzilhadas internas das vielas do cemitério, no último Dia dos Namorados, em 12 de junho, há pouco mais de dois meses.
"Infelizmente, pela fragilidade da segurança durante a noite, esses rituais ainda acontecem muito por aqui, lá pelas áreas dos fundos do cemitério. Mas, um funcionário da noite disse que antes de ser degolado ele começou a cantar muito alto, e conseguiu escapar do sacrifício pulando o muro para fora. No dia seguinte o encontramos passeando por entre os túmulos", contou um dos coveiros que adotou o galináceo, e o batizou de Robério, que desde então, virou testemunha viva de várias cerimônias de adeus.
Robério ganhou uma 'casa' construída pelos coveiros na ala leste do cemitério, com paredes pintadas de verde e telhado amarelo. Em outro 'imóvel', erguido ao lado, com telhado cor de rosa, já morava há algum tempo Shirlei, uma 'galinha d'Angola', também sobrevivente de outro ritual onde seria sacrificada. Na ala leste da 'Cidade do pé junto' de São Gonçalo, além do casal de galináceos, entre os túmulos vivem, atualmente, pelo menos, 40 gatos. "Dizem que um dia chegou o primeiro gato, e como foi bem tratado, espalhou para os demais que aqui no cemitério poderiam ter vida boa, sem ser incomodados pelos mortos. Aí, como diz a Bíblia, "cresceram e se multiplicaram", explica o coveiro.
A reportagem de O SÃO GONÇALO passou uma tarde acompanhando a rotina de Robério. E baseado, em observações do que viu e ouviu, toma a liberdade de transcrever um relato em 'primeiro cacarejo' do 'Galinho'. Diz aí, Robério!
"Na última quinta-feira, dia 27, já no final da tarde, a família e amigos se despediram de Sergio Bom Fim Rodrigues, que teve o corpo enterrado na sepultura 3.100, Quadra Vivendas, Lote 17. Terminada a cerimônia, e completadas as formalidades de praxe, todos foram embora e eu sigo aqui, vivo, e de olhos bem abertos nos mortos que continuam chegando. Só neste mês de agosto já acompanhei 126 enterros aqui. Chego a me arrepiar, só de pensar que há pouco mais de dois meses eu poderia estar morto também (Cruz, Credo!), e sem direito a uma despedida como essas que acompanho aqui. Naquela noite só sobrevivi porque cantei de galo! Mas, hoje, devo minha (boa) vida aos coveiros.
O choro e as lágrimas têm sido muito constantes por aqui nos últimos meses, desde o início dessa tal pandemia. Ainda bem que dessa vez não envolveram a gente, nem meus parentes, na história. Já 'pagamos o pato' pela tal H5N1 (gripe aviária) de alguns anos atrás. Depois culparam nossos irmãos suínos (H1N1). Agora, ainda estão tentando arrumar um 'bode expiatório' para tudo isso. Mas, vida que segue por aqui!
Fiquei sabendo pelos comentários dos coveiros que já foram mais de 650 mortos sepultados nos seis cemitérios da cidade. Mas, Graças a Deus, a população de São Gonçalo elegeu um prefeito que é médico. Dizem que o Doutor tem 'comemorado' a situação da cidade, a segunda em número de mortos pela pandemia em todo o Estado do Rio, com brindes de cerveja Heineken ao pôr do sol na Praia das Pedrinhas, famoso cartão postal do município. E, sem se esconder atrás de uma máscara (item de uso obrigatório para proteção, e passível de multa a quem não usar, segundo decreto do prefeito). Parabéns e tin,tin, Doutor!!!
Mas, deixa eu me apresentar logo, antes que vocês não entendam nada e desistam de conhecer minha história: Meu nome é Robério. Eu sou um galo de crista vermelha. Vocês vão poder comprovar isso no vídeo e nas fotos que foram tiradas (sem minha autorização). Não sei a minha idade certa, mas dizem que pelo meu peso e minha aparência, ainda sou novo (não corro risco de ir para a panela). Hoje, meu terreiro é as vielas entre os túmulos e catacumbas do Cemitério Municipal de São Gonçalo. Estou por aqui desde o último Dia dos Namorados, 12 de junho, que caiu numa sexta-feira, quando alguma dama apaixonada queria oferecer minha vida em troca do amor eterno de alguém. Sobrevivi, como vocês já sabem.
Aliás, desde que estou aqui não tenho notícias da Rosinha, minha namorada. E, daqui aproveito para mandar um beijo pra ela, e quem sabe se alguém que a conhece pode dar-lhe notícias minhas ao ler essas linhas?! Beijos bicudos, Rosinha!!!
Mas, admito que como somos de carne, osso e pescoço (esse tem sido um dos pontos fracos e a perdição da minha família aos longos dos anos), e que tenho lançado olhares para uma companheira de passeios noturnos entre os túmulos: Tô fraco, tô fraco, tô fraco, Shirlei!!!"