Vou levar apenas o que cave no bolso e no coração
Há algumas semanas, falei aqui sobre a necessidade de se espalhar o vírus da leitura por este país afora. Falei do aperfeiçoamento da leitura na formação do professor e do indivíduo, de um modo geral, pois esta postura leitora é inquestionável para o aprimoramento da linguagem e para a criação de uma narrativa que dê significado à vida. Nós somos a nossa própria linguagem. Cheguei mesmo a imaginar um Brasil cheio de professores verdadeiramente leitores, contagiando seus alunos com o vírus da leitura em todos os níveis de ensino, desde o infantil à universidade, incentivando a literatura infantil e construindo um país de homens livres, bebendo livros e realizando ações conscientes e inovadoras.
Eis que, curiosa sobre o Carnaval, procuro saber como andam os temas das escolas de samba e me deparo com um título poético e instigador: “Vou levar somente o que couber no bolso e no meu coração. Uma viagem de sabedoria além da imaginação”. E que viagem é esta que a escola vai oferecer? A da leitura, a da literatura, aquela que basta deixar voar as asas das páginas do livro para que voemos com elas pelo mundo afora.
Acadêmicos de Santa Cruz é a Escola de Samba. É o povo, com sua linguagem simples, mas sábia, educando o povo. Não é uma reitora de uma universidade falando. É a sabedoria do povo clamando pela educação de nossas crianças. Dizem eles, em sua proposta, que a mensagem é simplesmente esta: “para chegarmos ao mundo sonhado... devemos fazer hoje, nossas crianças sonharem o amanhã...” Que verdade! Só se muda qualquer realidade, sonhando-se com uma diferente da que se tem, de acordo com o desejo e lutando para realizá-la.
A letra do samba deixa clara a força e a beleza do ler: “Vibrante alegria / gigante aventura/ era uma vez na ilusão/ a princesa e o dragão/ no encontro da leitura. E continua, de um jeito simples, a mostrar a importância da leitura e da literatura infantil: Eu vou, me leva / nas asas da imaginação / voltar a ser criança guardar a herança de cada lição/ a Literatura Infantil/ enriquece o meu Brasil / Vem conhecer meu castelo / num sonho mais belo / que a inocência traduz / Ó Monteiro Lobato / o gênio de fato / ilumina Santa Cruz / Só vou levar na minha emoção/ o que cabe no bolso e no meu coração”.
Com este samba vibrante, a escola, ao atravessar a passarela, recobrará, no adulto, o seu esquecido ser criança. Vai mostrar no mundo do samba - que é o mundo do povo - através do olhar para o infantil, a importância da leitura, da imaginação, da sabedoria e da moral explícitas nos contos, nas fábulas, nas narrativas folclóricas, contidas nos inúmeros livros que contam a história da Literatura Infantil Universal.
Tudo isto com base na lenda de Kiriku, criança com dons fantásticos que já nasce com a astúcia e agilidade de um adulto. Sábio e valente que é, vence Karabá, a feiticeira, não apenas lutando contra ela, mas arrancando-lhe, das costas, o espinho da maldade que lhe tinham cravado.
O bem vence o mal e dão-se as mãos para o equilíbrio da aldeia. E é aí que os letristas do samba dizem que “Vai jorrar na fonte da sabedoria/ de encantos e magias /os tambores vão soar/ conta um sábio ancião/ que na luta do bem contra o mal/ um menino com dom divinal/ enfrentou e venceu Karabá/ onde nasce a fantasia / contos de raro esplendor/ há uma luz de esperança/ brilhando no olhar do escritor”. É no olhar do escritor, então, que se inscrevem as fábulas que vêm vestidas de luzes, trazendo, debaixo de véus, a verdade da vida. Com certeza, lendas são lições e elas carregam a verdade, como diz a mãe da princesa Valente no filme do mesmo nome e como propõe a Escola de Samba Acadêmicos de Santa Cruz.
Com certeza, a Acadêmicos de Santa Cruz atravessará a avenida pincelando, com as cores da magia, o mistério de seu tema. E a Comissão de Frente, que abrirá os portões do castelo encantado da escola, tem tudo para abrilhantar a sua entrada na avenida. Será com sacis? Animais? Princesas? Dona Benta? Emília? Kiriku? Karabá? Que surpresa nos aguarda? Sei lá! Estou curiosa! Mas, coreógrafos e bailarinos para concretizar uma apoteótica apresentação, a escola tem de sobra.Boa sorte, Santa Cruz