Quanto riso! Quanta alegria!
Allah-lá-ô, ô ô ô ô ô ô /Mas que calor, ô ô ô ô ô ô/ Atravessamos o deserto de Saara/O sol estava quente e queimou a nossa cara!!! Não importa o calor. O que importa é viver, com o calor da alegria, os dias reservados à maior festa popular do Brasil. Sempre que o ano começa, as pessoas recorrem à agenda para saber quando será o Carnaval, já que sua data é flutuante. E como se calculam estes dias, em cada ano?
Todas as celebrações eclesiásticas são computadas em função da data da Páscoa, com exceção do Natal. Marca-se a Páscoa no primeiro domingo após a primeira lua cheia, a partir do equinócio da primavera no hemisfério norte ou do equinócio do outono no hemisfério sul. A Sexta-feira da Paixão, então, é a que antecede o Domingo de Páscoa. A partir daí, contam-se, para trás, 47 dias e se marca a data para se comemorar a terça-feira de Carnaval. Se no Carnaval se subvertem os papéis sociais, isto acontece também com sua data que se conta para trás e não para adiante.
Por saber que a Igreja determinava que a Quaresma deveria ser tempo de penitência e privação, o povo passou a realizar uma festa em que coubesse toda a espécie de transgressão às rígidas regras determinadas por este tempo: o Carnaval. Este folguedo popular parece ter tido seu berço em duas festividades que aconteciam na antiga Babilônia.
Na primeira, as Saceias, um prisioneiro assumia, durante alguns dias, a posição do rei, vestindo-se como ele, alimentando-se como ele e dormindo com suas esposas. Ao final dos festejos, era chicoteado e depois enforcado ou empalado. O outro rito era o rei quem realizava, no período de comemoração do Ano Novo. A cerimônia festiva tinha como cenário o Templo de Marduk, um dos primeiros deuses mesopotâmicos. Diante da estátua do deus, o rei era surrado e perdia seus emblemas de poder, o que era uma humilhação, e que expunha a submissão do rei à divindade: ninguém, nem o rei, era maior que Marduk. Após a afronta que se fazia ao rei, ele reassumia o trono.
O que havia de comum nas duas festas e que se manteve até hoje no nosso Carnaval é a subversão de papéis sociais: a transformação do prisioneiro em rei e a humilhação do rei frente ao deus.
Já a associação do Carnaval às orgias se dá por conta das festas de origem greco-romana: os bacanais, em homenagem a Baco, deus do vinho para os romanos ou as festas dionisíacas, em homenagem a Dioniso, deus do vinho para os gregos. Ambas, regadas à bebida, eram marcadas pela embriaguez e pela entrega aos prazeres da carne. A palavra Carnaval, portanto, está ligada à carne. Originária do latim - carnis levale - significa retirar a carne, que diz respeito ao jejum praticado durante a quaresma e ao controle dos prazeres mundanos.
Mais uma subversão, feita, agora, na linguagem. O que deveria ser abstenção, torna-se entrega aos prazeres da carne, nas orgias das festas em Roma: as Saturnálias e as Lupercálias. Também, em ambas, os papéis sociais se subvertiam: escravos no lugar dos senhores e senhores no lugar dos escravos. Mais uma vez, dentre tantas na história, a Igreja Católica enquadra uma festa pagã às suas comemorações eclesiásticas.
Com a ascensão de seu poder, a Igreja passa a não ver com bons olhos tais festas. Mas o forte apelo popular faz com que ela venha a assumir o Carnaval. A partir do século VIII, com a criação da Quaresma, as festividades carnavalescas passaram a acontecer antes do período religioso. Mantinha-se a data de se cometer excessos antes do período da severidade religiosa.
Aqui no Brasil, o Carnaval ganhou asas e alçou voos cada vez mais altos. Nada impedia e nem impede que ele acontecesse e aconteça da forma mais esfuziante. Imagine que em 1892, o Ministério do Interior quis mudar a data do Carnaval para junho, já que era época de clima mais ameno. Claro que não deu certo. O que aconteceu, neste ano de interessante é que o povo comemorou duas vezes o Carnaval. Logo, não tem frio, chuva ou calor que impeçam os foliões a “atravessar o Deserto do Saara brasileiro”, se acabarem no Carnaval e saírem cantando: Allah-lá- ô, ô ô ô ô ô ô / Mas que calor, ô ô ô ô ô ô!