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Jovens negros são presos injustamente através de reconhecimento fotográfico nas delegacias

Casos ocorreram em Niterói e São Gonçalo: 'Não gosto nem de lembrar do que passei na prisão'

relogio min de leitura | Escrito por Ana Carolina Moraes | 26 de fevereiro de 2021 - 14:25
Danillo ainda tem pesadelos ao lembrar da prisão
Danillo ainda tem pesadelos ao lembrar da prisão -

"Tem duas coisas que mais me doem nesse tempo preso injustamente: eu não consegui ver os primeiros passos do meu filho e passei os Dia dos Pais longe dele. Além disso, eu estava preso lá e minha família presa mentalmente comigo, pois eles não viviam, ficavam o tempo todo querendo provar minha inocência para resolver logo esse caso e me verem livre, com eles", relata Danillo Félix.

Danillo é um jovem negro e periférico. Ele faz parte do grupo de pessoas negras que foram presas injustamente por reconhecimento fotográfico no Brasil. Segundo um levantamento do Condege e da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, 83% das pessoas que passam por essa situação são negras. Além disso, o perfil dessas pessoas ainda informa que são periféricas e lutam todos os dias para conseguir colocar comida em suas mesas de forma honesta.

Após dados expostos pelo Fantástico, no último domingo (21), O SÃO GONÇALO relembra casos de famílias desesperadas que, em 2020, sofreram com essa situação e buscaram provar a inocência de seus parentes acusados injustamente. Eles acreditam que se fossem brancos, talvez não tivessem passado por essa situação.

Danillo Félix, de 25 anos, foi preso em julho do ano passado, acusado de roubo à mão armada. Em setembro do mesmo ano, ele foi solto. Ao todo, o jovem passou 55 dias detido. O caso dele é o mesmo do levantamento anterior. Ele foi identificado como culpado por um crime que não cometeu, por meio de uma foto das redes sociais. 

"Eu estava em Niterói, com um amigo meu, na frente da loja dele, conversando, quando os policiais chegaram e me abordaram. Eles perguntaram se eu era Danillo Félix e se eu sabia que havia um mandado em meu nome. Me assustei, pois nunca cometi crime nenhum. Além disso, eles me prenderam na frente de todos, foi constrangedor!", explicou o jovem, que tem um filho de 1 ano. 

Danillo ainda tem pesadelos ao lembrar de sua prisão
Danillo ainda tem pesadelos ao lembrar de sua prisão |  Foto: Filipe Aguiar
 

O caso de Danillo é um pouco diferente. Ele não tinha ficha criminal na polícia, mas foi reconhecido pela vítima do roubo através de uma foto no Facebook mostrada pelos policiais. "Não sei ainda como eles chegaram na minha foto. A vítima falou as características do homem que a roubou e eu não tinha as características do cara. Ele tinha um bigode fino e eu usava dreads. Acabei ficando preso por 55 dias. Não temos nenhum suporte na prisão. Lá, as pessoas brigam por pedaços de espuma para dormir. Ficávamos todos juntos numa cela pequena. Eu vivi uma vida de cachorro sendo transferido de um presídio para o outro e eu nunca tinha passado por nada parecido. Tem duas coisas que mais me doem nesse tempo: eu não consegui ver os primeiros passos do meu filho e passei os Dia dos Pais longe dele, por ter sido preso injustamente. Além disso, eu estava preso lá e minha família presa mentalmente comigo, pois eles não viviam, ficavam o tempo todo querendo provar minha inocência para resolver logo esse caso e me verem livre, com eles", contou ele, que hoje trabalha na área de administração.

Danillo hoje celebra a liberdade com sua esposa e seu filho de 1 ano
Danillo hoje celebra a liberdade com sua esposa e seu filho de 1 ano |  Foto: Filipe Aguiar
 

Danillo foi absolvido em 29 de setembro, quando a vítima do roubo afirmou que não havia sido ele quem a assaltou. Foi apenas nesse dia, que a vítima conseguiu reconhecê-lo pessoalmente, para além da fotografia, em uma audiência. Os 55 dias, no entanto, foram o suficiente para que o jovem ficasse traumatizado para sempre. "Eu não gosto nem de lembrar pelo que eu passei. Tem dias que eu estou dormindo e sinto um calafrio só de lembrar e pensar que posso voltar para lá novamente. Mas eu acredito na justiça divina e Deus sabe que eu não fiz nada. Minha foto continua no sistema deles, então, posso ser acusado de outros casos que não cometi pela identificação por foto e isso me preocupa", contou ele. 

Danillo hoje celebra a liberdade com sua esposa e seu filho de 1 ano
Danillo hoje celebra a liberdade com sua esposa e seu filho de 1 ano |  Foto: Filipe Aguiar
 

E foi o que aconteceu com Danillo no dia em que saiu do presídio. No dia 29 de setembro, surgiu uma outra acusação de roubo à mão armada contra Danillo e a vítima teria o reconhecido por fotos na delegacia. Ele foi acusado de três roubos e inocentado de dois desses casos, pois as vítimas afirmaram, ao vê-lo nas audiências, que não havia sido ele quem as teria roubado. Ou seja, elas o reconheceram por foto, mas, pessoalmente, viram que se tratava de outra pessoa, o que leva a crer no quanto o sistema de utilização de fotos pode ser falho. Danillo ainda responde em liberdade pelo terceiro caso, pois nesse, a vítima não compareceu à audiência para identificá-lo pessoalmente.

"Tem vários outros casos aqui em Niterói, como o do músico Luiz Carlos Justino, que também foi inocentado. Agora, eu sempre tento sair de casa com alguém do meu lado para provar aonde eu estava e com quem, para ter uma testemunha caso eu seja acusado de outra situação. Tento também sempre aparecer em câmeras nas ruas. Além disso, toda essa situação me fez valorizar minha família três vezes mais, é como se eu tivesse nascido novamente, eram eles que estavam comigo quando eu ficava orando na delegacia pedindo para Deus ser justo comigo", contou.

O pai de família agora teme pelo filho. "Tenho medo de usarem a minha foto novamente injustamente e luto muito por isso. Mas, também tenho medo pelo meu filho de 1 ano, que é negro, e pode crescer e passar pelo mesmo. Além dele, posso ter outros filhos e até netos e todos podem ser acusado do jeito que eu fui, de forma injusta, por fotos de redes sociais. Por isso, eu luto por essa causa, precisamos de alguém que lute por nós, se eu fosse branco e rico, talvez isso não tivesse ocorrido. Mas, hoje, acho que temos tido mais voz, nós como negros, sinto que estamos próximos de uma melhora e não podemos parar de lutar", completou o rapaz.

Danillo hoje celebra a liberdade com sua esposa e seu filho de 1 ano
Danillo hoje celebra a liberdade com sua esposa e seu filho de 1 ano |  Foto: Filipe Aguiar
 

Caso Camila Melanes Roque

Camila é uma jovem de 23 anos, mãe de duas meninas, que foi acusada de um crime em que não estava nem presente no local. O irmão dela, Jonathan Reis Roque, teria assaltado e passado horas sequestrando um motorista de aplicativo em uma comunidade de São Gonçalo. No momento em que o roubo ocorreu, a prima de Jonathan estava presente. Ela não teve envolvimento com o crime, mas, por estar junto, foi vista como cúmplice pelo motorista de aplicativo que sofreu o crime. Em seu depoimento, o mesmo motorista afirmou que a moça que ele viu era a irmã de Jonathan e não a prima. Isso, junto com a foto de Camila, que é parecida com sua prima fisicamente, foi o suficiente para que fosse acusada de ser a cúmplice de um assalto com o uso de armas cometido por seu irmão. No momento do roubo, no entanto, Camila estava com sua filha no pediatra.

A mãe de família passou 55 dias na prisão
A mãe de família passou 55 dias na prisão |  Foto: Arquivo Pessoal
 

A jovem ficou presa por 28 dias, longe de sua filhas e sofrendo sem saber o que seria feito dela. Mesmo com as provas de que não estava no local do crime, a acusação contra Camila levou-a ao cárcere no dia 15 de outubro. A defesa de Camila conseguiu fazer com que fosse solta em liberdade provisória no dia 12 de novembro, mas, todo mês, ela tem que assinar um documento de liberdade provisória e isso está se prolongando tanto que Camila pode perder seu emprego.

"Já tivemos duas audiências do caso, mas a vítima não apareceu. A juíza quer me colocar de frente com ela, já que só me reconheceu por foto. Até os policiais envolvidos prestaram depoimentos e afirmaram que não se lembram de mim no crime. A próxima audiência será agora no dia 8 de março. Mesmo assim, todos mês eu estou indo lá e assino o documento da liberdade provisória. Eu me sinto um lixo, desamparada, injustiçada. Tenho medo do que ainda possa vir. Me sinto uma boba por acreditar na justiça e dizer sempre que, no meu caso, ela será feita, afinal desde o começo eu apresentei provas concretas e testemunhas a meu favor, alegando minha inocência. Também fui humilhada dentro e fora da cadeia com as alegações da justiça de que eu era uma pessoa de alto risco para a sociedade e de que o meu trabalho não era lícito, sendo eu empregada há 4 anos e esse sendo meu primeiro serviço de carteira assinada. Atualmente, por conta desse processo, quase não tenho ido ao trabalho e corro o risco de perdê-lo", relatou Camila, que é uma jovem mãe, negra e periférica, como o perfil do levantamento do Fantástico. 

Hoje, ela tem medo de novamente ficar longe de suas filhas. Os traumas do tempo em que passou no presídio são fortes e Camila está fazendo acompanhamento psicológico para lidar com a situação. "Eu, que sempre fui extrovertida, agora tenho medo de ir trabalhar por ter sido presa lá, tenho medo quando vejo policiais próximo a mim e penso que vão me prender novamente. Tenho feito acompanhamento psicológico pra aprender a lidar com essa minha nova situação para, dessa forma, não passar o desespero que sinto para as minhas filhas. Em dias de operações policiais onde moro, por exemplo, eu penso que vão vir me prender também. Minha vida nunca mas será a mesma, mas ainda espero o dia que vou poder andar sem medo na rua, com o meu nome limpo e de cabeça erguida", relatou Camila. 

Confira as matérias anteriores sobre os casos acima:

Danillo Félix: 

Jovem negro é preso em Niterói e família acredita em racismo: "eu não fiz isso", disse ele. 

Familiares e amigos de Danillo Félix organizam protesto em frente ao Tribunal de Justiça de Niterói

Final feliz: Danillo Félix é absolvido por falta de provas e poderá comemorar seu aniversário com a família

Após ser solto por falta de provas, Danilo Felix tem foto usada pela polícia em outros dois casos

Caso Camila Roque:

Após sequestro de motorista de aplicativo, jovem gonçalense é presa e família afirma sua inocência

Após 28 dias de cárcere, gonçalense que teria sido presa injustamente ganha liberdade

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