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Polêmica dos ambulantes nos shoppings de Niterói é debatida na Câmara

Parlamentares, vendedores e moradores da cidade discutem o assunto

relogio min de leitura | Escrito por Lucas Luciano | 23 de junho de 2023 - 16:33
Imagem ilustrativa da imagem Polêmica dos ambulantes nos shoppings de Niterói é debatida na Câmara

Não precisa ser um frequentador assíduo dos shoppings de Niterói, no Rio de Janeiro, para perceber a grande quantidade de vendedores ambulantes que circulam pelo local. Comumente vendedores de balas e chicletes, esses trabalhadores, que já somam mais de duas mil pessoas segundo a Associação dos Comerciantes Ambulantes, fazem parte do dia a dia da população niteroiense, mesmo que muitos não gostem ou até mesmo tenham medo de serem abordados por eles. 

No entanto, embora já houvessem críticas à pratica dos ambulantes, os olhares negativos tornaram-se ainda mais evidentes na última semana, quando uma briga entre um ambulante e seguranças do Plaza Shopping viralizou nas redes sociais. O assunto chegou a ser discutido por diversos setores do município, inclusive na Câmara Municipal de Niterói. 


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Alguns vereadores da cidade, como Douglas Gomes (PL) consideraram a situação uma questão de segurança pública a ser solucionada. Em suas redes sociais, o parlamentar nomeou a classe como “quadrilha das balas” e iniciou, na Câmara, uma medida que visa encontrar meios legais para coibir a presença de vendedores de balas dentro dos shoppings do município. 

Essa proibição, contudo, na opinião da vereadora Benny Briolli, é, na verdade, apenas uma tentativa de "higienização da cidade de Niterói". A parlamentar, em entrevista ao O SÃO GONÇALO, afirmou que a medida não só é injusta, como está intimamente ligada ao racismo estrutural "enraizado na sociedade brasileira". 

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Benny comparou esse caso, ainda, à outra política pensada meses atrás pelo vereador Fabiano Gonçalves. "Ele queria que houvesse internação compulsória para pessoas em situação de rua na cidade. Ou seja, um debate de saúde mental que virou uma tentativa de criminalizar e encarcerar os dependentes químicos. É óbvio que isso é um processo de higienização. Começou nos moradores de rua, agora chegou nos vendedores de bala e nas pessoas que pedem dinheiro na rua...  Tudo porque eles não querem que pessoas pobres e pretas ocupem esses espaços", ressaltou.  

O que dizem os ambulantes
 

Wanderson Silva, ambulante da região há mais de cinco anos, acredita que o assunto possui muito mais camadas do que tem sido discutido na Câmara. De acordo com o jovem de 22 anos, a repulsa em relação ao trabalho dos vendedores de balas é seletiva, e pode variar a depender do tom de pele do vendedor. 

Wanderson Silva, ambulante há mais de cinco anos em Niterói
Wanderson Silva, ambulante há mais de cinco anos em Niterói |  Foto: Layla Mussi
  

“Uma vez eu entrei no Plaza e logo vieram três seguranças atrás de mim, tá ligado? Eles não me encostaram nem nada, mas ficaram me vigiando e pediram até para as pessoas não comprarem as minhas balas. Só que aí, enquanto eles me cercavam, eu olhei para o lado e tinha um jovem branco, mais arrumado, vendendo donuts com uma caixa grande… Sem nenhum segurança em volta…”, contou Wanderson. 

Revoltado, ele logo indagou os seguranças: “Ué, mas por que vocês não estão atrás dele também?”

A pergunta, carregada de dúvidas, levou o jovem a questionar se essa medida irá afetar igualmente os vendedores pretos e brancos da cidade. Pois, segundo Wanderson, enquanto a pele clara remete à imagem de alguém “batalhador” e “dedicado”, o corpo negro é sempre associado à marginalidade, como se não fossem capazes de utilizar aquele dinheiro para fins honestos. 

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“Tem que ser branco pra poder vender lá dentro, ‘porra’? Por que comigo, um jovem preto e periférico, eles nem hesitam em ficar atrás, mas com o moleque branco, mais arrumado, eles nem olham direito? Essa proibição é só mais uma forma de afastar os 'neguinhos' dos shoppings da cidade", ressaltou ainda. 

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coletados em 2017, mais de 65% dos ambulantes do Brasil são reconhecidos como pretos ou pardos. Esse número é ainda mais expressivo quando é analisado o trabalho informal e o desemprego no país, que, segundo o IBGE, são problemas que atingem majoritariamente a população negra. 

Outro ambulante, Rafael Soares, de 30 anos, tem uma opinião parecida com a do jovem Wanderson. Em entrevista, ele afirmou que a medida, na prática, só vai servir para os vendedores pretos. "Tudo bem, vão proibir. Mas aí vão proibir também aqueles moleques brancos de Icaraí que vendem doce dentro do shopping para pagar a faculdade? Por que a causa deles é mais importante que a minha? Eu nunca tratei ninguém mal, nunca fui agressivo... Não entendo porque meu trabalho tem que ser prejudicado", disse ele.  

O que dizem os moradores
 

Em relação à opinião da população de Niterói, as respostas variam. Enquanto alguns consideram a prática injusta com esses trabalhadores, outros acreditam que seja uma medida válida para preservar a segurança da população, dado os últimos acontecimentos. 

“Eu acho que a proibição é válida pelo fato de ser um estabelecimento comercial e os lojistas pagam aluguel, taxas e outros valores para permanecerem ali. Isso o ambulante não paga, então pra mim é interessante que seja proibido não só por isso, mas também porque o shopping é um local onde a gente procura tranquilidade - algo que não está acontecendo com essa questão dos ambulantes. A gente não sabe, por exemplo, se eles vão só vender o produto ou se vão agir agressivamente”, comentou Carlos Alberto, banqueiro de 42 anos e morador da cidade.  

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A pensionista Maria Rodrigues, de 40 anos, frequenta os shoppings há anos e também concorda com a medida.  Para ela, a questão racial não influencia a maneira como esses vendedores são tratados. “É uma questão de segurança pública somente. Porque a gente não sabe quem é quem, né? Tem muita gente que usa da esperteza para fazer uma abordagem mais grossa e repressiva. Então assim, a gente, na realidade, não sabe com quem está lidando”, enfatizou. 

Já para a estudante de 22 anos, Júlia Lins, moradora da região, é impossível debater esse tema sem levar em consideração a complexidade das relações raciais no Brasil. Ela acredita que essa iniciativa de proibição pode sim estar associada a um olhar racista por parte dos moradores, que ainda possuem, a seu ver, dificuldade de enxergar boas intenções vindas de pessoas negras. “Isso já demarca bem a maneira como a gente enxerga esses indivíduos. Em sempre pressupor que o corpo negro está apresentando algum tipo de ameaça, por não querer compartilhar dos espaços com esse grupo”, completou. 

Marcio Costa, farmacêutico niteroiense de 35 anos, concorda com o posicionamento de Júlia. “Hoje em dia tem pouca oportunidade de trabalho, sabe? E quem trabalha como ambulante precisa, também,  levar o pão de cada dia para casa. Falar que a maioria é agressiva na abordagem é uma mentira, porque tem muita gente educada. Além do mais, qualquer um pode entrar no shopping, isso não pode ser impedido. Trabalho é trabalho. Por isso eu acho que é injusto proibir esses trabalhadores de vender dentro dos estabelecimentos comerciais”, ressaltou. 

Assunto continua sendo debatido na Câmara
 

Procurado pelo O SÃO GONÇALO, o vereador Douglas Gomes (PL) afirmou que a medida de maneira nenhuma afetará negativamente a vida financeira dos ambulantes. Pois, segundo ele, a iniciativa visa acabar apenas com o comércio feito dentro dos estabelecimentos comerciais, portanto, os vendedores continuarão podendo acessar o entorno do município. 

Sobre a discussão racial, o parlamentar, que hoje está à frente no debate na Câmara, declarou que é algo que deve ser tratado com a própria instituição, para que situações como a do Wanderson não se repitam. "O primeiro passo é proibir qualquer tipo de comércio irregular dentro do ambiente privado para, assim, acabar com os casos de ameaças e extorsões relatados pela população nas últimas semanas", completou. 

Já Benny acredita que, ao invés de uma medida de proibição, o que deveria estar sendo discutido na Câmara é uma política de empregabilidade mais eficaz, que atenda essa camada do município. "O desafio tinha que ser superar as mais de três mil crianças que estão fora das escolas no momento. Ou pensar uma nova convocatória para cursos que alcancem esses vendedores ambulantes, sabe? Precisamos ampliar a política de assistência na cidade", concluiu a parlamentar. 

Em resposta aos recentes casos envolvendo ambulantes e seguranças, o Plaza Shopping informou, por meio de sua assessoria, que "repudia qualquer ato de violência e age de modo a garantir o bem-estar de seus clientes e colaboradores". Em nota, a companhia afirmou que está aberta para receber qualquer tipo de cliente, no entanto, a venda de produtos por vendedores ambulantes dentro do shopping não é permitida". 

*Sob supervisão de Cyntia Fonseca

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