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'Quem matou? Quem mandou?' Matar político virou algo comum?

Leia o segundo episódio da série de reportagens 'Quem matou? Quem mandou?'

relogio min de leitura | Escrito por Renata Sena, Ari Lopes, Felipe Galeno e Kiko Charret | 10 de agosto de 2023 - 09:53
Imagem ilustrativa da imagem 'Quem matou? Quem mandou?' Matar político virou algo comum?

“Matar político virou comum em cidades do Rio". A afirmação é do promotor Paulo Roberto Mello Cunha Júnior, atualmente à frente da 2ª Promotoria de Justiça junto à Auditoria Militar, responsável por investigar crimes cometidos por policiais militares. Com conhecimento de causa, Paulo Roberto atuou entre 2003 e 2011 como promotor titular do Tribunal do Júri de São Gonçalo, junto com a juíza Patrícia Acioli, até o assassinato dela, com 21 tiros, em agosto daquele ano.


➣ Leia o episódio anterior da série 'Quem mandou? Quem matou?' clicando aqui

O crime foi planejado e executado por policiais militares que estavam sendo julgados pela magistrada, titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo. Após o crime, em poucos dias, os executores estavam identificados. Com o avançar das investigações, a polícia civil chegou ao mandante: o tenente-coronel Cláudio Oliveira, então comandante do 7º BPM (São Gonçalo). 

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Para o promotor, a condenação dos policiais que mataram a juíza Patrícia Acioli foi um recado para que criminosos não mais atentassem contra o poder judiciário, mas no entanto, ele acredita que mesmo com todo empenho das investigações, o ‘Caso Marielle’ não servirá de exemplo. "Essa semana já mataram outro vereador (em referência a execução do ex-vereador e ex-policial militar Zico Bacana, uma das testemunhas no inquérito da morte de Marielle, Zico Bacana, em 7 de agosto, na Zona Oeste do Rio). Quando falamos de mortes de políticos, estamos falando, necessariamente, de grupos de poder, ligado ao Estado, à polícia, à política… Muitas vezes a Polícia Civil não pode ou não consegue investigar mesmo. Não tem como prosseguir. Quem pode falar, não fala pois tem medo. São crimes muito difíceis de serem investigados. No caso da Patrícia (juíza), foram empregados tecnologia, suporte e muito trabalho braçal mesmo. Demandou tempo, pessoal e para isso, outros casos podem ter ficado parados. Não tem jeito”, explicou. 

Após o assassinato de Patrícia Acioli, por medidas de segurança a direção do Ministério Público transferiu Paulo Roberto de São Gonçalo para trabalhar no MP da Capital, onde integrou o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco). “Eu precisei sair de lá. Se não antes de me matarem eu ficaria viúvo e órfão, tudo ao mesmo tempo”, disse, explicando o medo dos familiares em relação ao seu trabalho na época. 

Cinco tiros

José Benjamin, o Beija
José Benjamin, o Beija |  Foto: Divulgação

O vereador Beija foi executado em seu primeiro mandato, aos 33 anos, em 1998. Num sábado, dia 7 de fevereiro, ele convidou familiares e amigos e fez um churrasco em sua residência, na Rua Castro Faria, no Rocha. O encontro da família não tinha um motivo específico; era só mais um churrasco de final de semana, como os que o vereador gostava de participar, segundo pessoas próximas a ele apontaram na época.

Ele estava sentado na calçada, quando os assassinos chegaram num Gol que passou em frente a casa do vereador com quatro homens. Minutos depois, o veículo retornou e passou novamente em frente ao portão de Beija, e um dos criminosos atirou com uma pistola 9mm, sem sair do carro. Quatro tiros atingiram o parlamentar nas costas. Um quinto acertou sua mão. Às pressas, ele foi levado para o Pronto Socorro de São Gonçalo, mas ele não resistiu aos ferimentos.

O ex-vereador e amigo de infância de Beija, Ricardo Pericar, lembra que ele entrou para a política como representante de um grupo que não se identificava com quem estava no poder em São Gonçalo na época. “Nós estudamos juntos a vida quase toda. Desde o jardim de infância, inclusive. Naquela época eu ia me candidatar a vereador, mas descobri que o Beija também ia, então, eu o apoiei e só entrei na política dois anos depois de sua morte. Uma perda, não só para quem o conhecia. Beija caminhava para chegar à Prefeitura de São Gonçalo. Houve uma falha absurda no caso dele e, principalmente, no caso do Carlinhos da Marmoraria, em relação às investigações. Se houvessem investigado, recuperado imagens e buscassem de verdade, não teria existido o caso Marielle. Pois entenderiam que matar políticos geraria punição, assim como o que fizeram com o que fizeram nas investigações da morte da juíza Acioli ficou de exemplo para os criminosos”, opinou Ricardo Pericar. 

Sepultamento do corpo de Luís do Posto
Sepultamento do corpo de Luís do Posto |  Foto: Divulgação

Luiz Carlos da Silva, o Luiz do Posto, foi eleito em 2000 com mais de 6 mil votos. Foi o segundo mais votado, aproveitando a popularidade de seu nome como dono de postos de gasolina na região. Empresário, advogado e sócio de uma clínica no Barro Vermelho, Luiz se elegeu pelo PSC e trocou o partido pelo PDT em 2002, para tentar se candidatar à Alerj.

Não chegou a conseguir a quantidade de votos que precisava, mas continuou “popular” na Câmara, participando de uma polêmica comissão que investigava escândalos e desvios de recursos na Saúde de São Gonçalo.

Na madrugada do dia 7 de junho de 2003, seu mandato foi encerrado a tiros. Ele voltava de um haras no Engenho do Mato, em Niterói, onde havia firmado uma sociedade. Ele havia dispensado os seguranças, por se tratar de uma breve saída, e dirigia ao lado da companheira, Andréia Machado, à época com 28 anos, pela Estrada Velha de Maricá. Na altura de Várzea das Moças, o carro foi cercado por dois motociclistas e um deles disparou cinco tiros contra o vereador, fugindo em seguida.

A mulher assumiu o volante até conseguir ajuda de outros motoristas, que a ajudaram a levar Luiz até o Pronto Socorro de São Gonçalo, onde ele morreu no centro cirúrgico. Morto aos 39 anos, ele deixou cinco filhos e foi substituído na Câmara por Edilson Gomes, que já havia assumido como suplente de Beija em 98. 

Para amigos e familiares dos vereadores executados em São Gonçalo, não há dúvida que todos os crimes tiveram motivações políticas. Para Thiago, filho de Carlinhos, que lembra de ter prestado dois depoimentos à Polícia, os mais próximos orientavam que ele deveria “deixar para lá” a falta de resolução na morte do pai. Familiares de Luís do Posto contam que não puderam nem ter esperança em ver uma solução, já que sequer foram chamados a prestar depoimento. Embora eles tenham preferido não falar sobre o crime, agora, 20 anos depois, amigos e políticos questionam a falta de avanço das investigações. 

“Eu posso afirmar que quem matou Luís estava no enterro dele, por exemplo. As pessoas têm medo de falar pois sabem que o crime organizado de São Gonçalo ainda existe e persiste no meio político”, desabafou um amgo, que segue com medo e prefere não se identificar. A família de Beija também preferiu se calar. “Ainda é muito difícil para a mãe dele falar sobre isso. O crime foi na frente de todo mundo”, disse um amigo da família do vereador. 

Romário Regis
Romário Regis |  Foto: Layla Mussi

"O assassinato da juíza Patrícia Acioli foi investigado com empenho e apoio de todos. Criminosos precisavam ser identificados e presos. E foram. Mas, quando matam políticos, como os casos da nossa cidade e o de maior repercussão, como o da Marielle, a gente vê divisão dentro do parlamento, da polícia, da população. Como se por pensar diferente, a morte da pessoa não importasse tanto. Quando mataram Marielle, mataram um pouco a nossa democracia. Os tiros no Carlinhos da Marmoraria, no Beija, no Luiz do Posto, também foram tiros na democracia em São Gonçalo. Nos eleitores que confiaram neles para ocuparem o cargo de vereador. São mortes que precisam ser esclarecidas, até para que quem pense em cometer crimes semelhantes tenham medo da punição, da justiça", explicou Romário, que embora tenha posição política contrária, é próximo ao ex-vereador e filho do Carlinhos, Thiago da Marmoraria. 

No último episódio da série 'Quem matou? Quem mandou?': Prescrição simbolizou um segundo 'enterro'

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