Caso João Pedro: família do adolescente irá recorrer de decisão que absolveu policiais
Responsável pela defesa da família de João Pedro, Defensoria Pública irá recorrer; Anistia Internacional Brasil viu com perplexidade a absolvição dos agentes
Na última quarta-feira (10), a juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine absolveu os policiais Mauro José Gonçalves, Maxwell Gomes Pereira e Fernando de Brito Meister, réus no caso João Pedro por homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e fútil, que estavam respondendo em liberdade.
Em entrevista ao GLOBO, o pai do adolescente João Pedro, morto em 2020, após ser baleado durante operação da Polícia Federal e Civil no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, apontou racismo na decisão na absolvição dos policiais.
Leia mais
Caso João Pedro: Justiça absolve policiais pela morte do adolescente
Polícia Civil prende pai e filho que agrediram um homem após discussão de trânsito
"A gente vê uma questão de racismo e preconceito por parte do estado e dos agentes públicos. Será que a Justiça daria essa decisão se nossa casa fosse em outro bairro? É proibido ter uma casa boa, com piscina dentro de uma comunidade? Eles acharam que era casa de bandido, de vagabundo", declarou Neilton da Costa Pinto, pai da vítima.
Questionado sobre a justificativa dada pela juíza ao citar uma possível legítima defesa dos agentes ao atirarem diversas vezes dentro de sua casa, Neilton também se manifestou de forma contrária.
"Ali foi o jeitinho que ela achou para absolver os caras. A única arma que tinha na casa eram os celulares nas mãos das crianças. Eles estavam brincando, jogando. Essa narrativa dela, essa decisão de legítima defesa não colou. Ficou feio pra ela", garantiu o pai de João Pedro.
Recorrer da decisão
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, responsável pela defesa da família de João Pedro, informou, em nota, que irá recorrer da decisão que absolveu os policiais. Confira:
"O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Estado do Rio Janeiro informa que, na qualidade de representante da família de JOÃO PEDRO MATOS PINTO, apresentará recurso de apelação contra a sentença que absolveu sumariamente os agentes de segurança acusados dos crimes de homicídio e fraude processual.
Ao adotar a tese da legítima defesa, a sentença não observou a robusta prova técnica e testemunhal produzida no processo e, dessa forma, subtraiu a competência constitucional do Júri Popular para o julgamento da causa. De acordo com a lei, devem ser julgados pelo Júri os crimes dolosos contra a vida, quando estiver comprovada a materialidade do fato e havendo indícios suficientes de autoria, como é o caso.
Ainda, ao afastar a prova técnica produzida por peritos externos ao próprio órgão de segurança ao qual pertencem os acusados, a sentença contraria a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo Tribunal Federal, que determinam investigações independentes e perícias autônomas em casos de morte provocada por agentes de Estado".
O pai de João Pedro enfatizou o desejo da família em recorrer da decisão: "Não pode ser normal um agente público entrar dentro de uma casa e matar um jovem assim. Vamos recorrer. Esse jogo tem que virar", afirmou Neilton.
Para a 2ª Promotoria de Justiça junto à 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, que também irá recorrer da decisão, "não foram consideradas as provas apresentadas pela acusação, especialmente o relato das testemunhas e as provas técnicas, tendo considerado “frágil” a versão defensiva"
Em nota, a Promotoria afirmou que:
"A denúncia do MPRJ ressalta que os acusados assumiram o risco de matar um inocente ao efetuarem disparos na direção de uma residência com vidros espelhados, onde não tinham condições de enxergar quem estava dentro.
Destaca ainda que a perícia da Polícia Civil atestou que não houve qualquer disparo efetuado de dentro da residência, o que afasta a hipótese de os policiais estarem apenas se defendendo.
Por fim, a Promotoria reforça que é regra de conduta de qualquer agente policial atirar apenas no que se vê. Portanto, ao atirarem numa casa fechada, de onde não vinham disparos, violaram essa regra e assumiram o risco de provocar o resultado morte", disse a nota.
Perplexidade
A decisão da juíza Juliana Bessa foi recebida de forma negativa pela organização não governamental (ONG) Anistia Internacional Brasil, que viu com perplexidade a absolvição dos agentes civis que participavam da operação.
“A absolvição envia a mensagem de que as favelas são territórios de exceção onde qualquer morte provocada pela ação da polícia permanecerá impune”, disse a Anistia Internacional, em nota divulgada na última quarta-feira (10).
A nota da Anistia Internacional também destaca que, no momento em que foi atingido, João Pedro brincava com amigos na casa, que foi “cercada e fuzilada por agentes”, conforme relataram parentes do jovem e adolescentes que presenciaram o crime.
“A família de João Pedro espera há quatro anos por justiça. É inadmissível que, após quase meia década, as autoridades não tenham sido capazes de garantir a responsabilização efetiva de todos os envolvidos nesse grave crime. A absolvição sumária dos agentes denunciados por ‘legítima defesa’ frente ao assassinato de um adolescente desarmado, que brincava dentro de casa, reitera a mensagem perigosa de que, no estado do Rio de Janeiro, a narrativa policial pesa mais do que qualquer outra e que a polícia tem legitimidade para matar em qualquer circunstância”, declarou a ONG.
Ainda segundo a Anistia, o ajuizamento da ação penal pelo Ministério Público do Rio de Janeiro ocorreu mais de um ano após a morte de João Pedro. “As primeiras audiências só aconteceram dois anos depois do assassinato, e a decisão pela absolvição dos réus, agora, passados quatro anos. Afirmamos que a lentidão da Justiça, que muitas vezes culmina na impunidade dos agressores, é mais uma forma de violência contra a memória das vítimas e seus familiares”, afirmou.