'Tropa do Corinthians' executa Schumaker, tenta 'golpe de estado' mas é obrigada a deixar Salgueiro (veja vídeo)
Terceiro capítulo da Série Especial de 'OSG' mostra como '2N' assassinou líder do Jardim Catarina, há um ano em São Gonçalo
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27 de abril de 2020 - 12:49
Por Alan Emiliano, Ari Lopes, Renata Sena e Sérgio Soares
Edição: Ari Lopes e Sérgio Soares
Em 2019, as 'águas de março' só chegaram em abril em São Gonçalo, fechando o verão já em pleno outono. Durante três dias consecutivos, a partir do dia 10 de abril, temporais castigaram vários bairros da cidade. E, mais uma vez, as mais atingidas pelas chuvas e enchentes foram as comunidades do Jardim Catarina e do Complexo do Salgueiro. Separados pela estrada federal BR-101 - construída sobre uma área de mangue no fundo da Baía de Guanabara, que divide as duas regiões -, além do drama comum de verem suas casas invadidas pelas águas, há mais de 30 anos, os cerca de 120 mil moradores dos dois bairros vivem sob o domínio da mesma facção criminosa, o Comando Vermelho (CV). No terceiro capítulo da série 'Tráfico & Milícia, Uma Nova Firma', O SÃO GONÇALO conta como essa hegemonia de três décadas foi ameaçada e chegou a ser derrubada por um 'golpe de estado' que durou menos de 48 horas.
Os dois personagens principais desse capítulo da história são Thomas Jayson Vieira Gomes, 26, o 2N, líder do tráfico no Salgueiro; e Schumaker Antonácio do Rosário, 35, o Piloto, chefe do Jardim Catarina. Ambos, 'crias' de suas comunidades e que seguiam ordens de integrantes da cúpula do CV, que mesmo presos continuavam à frente dos 'negócios' da facção. Além de serem funcionários da mesma 'firma', o CV, os dois tinham em comum a prática de assistencialismo aos moradores, o que pode ser visto naqueles dias de enchentes, quando lideraram, a bordo de barcos, o resgate de famílias ilhadas dentro de suas casas e a distribuição de cestas básicas para os desabrigados; e o terror e a violência que impunham para exercer e manter o poder.
Mas essa convivência 'pacífica' entre os dois estava com os dias contados. Como OSG mostrou no capítulo de ontem da série, 2N estava insatisfeito com seus 'chefes' da cúpula do CV e pretendia mudar de facção, 'pulando' para o Terceiro Comando Puro (TCP), e transformar o Complexo do Salgueiro num reduto dos 'azuis'. Para isso, já há algum tempo estava cooptando líderes do tráfico de outras comunidades menores de São Gonçalo, também controladas pelo CV. Mas, ele sabia que para seu sucesso, era fundamental convencer Schumaker a acompanhá-lo na 'virada', ou teria que matá-lo, antes que fosse morto por ele a mando dos 'patrões'.
Reunião pedida por 2N foi pretexto para atrair Schumaker para emboscada
Relatórios de investigações da Polícia Federal (PF) a que O SÃO GONÇALO teve acesso revelam que esse 'jogo de xadrez' do tráfico já estava sendo monitorado desde agosto de 2018, em plena intervenção federal no Estado do Rio, através de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça e interceptações de mensagens cifradas enviadas por chefões do CV encarcerados em presídios federais para suas comunidades de origem. Foi com base nessas informações, que a PF, em conjunto com a Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil (Core), e apoio das Forças Armadas, realizou três grandes e sucessivas operações no Salgueiro, entre setembro e novembro daquele ano, com pelos menos sete mortos e dezenas de presos, além da apreensão de fuzis e drogas. Mas, o objetivo final não foi alcançado, que era capturar 2N e seus principais 'assessores' e evitar a 'guerra' que se travaria meses depois, quando o traficante concretizou o seu 'golpe de estado', deixando vários mortos e moradores em pânico, sem poder sair de casa, e ressurgiu como 3N, já integrado ao TCP.
Golpe - Assim que as águas baixaram no Complexo do Salgueiro, na última semana de abril do ano passado, 2N resolveu colocar as 'cartas na mesa' para Schumaker, que estava 'hospedado' numa casa, em Itaoca, usada regularmente como um dos seus esconderijos em São Gonçalo, quando a polícia fechava o cerco a ele no Jardim Catarina, e também para temporadas de lazer. O imóvel em Itaóca, localizado numa área entre a Serra do Salgueiro e a Baía de Guanabara, servia ainda para encontros estratégicos e até 'hospedagens' de lideranças do 'Comando Vermelho' de São Gonçalo e outras regiões do Estado.
Segundo investigações da polícia, naquele 25 de abril estava marcada uma reunião de assuntos gerais entre lideranças do CV, agendada por 2N. Thomas Jayson, na realidade, estava 'blefando', pois em adiantadas conversas com líderes do TCP nos Complexos da Alma, em SG, e da Maré, no Rio, tomou conhecimento de que a cúpula do CV já teria decidido pela sua 'queda', o afastando do comando no Salgueiro. E pior, pretendia eliminá-lo, junto com seus 'colaboradores'. E o escolhido para colocar esse plano em prática era justamente Schumaker, o mais antigo 'chefe' de tráfico em atuação na região e que gozava de plena confiança dos líderes, segundo relatórios da área de inteligência das Polícia Civil e Federal.
Fora de seus domínios e acompanhado de apenas quatro 'seguranças', Schumaker não teve tempo de perceber que havia sido atraído para uma emboscada. No encontro, que aconteceu ao cair da tarde, e que teve a participação de todos os 'gerentes' de bocas de fumo das oito localidades que compõem o Complexo do Salgueiro, Thomas Jayson disse ter descoberto um plano de morte contra ele, anunciou que estava 'pulando' para o Terceiro Comando Puro e perguntou a Schumaker se ele gostaria de acompanhá-lo. Diante da negativa, a Tropa do Corinthians de 2N age rápido, e executa Piloto e seus quatro 'solados'.
Em meio à fuzilaria, outros criminosos que observavam de longe a reunião, sem entender o que acontecia, fugiram. Na realidade, os subalternos não sabiam naquele momento, que estavam presenciando a queda do CV no Salgueiro e ascensão da Tropa do Corinthians, mesmo que o golpe não tenha durado mais que 48 horas.
Consumadas as mortes em Itaoca, a Tropa do Corinthians passou então, a executar as fases subsequentes do plano. Os cadáveres de Schumaker e de seus aliados foram colocados na mala de um carro, roubado anteriormente, e levados até uma área próxima ao aterro sanitário desativado do Salgueiro. Ali, os integrantes do grupo do, agora 3N, tentando destruir provas, jogaram granadas no veículo, e obrigaram o proprietário de uma retroescavadeira a cavar uma 'cratera' e enterrar o veículo com as vítimas.
No início da noite, uma mensagem de áudio, com a voz de Thomas Jayson é disparada para o grupo de whatsapp dos telefones celulares de todos os 'gerentes' de comunidades controladas pelo CV na região, comunicando a execução de 'Piloto' e os motivos que o levaram a cometer o crime. Segundo policiais que avaliaram a autenticidade do áudio e constataram que a voz era realmente de 3N, é possível ouvir, ao fundo, o barulho do motor da retroescavadeira, já nos momentos finais do trabalho de ocultação dos corpos de Schumaker e dos outros quatro mortos.
No inquérito instaurado pela DHNISG sobre o caso, os policiais concluíram que além de Thomas Jayson, participaram das execuções de 'Piloto', seus principais aliados: 'Alexandre Souza Lima, o Xandinho; Luiz Ricardo Monteiro Cunha, o Ricardinho; seus seguranças, Carlos Henrique Barros de Oliveira, o Grisalho, líder de 10 comunidades nas regiões do Vila Três, Jardim Miriambi e parte de Santa Izabel; e Bruno de Souza Silva, o Pelanca, ex-líder do tráfico de drogas do Buraco do Boi, em Niterói, e designado pelo CV para chefiar os pontos da facção em Vila Gabriela, em Itaboraí.
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Capítulo 1
'Terceiro Comando Puro' entra na disputa de milicianos por áreas de Itaboraí
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"Schumaker estava 'armando mancada' para me matar e andava dizendo que iam cair cinco no Salgueiro. Mas digo a vocês o seguinte: da minha arma não vai sair nenhum tiro para quem for meu amigo", afirmava Thomas Jayson num dos áudios anexados ao inquérito. Já no inquérito da Polícia Federal, um dos agentes relata que ao adotar o procedimento, ele, na realidade, estava anunciando um 'racha' na quadrilha, se autoproclamando o legítimo 'dono' do Salgueiro' e tentando estabelecer uma nova ordem entre o grupo que já trabalhava no tráfico em funções inferiores. "O áudio, também significava a tentativa de demonstrar força e poder, com um recado direto de que quem fosse leal ao seu novo comando, teria reciprocidade e não amargaria o mesmo fim de Schumaker", afirmou.
No dia seguinte à execução de Schumaker, a Tropa do Corinthians ainda cometeu outro crime, enquanto tentava estabelecer uma 'nova ordem' no Complexo do Salgueiro: o sequestro de um morador que supostamente teria se relacionado com a mulher de um traficante do grupo. Após ser espancado a socos e pontapés, a vítima levou um tiro em cada uma das mãos e foi levada para um cativeiro. Segundo investigações da 72ªDP (Mutuá), além de Thomas Jayson e toda 'Tropa do Corinthians', outros dez homens de funções hierarquicamente mais baixa na quadrilha também participaram do crime - todos foram identificados e estão sendo procurados.
Sem apoio - Ao longo da noite e madrugada do dia seguinte, Thomas Jayson e seu grupo constataram que nenhum dos 'gerentes' do chamado 'G-8' do Salgueiro, a exceção de Biscole, que era seu compadre, aceitariam seguir o caminho de 3N no TCP, já que os grupos de telefones dos 'gerentes' silenciaram. Segundo policiais do Setor de Inteligência da Secretaria de Segurança do Estado, todos os principais líderes do CV em São Gonçalo, de dentro da cadeia, ordenaram que fosse formado um 'bonde' nas comunidades controladas pela facção na cidade para ocupar o Complexo do Salgueiro e eliminar todos os envolvidos na execução de Schumaker.
Sem apoio, 'Tropa do Corinthians' foge do Salgueiro em 'bonde' pela Estrada do Comperj
Sem apoio suficiente para virar a chave do CV para o TCP e se manter no Salgueiro, 3N teve que agir rápido e adotar uma mudança de estratégia. A decisão agora era recuar, para depois avançar. Na madrugada do dia 27, ele deixou a região junto com sua 'tropa', num 'bonde' que saiu em pelo menos dois carros, seguindo pela Estrada do Comperj, em direção à Itaboraí.
A Tropa do Corinthians teria usado conhecimentos de Bruno Pelanca em Itaboraí para conseguir esconderijos seguros e se organizar para chegar aos outros destinos traçados na 'viagem': o Complexo da Alma, principal comunidade controlada pelo Terceiro Comando Puro em São Gonçalo, e depois, o Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, onde passou os primeiros dias junto com seu grupo de confiança e outros traficantes de escalões superiores do Salgueiro que o acompanharam.
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Capítulo 2
Como '2N' montou plano para mudar de facção e tentar 'golpe de estado' no Salgueiro
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Segundo levantamentos da polícia, o que teria revoltado mais ainda as lideranças do CV, além da morte de Schumaker, era o fato de 3N ter levado cerca de 40 fuzis, dezenas de pistolas e todo estoque de munições, além de tabletes de cocaína, crack e maconha puros e sem misturas, dando um prejuízo de mais de R$ 2 milhões nos agora rivais. Além disso, após a execução de Piloto, 3N teria 'saqueado' um cofre de Schumaker, levando mais de R$ 200 mil, resultante da arrecadação do tráfico no Jardim Catarina.
Contra ataque ao vivo pelas redes sociais - Na tarde de domingo (28), sem saber se 2N e a Tropa do Corinthians permaneciam ou não no Salgueiro, uma verdadeira 'força-tarefa' do CV, composta por criminosos de várias comunidades do Estado do Rio e armada com dezenas de fuzis e pistolas, invadiu o local. A incursão foi registrada ao vivo, em 'lives' pelas redes sociais, para mostrar que a região continuava 'vermelha'. Além das imagens ao vivo dos criminosos circulando no Salgueiro, foi divulgada também uma foto de um homem mascarado, com um cartaz escrito 2N traidor safado' sobre o corpo, cercado de fuzis. O personagem estava deitado sobre a caminhonete que Thomas Jayson costumava usar para dar seus 'rolés' no complexo, e que não conseguiu levar na fuga.
O 'golpe de estado' de 2N havia sido revertido, mas estava montado o cenário para a 'guerra' que viria a acontecer, agora, pelo lado do TCP, liderada pelo novo personagem: 3N. Que jurou voltar a São Gonçalo e fazer o Salgueiro ficar 'azul', com as cores do TCP.
Poucos dias após a fuga, no dia 6 de maio de 2019, Thomas Jayson sofreu sua primeira grande baixa já na nova facção. Uma grande operação montada pela Polícia Civil, com apoio de um helicóptero blindado, descobriu seu primeiro esconderijo, na Vila dos Pinheiros, no Complexo da Maré. Na ocasião, oito homens ligados ao tráfico acabaram mortos, sendo sete deles ligados a 3N, que teria conseguido fugir pelo mangue. A mulher dele também foi presa e houve a apreensão de sete fuzis, pistolas e granadas. Desconfiado de que pudesse estar sendo traído pelos companheiros da nova facção, 3N pediu para que houvesse um rodízio de esconderijos até que achasse um local adequado, em São Gonçalo, para abrigar sua tropa. E dessa forma passou por Parada de Lucas; e na Cidade Alta, em Cordovil, antes de se refugiar no Complexo da Alma, em SG.
Sem milícia - Segundo investigações da polícia, 3N não apenas passou a ceder armamentos e munições para investidas à comunidades do CV em São Gonçalo, como também foi para a chamada 'linha de frente' em alguns confrontos e invasões. Assim, conquistou a confiança de alguns dos principais 'chefões' do TCP, como Thiago da Silva Folly, o TH, da Maré, Álvaro Malaquias Rosa, o Peixão da Cidade Alta, Bruno da Silva Loureiro, o Coronel, do Muquiço, no Rio, e Pai, do Complexo da Alma, em SG. Na condição de investidor, passou a comprar drogas e armas dos fornecedores do TCP. Parte das lideranças dessa facção defendiam a ideia de tentar uma 'costura' que 3N pudesse minimizar o problema da falta de 'soldados' para a 'guerra' com CV. Mas Thomas Jayson, sem experiência com esse tipo de articulação, preferiu recusar parcerias e seguir em comando paralelo, mas leal ao TCP, assumindo a função de escolher os 'soldados' para sua 'tropa'.
'CV' faz homenagem a Schumaker
No último sábado (25), dia em que se completou um ano da morte de Schumaker Antonácio do Rosário, integrantes do Comando Vermelho postaram um vídeo com diversas imagens de 'Piloto' em épocas diferentes, em momentos de lazer. O vídeo, acompanhado de uma música de fundo, tem a seguinte legenda: "Hoje faz um ano que sofremos uma das maiores covardias que tirou a vida do nosso grande paizão. Nada vai apagar a melhor gestão que esse Catarina teve e que o mano Flamengo ta dando continuidade".
Leia amanhã - Após morte de '3N', 'TCP' articula novos planos com 'bases' em SG e Niterói