União do TCP com milícia já controla áreas do CV em SG e Itaboraí
Último capítulo da Série Especial 'Trafico & Milícia', Uma Nova Firma' faz mostra organização da criminalidade aós morte de '3N', em 2019
Por Alan Emiliano, Ari Lopes, Renata Sena e Sérgio Soares
Edição: Ari Lopes e Sérgio Soares
Infografia e Arte : OSG
A expansão da associação entre traficantes da facção Terceiro Comando Puro (TCP) e milicianos, em Itaboraí, São Gonçalo e Niterói, como O SÃO GONÇALO vem mostrando na Série Especial 'Tráfico & Milícia, Uma Nova Firma', já começa a preocupar autoridades de Segurança Pública. Mas essa 'sociedade' entre os dois grupos criminosos ganhou força e características de uma organização, com hierarquia, departamentos e divisão de atividades e lucros, há pelo menos dois anos, em comunidades da Zona Oeste do Rio. Lá, TCP e milicianos convivem pacificamente, na exploração de suas 'atividades fins': venda de drogas e exploração dos mais variados serviços, cobrando taxas, por isso, de moradores e comerciantes, desde 2017, quando expulsaram traficantes do Comando Vermelho (CV) da Favela do Rola, em Santa Cruz.
Em seguida, a 'nova firma' abriu 'filiais' em comunidades de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense; Vila Aliança, na Zona Oeste; e Acari, Cidade Alta e Dendê, na Zona Norte. Nessas áreas, os traficantes do TCP liberaram a venda pela milícia de água, gelo e serviços de telefonia e TV, os 'gatonets'.
Após conquistar esses importantes territórios na capital e Baixada Fluminense, a 'nova firma' via com bons olhos a oportunidade de abrir uma 'filial' no Complexo do Salgueiro, maior reduto do lado de cá da Baía de Guanabara da facção rival, o Comando Vermelho (CV), ao tomar conhecimento, em meados de 2018, de que o 'gerente' Thomas Jayson Vieira Gomes, 25, o 2N, cria da comunidade, queria 'pular' e dar um 'golpe de estado'.
"Hoje, quase dois anos depois das primeiras negociações entre 2N e os emissários do TCP, com tudo que aconteceu até a morte dele, o que se conclui é que nunca houve uma relação de confiança entre eles. O 2N, por tudo que já havia passado nas mãos de policiais na comunidade, pagando extorsões e arregos para eles, nunca iria aceitar se associar com milicianos", afirmou um policial civil aposentado, que trabalhou até há pouco tempo relatando inquéritos sobre o tráfico no Complexo do Salgueiro.
Essa falta de confiança de 2N em se 'sentir em casa' no TCP, após 'trabalhar' por mais de 10 anos no CV e adotar o codinome de 3N, pode ser comprovada pela verdadeira 'saga' que viveu durante sete meses, desde a sua 'deserção' em 25 de abril de 2019, até sua morte, em 26 de novembro do mesmo ano. Pelos registros do Setor de Inteligência da Subsecretaria de Segurança do Estado e informações recebidas pelo Disque Denúncia, ele e seus fieis seguidores da Tropa do Corinthians perambularam por pelo menos seis comunidades no Estado do Rio, controladas pelo TCP: Vila dos Pinheiros, no Complexo da Maré; Parada de Lucas; Cidade Alta, em Cordovil; Parque Belém, em Angra dos Reis; Jardim Miriambi e Alma, em São Gonçalo; e Cabuçu, em Itaboraí, onde foi morto pela Polícia.
Acostumado a ter um batalhão de 'soldados' armados de fuzis e pistolas à sua disposição no Complexo do Salgueiro, após o 'golpe de estado' que durou menos de 48 horas, 3N passou a viver com a dura realidade de ter armas e, até dinheiro, já que teria fugido levando pelo menos 50 fuzis e mais de R$ 2 milhões em dinheiro vivo e drogas, mas não tinha mais um 'exército' para comandar. Isso pode ser comprovado por mensagens resgatadas do seu celular, apreendido por policiais no dia da sua morte.
Num áudio gravado no aplicativo de mensagens do aparelho, duas semanas antes de sua morte, em 26 de novembro de 2019, 3N discute com um integrante do baixo escalão do TCP, que pretendia montar pontos de venda de drogas nos bairros Lagoinha, Lagoa Seca e Laranjal, em São Gonçalo, que haviam sido tomados do CV, graças à liderança dele. A troca de mensagens está repleta de erros de digitação e de português. "Como q vc vai colocá a boca no meu bagulho..Q lógica é essa..Quem deu permissão a vcs?", pergunta Thomas Jayson. O integrante do TCP nega, mas provoca 3N: 'Você chegou agora, cara...'. Então, 3N retruca que as três áreas foram conquistadas pela Tropa do Corinthians, mas explica porque estão vazias: "Só não tenho soudados (sic) suficientes", revela na conversa que consta no inquérito sobre ele, a que OSG teve acesso.
Essa confissão de fraqueza, de certa forma, representava que estava chegando ao fim a aventura de 3N em conquistar territórios do CV em São Gonçalo e voltar, de forma triunfal, para o Complexo do Salgueiro, onde pretendia fincar a bandeira da sua nova facção, o TCP. Exatos 14 dias depois dessa conversa com o traficante da Lagoinha, ele e todos os seus principais homens de confiança foram mortos numa operação surpresa de policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil (Core), com apoio do 7ºBPM (São Gonçalo) num sítio, em Cabuçu, distrito rural de Itaboraí, onde estavam escondidos. Além de 3N, Alexandre Souza Lima, o Xandinho, Luiz Ricardo Monteiro Cunha, o Ricardinho, Renato Baptista, o Da Vovó, Higor Rodrigues Rocha, e um sexto homem, não identificado.
De certa forma, segundo a Polícia, as mortes de 3N e os integrantes da Tropa do Corinthians aceleraram a expansão da sociedade entre traficantes do TCP e milicianos nas três cidades da região, já que ele era, como 'nova estrela' ascendente na facção, o principal crítico à essa aliança. Foi após a saída de cena da Tropa do Corinthians, ocorrida no final de novembro, que TCP e milicianos fizeram a primeira reunião e chegaram a um acordo para 'trabalharem' juntos em Visconde de Itaboraí, Areal, Rua da Lama, Retiro e Porto das Caixas. O contrato da nova 'firma' foi 'assinado' entre o miliciano Renato Nascimento dos Santos, o Renatinho Problema, e o traficante identificado como ML, que a polícia acredita ser um ex-segurança do chefe do tráfico local, TH, quando ainda atuava pelo Comando Vermelho (CV). O 'acordo' foi assinado dentro da cadeia, pois ambos estão cumprindo penas em penitenciárias do Estado do Rio.
Investigações de policiais da Delegacia de Homicídios da Baixada (DBHBF) e da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) apontam, que para contra atacar essa sociedade entre o TCP e milicianos, a cúpula do CV chegou a trocar mensagens em grupos de whatsapp com rivais da facção Amigos dos Amigos (ADA) para formarem uma aliança contra o novo inimigo em comum, mas não houve um acordo, justamente por disputas históricas entre as duas facções pelo controle de áreas em comunidades de São Gonçalo, Niterói, e Macaé, no Norte Fluminense.
Investigações apontam a expansão da 'trafilícia' de Itaboraí para SG e Niterói
Setores de inteligência da área de Segurança Publica acompanham uma tendência entre os líderes do TCP em rediscutir uma forma de organização que possibilite ao grupo criminoso ter, não apenas fuzis e pistolas, mas também 'soldados' com experiência operacional em manuseio de armas para conquistar comunidades controladas e acima de tudo, também mantê-las.
Levantamentos feitos, nos últimos meses, pelos policiais do Serviço de Inteligência da Polícia Militar mostram que 80% das comunidades situadas em São Gonçalo estão em poder do Comando Vermelho. Já em Niterói, a estimativa é de que esse controle chegue a 90%. Através de investigações, a polícia descobriu, por exemplo, que os 'cardeais' do TCP chegaram a um consenso que o 'plano' de conquistar o poder no Complexo do Salgueiro para se expandir para outras comunidades da cidade, não deu certo porque a facção não tinha 'mão de obra' suficiente para a 'empreitada', de pegar em armas e ir para a linha de frente do combate.
Mas para entender qual era a estratégia do TCP, confiada a 3N, líder da 'Tropa do Corinthians', será preciso voltar a maio de 2019, quando os criminosos precisaram traçar uma espécie de 'Plano B' e investir em outras regiões, dias antes após não conseguirem sustentar o 'golpe de estado no Complexo do Salgueiro.
Quando deixou o antigo reduto, com um arsenal de pelo menos 50 fuzis, dezenas de pistolas, '3N' passou não apenas a comprar drogas dos fornecedores do TCP, como também colocava seu armamento à disposição dos 'manos' para eventuais invasões. Através das próprias imagens feita pelos criminosos do TCP durante as invasões, outro detalhe comprovava que 'Thomas Jayson' estava por trás das 'guerras': toda base de seus fuzis, na altura dos gatilhos, estavam pintados com três cores padrão: vermelho, preto e amarelo.
Nos primeiros meses da empreitada, os alvos da Tropa do Corinthians foram, por uma questão de lógica, o Buraco do Boi, tradicional reduto do CV, no Barreto, em Niterói, e o Jardim Miriambi, Vila Três e 590, em São Gonçalo, áreas já chefiadas anteriormente por dois dissidentes do CV, que acompanharam 3N: Bruno Souza Silva, o Bruno Pelanca, que foi o 'gerente' da comunidade do 'Boi' durante alguns anos, até ser preso, em 2016; e Carlos Eduardo Barros de Oliveira, o Grisalho, oriundo do Complexo do Chapadão, no Rio, que havia abandonado a 'chefia' em dez comunidades 'vermelhas' no Vila Três, Jardim Miriambi e parte de Santa Izabel, em São Gonçalo.
Na estrutura operacional desse grupo formado por 3N, estavam ainda, os seguranças Xandinho, e Ricardinho, companheiros e inseparáveis seguranças de 3N, que tinham a função de protegê-lo e também ajudar e selecionar 'homens' de confiança de outras alas do TCP para comporem os 'bondes invasores' aos territórios inimigos.
"Com o conhecimento territorial e até de pontos estratégicos do traficantes nas comunidades que haviam chefiado, tanto Pelanca como Grisalho passaram a ganhar importância no grupo de 3N. Não havia mais possibilidade imediata de 'investir' no Salgueiro, não apenas pela grande extensão territorial desse complexo, mas também pelo fato de a Tropa do Corinthians ser muito menor do que o exército que o CV mantém para proteger essa região", afirmou um dos policiais que participou das investigações.
O Buraco do Boi foi logo deixado de lado por 3N após algumas investidas porque o CV, a exemplo do que havia feito no Salgueiro, também reforçou a proteção da comunidade com 'soldados e armas'. A partir do segundo semestre do ano passado, a tomada de territórios do TCP passou a se concentrar nas comunidades do Vila três, Jardim Miriambi 590, no Complexo do Anaia e no Laranjal, em São Gonçalo.
As ações tiveram mais sucesso pelo fato da quadrilha liderada pelo traficante 'Pai', do Complexo da Alma, maior reduto do TCP na cidade, ter cedido homens para combater o CV. Do lado adversário, os 'vermelhos' também procuravam se reforçar. Em agosto de 2019, setores de Inteligência da Polícia registram, por exemplo, a associação do CV com a facção Amigos dos Amigos (ADA), e a adesão de Alessandro Luiz Vieira Moura, o Vinte Anos, e sua colaboradora Rayane Nazareth Cardoso da Silveira, a Hello Kity, da comunidade Nova Grécia, em São Gonçalo. No dia 21 de novembro do ano passado, a polícia prendeu na cidade de Caravelas, na Bahia, Bruno Pelanca, provocando naquele mês, a primeira 'baixa' na Tropa do Corinthians, que veio a se desfazer cinco dias depois, quando 'Thomas Jayson e sua 'trupe' acabaram mortos no sítio em Itaboraí.
Com 'Tropa do Corinthians' fora de cena, milícia entra em cena e negocia com tráfico
Com 3N e a 'Tropa do Corinthians fora de cena, os Setores de Inteligência da área de Segurança Pública no Estado monitoram movimentos do TCP para se manter em territórios já conquistados no eixo Niterói e São Gonçalo. Se em Itaboraí, a aliança com milicianos já se consolida em áreas do Centro, Visconde, Nancilândia e Porto das Caixas, em São Gonçalo a 'espinha dorsal' da sociedade é liderada pelo miliciano Anderson Cabral Pereira, o Sassa, que orquestra invasões a territórios do CV, com apoio de traficantes do TCP.
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Sassa, mesmo de dentro de um presídio do Rio de Janeiro, é apontado como o mandante de uma da maiores chacinas de São Gonçalo nos últimos anos, quando quatro moradores da comunidade do Campo da Brahma, no Porto Velho, foram mortos e outras sete pessoas ficaram feridas. O motivo, segundo investigações da Divisão de Homicídios de Niterói, Itaboraí e São Gonçalo, seria a negativa dos moradores e comerciantes locais em pagar as 'taxas', estabelecidas pela milícia, em parceria com o TCP. Sassa, segundo as investigações, lideraria o 'Consórcio' com o TCP na cidade, no controle dos bairros do Porto Velho, Porto Novo e Gradim.
Atividades do grupo de Sassa estariam sendo acompanhadas de perto por Grisalho, único remanescente da 'Tropa do Corinthians' ainda vivo e que não estava no sítio em Cabuçu quando seus 'manos' foram mortos. Ele estaria articulando, com apoio do traficante Pai, do Complexo do Alma, outro reduto do TCP, em São Gonçalo, a sociedade com os miliciano. A ficha de Grisalho inclui cinco mandados de prisão por homicídio, trafico de drogas e roubos. Nascido no Rio, Há alguns anos, ele ganhou confiança de líderes do CV quando atuava na quadrilha dessa facção no Complexo do Chapadão, em Costa Barros, no Rio. Era 'gerente' da comunidade Final Feliz, quando foi preso, em fevereiro de 2016. Ficou encarcerado até até dezembro de 2017, quando ganhou a liberdade condicional e nunca mais voltou, segundo informações de sua ficha na Secretaria Estadual de Administração Penintenciária (Seap) do Estado.
Ainda no CV no início de 2018, 'Grisalho recebeu então, a missão de 'reforçar' as fileiras do facção em que estava, ganhando a 'gerencia' de 10 comunidades em São Gonçalo, no Vila Três, Jardim Miriambi e parte de Santa Isabel, áreas que abandonou depois, após 'pular para o TCP com Thomas Jayson, em 2019. Após a morte de 3N, 'Grisalho, com apoio de traficantes do Complexo da Alma, teria conseguido retomar território para explorações criminosas apenas no Jardim Miriambi, segundo informações da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod) do Estado.
Niterói - Em Niterói, policiais investigam a associação entre o TCP e a milícia, numa espécie de 'experiência piloto' nas comunidades do Santo Cristo e complexo da Palmeira, no Fonseca, onde o Terceiro Comando trava uma disputa há mais de 20 anos pelo controle da Vila Ipiranga, uma das mais rentáveis na venda de drogas na região. Nas últimas semanas, moradores vem relatando em redes sociais, a presença de milicianos na parte baixa das duas comunidades, enquanto os traficantes do TCP mantém o controle da venda de drogas nas partes mais altas. As investigações apontam que um suposto plano de ataque e invasão à Vila Ipiranga, que ocorreria ainda esse mês, foi suspenso por conta da epidemia de coronavírus, que está causando baixas nas três comunidades, inclusive causando mortes entre os traficantes.
Disque Denúncia - Quem tiver qualquer informação a respeito da localização do assassino ainda em liberdade, favor denunciar pelos seguintes canais: Whatsapp ou Telegram Portal dos Procurados (21) 98849-6099; pelo facebook/(inbox), endereço: https://www.facebook.com/procurados.org/, pelo mesa de atendimento do Disque-Denúncia (21) 2253-1177, ou pelo Aplicativo para celular .