STF aprova inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra
Entenda como essa decisão afeta o julgamento de casos de violência contra a mulher e feminicídio
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na última terça-feira (1), por unanimidade, proibir e tornar inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio e violência contra a mulher. A tese era utilizada de maneira arcaica para deslegitimar a violência sofrida pela vítima, e justificar o crime cometido pelo agressor caso o mesmo tivesse sua “honra” ferida.
Entretanto, para entender de que maneira a decisão altera os processos de julgamento dos casos, é preciso entender do que a “tese da legítima defesa da honra” se trata, de fato.
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Com raízes na época do Brasil Colônia, em que a honra masculina era tratada como um bem jurídico a ser protegido pela justiça, a tese tem como objetivo justificar o comportamento do acusado, partindo do princípio de que o crime foi cometido pois ele teve sua ‘honra’ ferida. Ou seja, em casos em que a vítima havia cometido adultério, a agressão ou até o assassinato, se tornavam “aceitáveis” pois, supostamente, quem havia errado primeiro era a mulher.
Tal recurso de defesa foi utilizado por muitos anos para deslegitimar mulheres vítimas de agressão e feminicídio, culpabilizando-as pelo ocorrido, mas com a recente decisão do STF, esse cenário mudou. Agora, o uso da tese é entendido como inconstitucional e contra os princípios da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.
Em entrevista ao O SÃO GONÇALO, o advogado especialista em Direito Penal e da Família, Samuel Leandro, explicou de que maneira a proibição desse recurso altera o julgamento dos processos e torna-os mais justo, principalmente para as vítimas.
“A tese agora é vista como inconstitucional e, por isso, não pode ser usada pela defesa, pela acusação, pela autoridade policial e pelo próprio juízo nas fases pré-processual ou processual. Qualquer referência a ela poderá levar à nulidade de provas ou até do julgamento perante o Tribunal do Júri.”, disse Samuel.
O advogado revelou também, que a medida é essencial para que as vítimas recebam a justiça adequada, e finalizou: “A mudança implica numa maior efetividade dos julgamentos que envolvem a temática, e afasta a incidência argumentativa de recursos e teses protelatórias”, ou seja, afasta o uso de teses que prolongam e atrasam o andamento do julgamento.
De acordo com a delegada titular da Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM) de São Gonçalo, Débora Rodrigues, a decisão do STF é apenas a ratificação de uma prática que tem sido cada vez menos utilizada, conforme o passar dos anos.
Segundo ela, um caso que foi essencial para que a tese entrasse em desuso foi o assassinato da atriz Ângela Diniz, conhecida como "Pantera de Minas", que foi morta a tiros pelo marido Raul "Doca" Street, em 1976. Na época, o caso gerou grande revolta no público, pois no primeiro julgamento, Raul deixou o tribunal pela porta da frente, sob a justificativa de que havia cometido o crime pela defesa de sua honra e "matado por amor". Com a repercussão e os protestos que se iniciaram, o caso foi levado à julgamento novamente, e Raul foi condenado a 15 anos de prisão.
"Da lá para cá, essa tese tem sido enfraquecida cada vez mais, isso é um resquício da sociedade patriarcal, do machismo, e realmente é inaceitável. A morte da mulher ela deve ser combatida com todos os rigores, porque o feminicídio é algo previsível.", contou a delegada, que informou que na maioria dos casos, o feminicídio é realizado por um conhecido da vítima, e em 78% dos casos, acontece dentro de casa.
"Então com essa declaração de inconstitucionalidade, a gente fica feliz, mas pensa que é um absurdo que em 2023 a gente ainda tenha que discutir a tese da defesa da honra.", completou.
Para a ministra e presidente do STF, Rosa Weber, a decisão é a confirmação de que não há mais espaço para valores arcaicos nas instituições jurídicas, e afirmou: “não há espaço para a restauração dos costumes medievais e desumanos do passado pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso em defesa da ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina pela qual se legitima a eliminação da vida de mulheres”.